Segunda Leitura

Desafios e dificuldades nas escolhas das carreiras jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

26 de novembro de 2017, 7h00

Spacca
Na área jurídica, ou fora dela, nem sempre surgem boas oportunidades. Muitos passam por períodos de indefinição, estagnação mesmo. Mas, por vezes, dá-se o oposto. Eis que de repente surgem duas oportunidades acumuladas, ou simplesmente duas coisas inconciliáveis, a obrigar uma difícil escolha. Não há regras estabelecidas sobre o assunto, nem mesmo guias de orientação. Exemplos:

Dois concursos marcam prova para o mesmo dia. O candidato, após anos de estudo, vê-se obrigado a optar por um deles, com risco de, não passando, perder os dois.

Uma oportunidade de advogar para uma empresa surge junto com o convite de um colega de turma para montar um escritório. Salário fixo, nem sempre muito atraente, contra a possibilidade de crescimento aliada à insegurança do ganho mensal.

Ela tem a chance de fazer um mestrado no exterior. Lutou muito por esta oportunidade. Todavia, isto surge no exato momento em que ele lhe propõe casamento. Ir ou ficar, eis a questão.

Uma jovem casada, de Recife, que participa de concurso para promotora de Justiça do Distrito Federal, pensou se haverá emprego para o marido na capital federal? Se for engenheiro, por exemplo, ele terá muitas dificuldades. Avaliou as consequências de morar longe? Se tiver filhos pequenos e o marido não puder mudar, levará as crianças? Ou ficarão aos cuidados da avó?

Assumir o cargo de assessoria no Ministério Público ou dedicar-se com exclusividade ao concurso público. Fazer o doutorado ou engravidar. Fazer carreira na magistratura ou ficar no interior.

Passei, mais de uma vez, por este tipo de experiência. Assisti muitos passarem por ela. Acompanhei decisões e vi os resultados. Dramas pessoais, muitos deles com um final não conclusivo: terei tomado a melhor decisão?

Exercendo o cargo de promotor de Justiça, com três filhos menores, morando em uma cidade pequena com poucos gastos, fui aprovado em concurso para juiz federal, cujos vencimentos eram 20% menores (algo em torno de R$ 5 mil) e me obrigavam a morar em uma capital (não havia a interiorização da Justiça Federal), onde o custo de vida era muito maior. Sofri seis meses antes de tomar posse, no meu to be or not to be pessoal.

Quem se depara com este tipo de dúvida, que nem sempre é de dois bons cargos, como no meu caso, deve adotar estratégias para que a solução seja a melhor, dentro do possível.

A primeira medida é não dar início a um processo de busca profissional sem avaliar bem qual será o resultado em caso de sucesso. Digamos que se trata de passar o princípio da prevenção para a vida privada.

Prevenir, no caso, é avaliar todas as circunstâncias. Colocar no papel os prós e os contras. Conversar com algumas pessoas experientes em quem tenha confiança. Não muitas, para não passar a imagem de indeciso.

Por exemplo, quem, oriundo de Santa Catarina, resolve fazer concurso público para a magistratura do estado do Amapá, tem conhecimento de como são as condições de uma cidade localizada a centenas de quilômetros da capital? Qual a forma de acesso? Quantos dias leva? Se o Tribunal permite que, dela, possa ausentar-se nos fins de semana? Se tem hospital, quantos são os médicos, qual a qualidade das escolas? Uma visita ao local, mesmo sendo cara a viagem, sempre ajuda.

Fazer o concurso e resolver depois é totalmente desaconselhável. Uma vez aprovado, com a perspectiva de ter uma excelente remuneração, a desistência é quase impossível. E, se vier a ocorrer, pode gerar um longo ou eterno inconformismo, porque se perdeu uma oportunidade que talvez seja a única.

Além da minuciosa análise prévia, que deve incluir conversa franca com pelo menos um magistrado local, o passo seguinte é não decidir sozinho.

É imprescindível uma conversa franca com os que serão afetados pela decisão. Marido, namorada, pais, irmãos, sócio do escritório, todos devem ser consultados, a fim de que exponham sua opinião. Uns estimularão, outros dirão ser loucura. Mas, das suas palavras, sempre virá um dado a mais a ponderar.

Portanto, não se entra em um concurso deste sem discutir, principalmente com o parceiro, todas as possibilidades e consequências. Não só a curto prazo (p. ex., vou ganhar R$ 30.000,00 reais!!!), mas sim a médio e longo prazo. Se entre ambos houver concordância, nunca nenhum dos dois poderá acusar o outro de ter dado causa a uma situação indesejável.

Suponha-se que um mineiro de Belo Horizonte seja convidado para atuar em grande escritório de advocacia empresarial em São Paulo, com boas chances de carreira e realização pessoal. Perderá, contudo, o contato diário com os pais, que na terceira idade já dão sinais da passagem do tempo, com os primeiros problemas de saúde.

Drama pessoal que põe em conflito família e relação profissional, só pode ser evitado com uma conversa franca com aqueles que possam minorar o problema. Normalmente, irmãos, já que os pais, certamente, não criarão obstáculos, porque querem ver o filho realizado. A situação financeira também tem que ser estudada. Será possível   fazer o trajeto entre as duas capitais de avião? É dizer, estar sempre presente, suprindo as necessidades afetivas, e outras, dos genitores.

Na análise do custo/benefício, é preciso ter em conta que qualquer saída da zona de conforto representa uma perda. Querer garantia absoluta da felicidade é impossível. Portanto, as regras do jogo acenam com um percentual inevitável de risco.

Exemplo típico. Promotor há 10 anos, ganhando bem (inclusive verba eleitoral), questiona se deve ir para a capital, onde, cada vez mais, fica assustado com o tráfego de veículos, a violência e o preço das coisas. Ficar é cômodo, ir impõe sacrifícios. Mas ficar é, também, uma vida profissional opaca, ir representa a chance de crescimento pessoal, novas posições, acesso à cultura, conhecer pessoas interessantes. Decisão difícil, com certeza.

Óbvio que sempre é mais fácil permanecer na própria cidade. Nos casos extremos, no bairro em que sempre morou e a mãe reside. A vida flui mais facilmente. Mas, se a pessoa tem um sonho e confiança em si própria, deve assumir um risco calculado. Afinal, o arrependimento pode ser de fazer ou de não fazer. Sempre será melhor ter o primeiro. “Tentei, fiz tudo dentro do possível”, é uma conclusão melhor do que “fui covarde, perdi a oportunidade da minha vida”.

Finalmente, um registro imprescindível aos que passam por tal situação. Uma vez tomada a decisão, não se fala, não se pensa e muito menos se avaliam as possibilidades de ter sido mais feliz se a escolha fosse a outra.

Exemplo: Jovem e estudiosa, ela conquista o título de mestre em Direito e decide ser professora universitária, ao invés de fazer aquele concurso para a Advocacia Geral da União (AGU), no qual estava inscrita. Dez anos depois, por uma amiga que fez aquela opção, descobre que está ganhando um terço dos vencimentos dela e que, contratada pela CLT, não tem segurança no emprego. Arrepender-se da decisão tomada é tolice, inclusive porque não há volta. Quando se decide por um caminho, o melhor a fazer é nem procurar saber como está a opção abandonada.

Decisões como estas são sempre difíceis, mas fazem parte da vida de todos. Por isso, devem ser tomadas com a mais ampla análise dos prós e contras, pois os seus reflexos se farão sentir para sempre, sem volta. Na música Velha roupa colorida Belchior já dizia: “No presente a mente, o corpo é diferente,
e o passado é uma roupa que não nos serve mais.”

 

 

 

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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