Distribuição de prejuízos

"Como pessoa jurídica, Petrobras é
autora e vítima dos mesmos atos ilícitos"

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25 de novembro de 2017, 6h15

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A Petrobras, como pessoa jurídica, é autora e vítima das irregularidades cometidas pelos seus administradores. Isso porque os sócios da empresa sofreram prejuízo decorrente de atos ilícitos que são alvos de processos, como os relacionados à "lava jato". A opinião é do ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele afirma que alguns danos já foram até reconhecidos contabilmente e que os ressarcimentos já obtidos estão sendo devolvidos aos cofres da empresa para diminuir os estragos.

Em relação ao tema, o ministro lembra também que acórdão recente do TCU determinou a citação de diretores e a audiência de membros do Conselho de Administração da Petrobras pela prática de vários atos que implicaram violação do “dever de diligência” para com a companhia, em investimentos relacionados à aquisição da refinaria Pasadena nos Estados Unidos.

Zymler é relator no TCU do processo em que apura supostas irregularidades na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, pela companhia petrolífera. O tribunal analisa os agentes que deram parecer favorável ao investimento.

Em análise preliminar e não conclusiva, o ministro afirma que os desvios apurados ocorreram porque os estudos técnicos partiam muitas vezes de pressupostos que não eram prognosticáveis. "O que fazia com que essas decisões estivessem impregnadas de indícios de falhas", disse, sem dar mais detalhes sobre o caso.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor foi autor de um voto vencedor que responsabiliza gestores da Petrobras pelos desvios apurados na implantação da Refinaria Abreu e Lima. Esse entendimento foge à tese do MPF de que a Petrobras foi vítima de quem pagou propina.
Benjamin Zymler
Como é cediço, qualquer pessoa jurídica age por meio de seus agentes, em especial seus administradores, que exercem a representação da companhia e são responsáveis pela prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular. Mesmo que os administradores pratiquem atos em desacordo com a lei e com o estatuto da companhia, ou seja, contrariem os fins e o interesse da companhia, eles estarão atuando em nome da companhia e ela poderá em tese ser chamada a ressarcir os terceiros pelos prejuízos eventualmente cometidos. Nesse contexto, a Petrobras, como pessoa jurídica, pode ter praticado atos ilícitos, nos termos apurados nos diversos processos concluídos e em andamento nas diversas instâncias de controle. Ao mesmo tempo, é possível afirmar que a Petrobras, como pessoa jurídica, também é vítima das irregularidades cometidas pelos seus agentes, na medida em que, ao final, seus sócios sofreram prejuízo decorrente de atos ilícitos, o que já foi reconhecido contabilmente. Nesse mesmo sentido, os ressarcimentos obtidos pelas diversas instâncias de controle serão carreados aos cofres da Petrobras, o que contribuirá para a mitigação desses prejuízos.

ConJur — A responsabilização dos administradores das empresas públicas por supostos desvios já tem jurisprudência pacífica dentro do TCU? Qual é a opinião do senhor sobre o tema?
Benjamin Zymler Conforme o artigo 158 da Lei das S.A., o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo ou com violação da lei ou do estatuto.

O TCU procura verificar, no exercício da jurisdição de contas, o cumprimento desses standards, de forma que ele pode aplicar suas sanções e imputar o dever de ressarcir, caso os administradores violem o dever de cuidado e diligência e causem prejuízo ao erário. Por exemplo, o tribunal aprovou recentemente o Acórdão 2.284/2017-Plenário em que determinou a citação de diretores e a audiência de membros do Conselho de Administração da Petrobras pela prática de vários atos que implicaram violação ao “dever de diligência” para com a companhia, na realização de investimentos relacionados à aquisição da refinaria Pasadena nos Estados Unidos.

ConJur — O TCU está analisando mais casos desse tipo?
Benjamin Zymler Há também outros processos em que estão sendo avaliadas operações de aquisição de participação societária em empresas privadas pelo BNDESPAR, com vistas à eventual responsabilização de seus administradores. Tais processos sinalizam a atuação mais ampla do tribunal na análise dos atos gerenciais dos administradores das empresas estatais.

ConJur — Em relação ao processo de auditoria da Refinaria Abreu e Lima, relatado pelo senhor, de que forma aconteciam os desvios, uma vez que as decisões de investimentos na Petrobras eram tomadas com base em estudos técnicos?
Benjamin Zymler Os desvios apurados na sistemática de tomada de decisões ocorreram porque os estudos técnicos, muitas vezes, partiam de pressupostos que não eram prognosticáveis, o que fazia com que essas decisões estivessem impregnadas de indícios de falhas. Essas constatações, ainda preliminares, no decorrer do andamento processual, a partir do contraditório e ampla defesa, serão objeto de uma avaliação conclusiva.

