Limite Penal

O presidente pode conceder a delatores perdão da pena por meio de "graça"?

Autores

  • Aury Lopes Jr.

    é advogado doutor em Direito Processual Penal professor titular no Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais da PUC-RS e autor de diversas obras publicadas pela Editora Saraiva Educação.

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

  • Gabriela Consolaro

    é estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

24 de novembro de 2017, 7h00

Spacca
A graça, uma das modalidades de perdão de pena previstas no Direito brasileiro, é forma de extinção da punibilidade voltada a aniquilar os efeitos da condenação criminal, mas não se presta a abolir as demais consequências da pena — como faz a anistia. Na teoria, é concedida por questões humanitárias ou compensatórias, em que um determinado sujeito é beneficiado a partir de situações ou condições a ele peculiares[1], inseridas no contexto democrático. É chamada, também, de indulto individual, pois é concedida pelo presidente da República, mas se diferencia do indulto coletivo, que costuma ter o texto sugerido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, passa pelo crivo do ministro da Justiça e é expedido na forma de decreto pelo presidente — os chamados “indultos natalinos”.

Quanto à clemência individual, não há caminhos, métodos ou precedentes que norteiam a concessão dessa prerrogativa presidencial. Inclusive, em consulta ao acervo do Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do serviço de acesso a informação, consta que não há registro de graça concedida na história recente do país. É ato de vontade privativa do chefe do executivo nacional, consoante o artigo 84, XII, da Constituição da República, sem interferência do Poder Judiciário para análise de requisitos, os quais devem ser apresentados pela pessoa condenada quando da solicitação da benesse. Pode, também, ser provocada por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa, segundo o artigo 188 da Lei de Execução Penal[2]. Na previsão da mesma legislação, o Conselho Penitenciário deve elaborar um parecer a ser enviado ao Ministério da Justiça e, em seguida, submetido a decisão do presidente da República para o consentimento final com a anulação da pena.

O instituto em questão, no entanto, não é recorrente, tendo em vista as particularidades que exige e a facilidade em fazer uso das demais possibilidades de extinção da punibilidade com critérios mais abrangentes. Com base nos princípios constitucionais e nas garantias à pessoa presa/condenada, a graça visa ao perdão da sanção penal desproporcional, porque são razões humanitárias ou compensatórias que permitem essa espécie de clemência soberana, a partir das condições individuais do condenado. Dito de outro modo, são as características especiais de determinado sujeito a serem avaliadas pelo Conselho Penitenciário, Ministério da Justiça e, por fim, pelo presidente da República ou, também, isoladamente pelo presidente da República.

Muito se fala da possibilidade de serem abarcados pelos requisitos do indulto coletivo os condenados por crimes contra a administração pública. No caso da graça, todavia, entendido como indulto individual, há prerrogativa exclusivamente presidencial que também deve ser considerada e, assim, em princípio, poderia ser aplicada aos delatores em face dos “serviços prestados”. Há apenas em norma infraconstitucional a previsão de procedimento, mas nenhuma limitação apta a desabonar a discricionariedade material do conteúdo necessário para obtenção do privilégio do perdão da pena por meio da graça. Tal poder é herança dos reis, inclusive, da ideia de que o soberano, ao exercer o poder divino, é apto tanto a condenar quanto a perdoar (aqui). Na própria Constituição, foi elencada a possibilidade desse benefício, o qual pode legitimar qualquer decisão de um presidente que deseja perdoar a sanção penal atribuída a determina pessoa. A Constituição da República estabeleceu a possibilidade, mas a norma não impede que qualquer conteúdo e/ou motivação seja nela inserido e, também, não impõe que deva haver motivação plausível para a efetivação do ato.

Embora seja apenas uma possibilidade ainda não usada na república, especialmente em casos de corrupção em favor dos delatores (ou mesmo condenados em face de serviços prestados ao país), discute-se a possibilidade de controle do mérito do ato presidencial por parte do Judiciário. Em potência, então, o presidente da República pode conceder “graça” aos delatores e/ou condenados. Eventual controle jurisdicional é uma incógnita. Como parâmetro, se pode usar como analogia o poder do “asilo político”, em que se reconhece certa autonomia do presidente. Entretanto, a manifestação depende de um ato antecedente do presidente da República. O tempo dirá.


[1] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 401.
[2] BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal (LEP). Diário Oficial da União. Poder Executivo: Brasília, DF. 13.jul.1984.

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