Opinião

Não há qualquer mágica por trás da Tabela Price

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20 de novembro de 2017, 5h35

Em 18 de outubro a ConJur publicou o excelente artigo Não há que se falar em ilegalidade da Tabela Price por capitalização de juros [i], assinado pelo advogado especialista Arthur Rios. O texto claro e detalhado, com tabelas comparativas entre vários sistemas de amortização utilizados no sistema financeiro, teve considerável número de visualização e fez sucesso em listas de debates jurídicos.

O autor, em apertado resumo, 1) justificou a importância do assunto, em razão de ser tema de recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça; 2) demarcou os conceitos matemático e jurídico da capitalização; 3) explicitou a fórmula da matemática da Tabela Price, caracterizada por prestação fixa, composta de parcela de amortização e parcela de juros decrescentes; 4) comparou a Price com outras fórmulas de pagamento mensal utilizadas no sistema financeiro, demonstrando a equivalência pelo resultado final e valor das prestações no decorrer do plano; e, por fim, 5) considerando o conceito jurídico, concluiu pela inexistência da capitalização de juros na Tabela Price.

A questão tem importância fundamental para o sistema financeiro, para a sociedade e para o Judiciário. Tem sido debatida há décadas, em milhares de processos judiciais repetitivos sobre financiamentos habitacionais e empréstimos bancários comuns, com considerável dissenso, gerando insegurança jurídica, perda de tempo, energia e frustração de expectativas em demorados processos, uma calamidade que precisa ser resolvida.

Os precedentes do STJ são no sentido de que o conflito consiste em questão de fato, exatamente saber se houve capitalização de juros no caso concreto, matéria de competência da primeira e segunda instância, sujeita a perícias e provas. O problema ainda está pendente, aguardando solução definitiva. O presente trabalho pretende dar uma contribuição, destacando mais alguns pontos que permitem defender a possibilidade de uma pacificação nacional para o tema.

Importante separar, logo no início, que o debate sobre Tabela Price não envolve questões de correção monetária, reajustes ou atualizações das prestações ou do saldo devedor. Esta é outra questão, decorrente da histórica desvalorização da moeda nacional, que nada tem haver com a Tabela Price, que apresenta solução para ambiente de moeda estável. Assim, sendo o plano de pagamento da Price (ou outro qualquer) uma equação (a soma de todas as parcelas de amortização é igual ao saldo devedor), eventual reajuste tem que ser igual (mesmo índice e período), para a prestação e saldo devedor, sob pena de desequilíbrio e não liquidação da dívida, como muitas vezes acontece.

A fórmula de pagamento do empréstimo em prestações mensais (parcela proporcional da dívida e juros vencidos) difere totalmente e também não pode ser confundida com empréstimo para pagamento em uma única vez, no final de longo prazo, caso em que os juros podem ser capitalizados (somado ao capital) mensalmente (ou outro prazo), passando a receber incidência de juros sobre juros. A nossa legislação e jurisprudência proíbe, com raras exceções, a capitalização mensal dos juros.

No empréstimo a ser pago em prestações, costumeiramente mensais, o devedor paga mensalmente os juros do saldo devedor ao credor, não havendo qualquer possibilidade de incidência de juros sobre juros. Os juros a serem pagos em cada mês são calculados sobre o saldo devedor já amortizado (diminuído) pelo pagamento parcial do mês anterior, resultando em juros decrescente até o final do plano.

O pagamento mensal dos juros vencido ao credor, junto com a parcela de amortização, não caracteriza capitalização mensal ou juros sobre juros, pois é da essência do plano o pagamento em parcelas mensais. A dívida e os juros são parcelados, ambos pagos mensalmente. Haveria capitalização mensal se os juros não fosse pagos mensalmente e somados ao saldo devedor, gerando juros sobre juros e incremento exponencial da dívida.

Importante também deixar bem destacado que a obrigação fundamental do devedor é pagar o valor emprestado, chamado no financiamento de saldo devedor. A prestação mensal (composta de amortização e os juros vencidos) é somente um meio para cumprimento da obrigação principal. Assim deve ser suficiente para liquidar a dívida, considerando o número de parcelas e o valor dos juros combinados.