ConJur — Apesar de a estatal adotar procedimentos sistematizados para investimentos, diversos outros projetos também se mostraram inviáveis economicamente. O que está errado?
Benjamin Zymler Efetivamente, há outros processos em que está sendo analisada a cadeia de atos negociais da Petrobras, sendo provável, depois do contraditório e ampla defesa, que se chegue à conclusão de que faltaram mecanismos de compliance e de verificação da conformidade das decisões tomadas, o que deve ser evitado com adequado mecanismo de freios e contrapesos e providências para que decisões de cunho estritamente político interfiram no processo decisório da empresa. A Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, traz importantes normas de governança que devem minimizar os riscos de decisões antieconômicas.

ConJur — O TCU já tem jurisprudência firmada a respeito da aplicação dessa lei que trata da governança das estatais?
Benjamin Zymler A Lei 13.303/2016 é bastante recente, de modo que ainda não há jurisprudência consolidada a respeito das questões tratadas na Lei das Estatais. De qualquer forma, as empresas estatais devem envidar esforços para adaptar seus estatutos as regras de governança estabelecidas pela nova lei, a fim de melhorar sua forma de atuação.

ConJur — Acordos de leniência e delações beneficiam quem conta o que sabe, mas a Lei Anticorrupção não racionaliza a concessão dessas vantagens pelos órgãos fiscalizadores. Como o TCU tem participado dessa discussão e qual deveria ser o seu papel?
Benjamin Zymler Ainda não houve um avanço entre os órgãos quanto à celebração de um acordo único contemplando todos os órgãos de controle. A despeito disso, tenho observado o esforço comum no sentido de construir uma solução. Da mesma forma, também tenho verificado que o TCU vem buscando prestigiar os acordos celebrados pelo Ministério Público no exercício de suas competências. Embora os reflexos dos acordos firmados em outras instâncias sobre o exercício do poder sancionatório do tribunal ainda não tenham sido objeto de deliberação definitiva pelo tribunal, o TCU sinalizou, no Acórdão 483/2017-Plenário, que poderá conceder benefícios às empresas que se comprometam a cooperar com a jurisdição de contas, em especial com a quantificação e devolução do débito. Atualmente, está em funcionamento um comitê aprovado pelo Plenário do TCU, composto por vários ministros e membros do Ministério da Transparência, da Controladoria-Geral da União, da Advocacia Geral da União, do Ministério Público Federal e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, objetivando viabilizar os Acordos de Leniência firmados no âmbito da União.

ConJur — O TCU seria o órgão por excelência para fechar acordos de leniência?
Benjamin Zymler Não existe órgão por excelência para fechar acordos de leniência que seja apto a abarcar todas as instâncias de controle. Cada órgão pode celebrar, nos limites da lei e de suas atribuições, acordos substitutivos das sanções de sua própria competência. Claro, o ideal seria que todos os órgãos celebrassem, em um único momento, um acordo que contemplasse a obtenção de elementos que pudessem servir para o exercício de suas respectivas parcelas de jurisdição e oferecesse segurança jurídica ao colaborador. Porém, na ausência de tal acordo único, não vejo óbice a que cada órgão busque adotar mecanismos de consenso em suas próprias instâncias, desde que não interfiram no exercício de atribuições dos outros órgãos de controle. No caso do Ministério Público, também não vejo óbice a que celebre acordos de leniência, pois tais instrumentos são úteis a recuperação de pelo menos parte dos prejuízos causados ao erário. Nesse caso, é importante é que o MP e o Ministério da Transparência Fiscalização e Controle não deem quitação aos danos eventualmente cometidos, pois assim permitirão a atuação de outros órgãos encarregados de obter o ressarcimento ao erário.

ConJur — O TCU pode determinar bloqueio de bens de executivos e empresas sem prévia autorização do Judiciário?
Benjamin Zymler O artigo 44, parágrafo 2º, da Lei Orgânica do TCU estabelece que o tribunal pode decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração. O artigo 16, parágrafo 2º, alínea “b”, por sua vez, prescreve que o TCU fixará a responsabilidade solidária do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado. Dessa forma, tendo em vista a possibilidade de executivos e empresas privadas serem arrolados como responsáveis nos processos perante o tribunal, é absolutamente legítimo o TCU bloquear os bens de executivos e empresas sem a prévia autorização do Poder Judiciário.

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