Tempos modernos

Problema técnico no peticionamento do STJ impede réu de recorrer contra condenação

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22 de novembro de 2017, 7h31

A chegada da tecnologia ao Judiciário reduziu o tempo de tramitação de processos, agilizou as etapas burocráticas dos gabinetes e facilitou as pesquisas de doutrina e jurisprudência para os juízes e servidores. Mas também criou barreiras intransponíveis. Pelo menos no caso de um policial condenado por corrupção passiva pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 2013.

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Problema técnico com sistema de peticionamento eletrônico do STJ impede que réu discuta decisão que reformou sua absolvição, afirmam advogados.

Desde então ele tenta recorrer da condenação ao STJ, mas, por problemas de informática, seus pleitos nunca são conhecidos pela corte. Nesta segunda-feira (20/11), a Corte Especial do STJ não conheceu de mais um agravo do policial e decretou o trânsito em julgado do processo. A data do trânsito em julgado foi determinada como 25 de janeiro de 2013, quando terminou o prazo para recurso contra a condenação. A defesa do réu, feita pelo escritório do criminalista Fernando Augusto Fernandes, informou que prepara novas medidas judiciais.

O detalhe importante da história é que o recurso contra a condenação pelo TJ do Rio tramita no STJ desde aquela data. Mas os advogados tentam, desde então, fazer com que um agravo contra a denegação de subida do recurso especial seja ao menos apreciado pelo STJ, mas sem sucesso.

“Há anos já não discutimos o mérito da questão – até porque a pena já prescreveu”, explica Fernando Fernandes. “Hoje só queremos que o agravo seja conhecido. Não é possível que um problema na tecnologia do TJ do Rio de Janeiro impeça o acesso à Justiça dessa forma”, afirma o criminalista, indignado com os contornos literários da situação.

Escaninhos virtuais
Tudo começou entre o fim de 2012 e o início de 2013. O TJ do Rio reformou uma sentença absolutória para condenar o policial. Foi quando Fernando Fernandes entrou no caso. Diante do posicionamento do tribunal, a defesa decidiu apresentar recursos especial e extraordinário ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente.

Ambos foram negados, e a defesa agravou. Pela tramitação processual, os agravos são analisados pelos tribunais a que os recursos se destinam, mas são juntados aos autos pela instância de origem. No caso do policial, algo deu errado entre a juntada do agravo ao processo e o envio dos autos, pela internet, ao STJ.

Quando analisou o agravo, em fevereiro de 2014, o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator na 5ª Turma, não conheceu do pedido. Disse que faltava assinatura eletrônica nas petições, o que inviabiliza o seu conhecimento, conforme manda o artigo 2º da Lei 11.419/2006.

A resposta deixou a defesa desesperada: como pode um documento digital estar sem assinatura eletrônica e mesmo assim sair do Rio e chegar até Brasília? Os programas de peticionamento eletrônico não recebem documentos sem a certificação digital. Seria como um caixa eletrônico esquecer de pedir a senha do correntista que tenta acessar sua conta.

Foram então apresentados embargos de declaração explicando a impossibilidade tecnológica de os documentos não estarem assinados. O processo, no entanto, ficou quase três anos tramitando entre gabinetes. Nesse meio tempo, o relator mudou de Seção no STJ, o relator que recebeu o processo se aposentou, dois desembargadores de tribunais de Justiça foram convocados e suas convocações chegaram ao fim até que o caso encontrou outro relator.

Em outubro de 2016, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca negou os embargos. Explicou que esse tipo de recurso existe para apontar contradições da decisão com ela mesma, e não para apresentar outro fatos. Para ele, o policial tentava “rejulgamento da causa” por meio dos declaratórios.

Todos certos
Não havia muito mais o que fazer a não ser rever os passos da defesa. E o advogado Nilson Paiva, do escritório de Fernando Fernandes, descobriu o problema: no sistema do TJ do Rio o recurso aparecia assinado. No sistema do STJ, não.

Ou seja, era uma discussão em que todos estavam certos. O recurso estava assinado e o agravo, também. Mas, no STJ, o documento não tinha assinatura. A solução foi pedir ajuda à 3ª Vice-Presidência do TJ-RJ, responsável pelos recursos especiais.

Em fevereiro deste ano, a 3ª VP do TJ do Rio emitiu uma certidão informando que recebeu o agravo em julho de 2013 e o enviou ao STJ em setembro daquele ano. “Não é possível o recebimento pelo portal do TJ-RJ de petição eletrônica sem a devida assinatura e, no momento do upload, o site do TJ-RJ faz, de forma automática, a verificação de validade da assinatura eletrônica do peticionante com a unidade certificadora CertiSign [fornecedora do certificado digital usado pelo sistema do tribunal]”, explicou a corte.

O que fazer
Na segunda, a Corte Especial do STJ declarou o trânsito em julgado do caso retroativo ao dia 25 de janeiro. É a data que a defesa do policial apresentou o recurso especial ao TJ do Rio. Para os ministros, como o recurso foi negado pela 3ª Vice-Presidência do TJ, a defesa deveria ter ajuizado um agravo regimental para que a questão fosse discutida por um colegiado.

Como o agravo ao STJ não foi conhecido por falta de assinatura, a Corte Especial considerou o prazo da última decisão. Com a retroatividade do trânsito em julgado, o tribunal também negou o pedido da defesa para que reconhecesse a prescrição da pena do policial.

O próximo passo, explica Fernando Fernandes, será pedir que o tribunal reconheça a nulidade de tudo o que aconteceu no processo depois do não conhecimento do agravo por falta de assinatura. Segundo ele, a certidão do TJ do Rio de Janeiro mostra que houve um problema técnico no caso, que precisa ser resolvido pelo Judiciário, e não pelas partes.

AREsp 406.052

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