Assim, por exemplo, para efeito de comparação, um empréstimo de R$36 mil, a ser pago em 36 meses, com juros de 1% ao mês, sem uso da fórmula Price, deve ser liquidado em 36 parcelas de amortização de R$ 1 mil (36 vezes 1 mil, igual a 36 mil), mais os juros vencidos, calculado mês a mês, sobre o saldo devedor (a dívida a ser paga), conforme demonstra a Tabela 1, seguinte:

Tabela 1

#

Parcelas

Amortizações

Juros

Saldo Devedor

1

1.360,00

1.000,00

360,00

35.000,00

2

1.350,00

1.000,00

350,00

34.000,00

3

1.340,00

1.000,00

340,00

33.000,00

4

1.330,00

1.000,00

330,00

32.000,00

5

1.320,00

1.000,00

320,00

31.000,00

6

1.310,00

1.000,00

310,00

30.000,00

7

1.300,00

1.000,00

300,00

29.000,00

8

1.290,00

1.000,00

290,00

28.000,00

9

1.280,00

1.000,00

280,00

27.000,00

10

1.270,00

1.000,00

270,00

26.000,00

11

1.260,00

1.000,00

260,00

25.000,00

12

1.250,00

1.000,00

250,00

24.000,00

13

1.240,00

1.000,00

240,00

23.000,00

14

1.230,00

1.000,00

230,00

22.000,00

15

1.220,00

1.000,00

220,00

21.000,00

16

1.210,00

1.000,00

210,00

20.000,00

17

1.200,00

1.000,00

200,00

19.000,00

18

1.190,00

1.000,00

190,00

18.000,00

19

1.180,00

1.000,00

180,00

17.000,00

20

1.170,00

1.000,00

170,00

16.000,00

21

1.160,00

1.000,00

160,00

15.000,00

22

1.150,00

1.000,00

150,00

14.000,00

23

1.140,00

1.000,00

140,00

13.000,00

24

1.130,00

1.000,00

130,00

12.000,00

25

1.120,00

1.000,00

120,00

11.000,00

26

1.110,00

1.000,00

110,00

10.000,00

27

1.100,00

1.000,00

100,00

9.000,00

28

1.090,00

1.000,00

90,00

8.000,00

29

1.080,00

1.000,00

80,00

7.000,00

30

1.070,00

1.000,00

70,00

6.000,00

31

1.060,00

1.000,00

60,00

5.000,00

32

1.050,00

1.000,00

50,00

4.000,00

33

1.040,00

1.000,00

40,00

3.000,00

34

1.030,00

1.000,00

30,00

2.000,00

35

1.020,00

1.000,00

20,00

1.000,00

36

1.010,00

1.000,00

10,00

0,00

»

42.660,00

36.000,00

6.660,00

« TOTAIS

A primeira coluna de valores é das 36 prestações, neste caso decrescentes, começando com R$ 1.360,00 e terminando com R$ 1.010,00. A primeira prestação (R$ 1.360,00) é composta da parcela proporcional fixa da dívida (R$ 1 mil) e mais os juros vencidos (R$ 360,00) e assim nas demais prestações. A segunda coluna, com valor fixo de R$ 1.000,00, correspondente a amortização mensal. A terceira coluna mostra os juros vencidos em cada mês, começando com R$ 360,00 (1% de 36.000,00), terminando com R$ 10,00. A quarta coluna registra o saldo devedor, a obrigação principal do devedor, começando em R$ 35 mil (por já estar deduzido a primeira amortização de R$1 mil), reduzido mensalmente em R$1 mil e terminando em zero.

Por este plano, a soma das prestações, o valor pago pelo devedor, totaliza R$42.660,00, sendo R$36 mil do capital e R$ 6.660,00 de juros. Este seria um plano para pagamento da dívida, sem uso de fórmula matemática complicada. Como demonstrado na tabela acima, não existe qualquer incidência de juros sobre juros. O capital emprestado é diminuído, mês a mês, com as respectivas amortizações, até liquidação. A única inconveniência deste plano é que as prestações não são iguais, mas tem um lado positivo, o devedor vê o valor que paga todo mês ir diminuindo.

Para melhor compreensão, num exemplo hipotético, se o financiamento de R$ 36 mil fosse feito para ser pago em 3 parcelas anuais (mesmo prazo de 36 meses e mesmo juros simples de 1% ao mês), resultaria numa primeira prestação de R$ 16.320,00 (12 mil, mais 4.320,00 (12% de 36 mil) de juros vencidos), a segunda de R$ 14,880,00 (12 mil, mais 2.880,00 (12% de 24 mil) de juros vencidos) e a última de R$ 13.440,00 (12 mil, mais 1.440,00 (12% de 12 mil) de juros vencidos), totalizando R$ 44.640,00.

Em outro exemplo hipotético, também para comparação, no mesmo valor e mesmo juros, se o plano fosse de pagamento em uma única parcela, no final dos 36 meses, o devedor pagaria R$ 48.960,00, sendo R$ 12.960,00 de juros (36% de R$ 36 mil). Estes dois exemplos demonstram que, variando o número de parcelas de pagamento, dentro do mesmo prazo total (36 meses), o valor dos juros aumenta consideravelmente e, por consequência, o valor total a ser pago pelo devedor.

A Tabela Price tornou-se famosa e aplicada no mundo inteiro porque, tomando a mesma essência de pagamento da dívida em parcelas proporcionais ao número de prestações, mais os juros vencidos, calcula uma prestação fixa, evitando a inconveniência de prestações variáveis. Abaixo, Tabela 2, com cálculo pela Price, no mesmo valor de R$ 36 mil, em 36 meses, com a mesma taxa de juros de 1% ao mês.

Tabela 2

#

Parcelas

Amortizações

Juros

Saldo Devedor

1

1.195,71

835,71

360,00

35.164,28

2

1.195,71

844,07

351,64

34.320,21

3

1.195,71

852,51

343,20

33.467,69

4

1.195,71

861,03

334,67

32.606,66

5

1.195,71

869,64

326,06

31.737,01

6

1.195,71

878,34

317,37

30.858,66

7

1.195,71

887,12

308,58

29.971,53

8

1.195,71

895,99

299,71

29.075,53

9

1.195,71

904,95

290,75

28.170,57

10

1.195,71

914,00

281,70

27.256,57

11

1.195,71

923,14

272,56

26.333,42

12

1.195,71

932,38

263,33

25.401,04

13

1.195,71

941,70

254,01

24.459,33

14

1.195,71

951,12

244,59

23.508,21

15

1.195,71

960,63

235,08

22.547,58

16

1.195,71

970,23

225,47

21.577,34

17

1.195,71

979,94

215,77

20.597,39

18

1.195,71

989,74

205,97

19.607,65

19

1.195,71

999,63

196,07

18.608,01

20

1.195,71

1.009,63

186,08

17.598,38

21

1.195,71

1.019,73

175,98

16.578,65

22

1.195,71

1.029,92

165,78

15.548,72

23

1.195,71

1.040,22

155,48

14.508,49

24

1.195,71

1.050,63

145,08

13.457,86

25

1.195,71

1.061,13

134,57

12.396,73

26

1.195,71

1.071,74

123,96

11.324,98

27

1.195,71

1.082,46

113,24

10.242,51

28

1.195,71

1.093,28

102,42

9.149,22

29

1.195,71

1.104,22

91,49

8.045,00

30

1.195,71

1.115,26

80,45

6.929,73

31

1.195,71

1.126,41

69,29

5.803,32

32

1.195,71

1.137,68

58,03

4.665,63

33

1.195,71

1.149,05

46,65

3.516,58

34

1.195,71

1.160,54

35,16

2.356,03

35

1.195,71

1.172,15

23,56

1.183,87

36

1.195,71

1.183,87

11,83

0,00

»

43.045,74

35.999,99

7.045,74

« TOTAIS

Por este plano, calculado pela fórmula Price, a soma de todas as prestações a serem pagas (amortização mais juros do mês) totaliza R$ 43.045,74, sendo R$ 36 mil do capital e R$ 7.045,74 de juros. As 36 prestações iguais (R$ 1.195,71), menor que as 17 primeiras prestações da Tabela 1 anterior (R$ 1.360,00), é composta de parcela crescente da dívida (R$ 835,71 a R$ 1.183,87) e parcela decrescente de juros (R$ 360,00 a R$ 11,83). Interessante destacar que a prestação fixa da Price, R$ 1.195,71, é próximo da média das prestações decrescente da Tabela 1 (entre as prestações 17 e 18).

Não há qualquer mágica por trás da Tabela Price. A fórmula Price apenas calcula a prestação fixa suficiente para pagar a dívida no prazo combinado. A dívida a ser paga é o saldo devedor, no caso R$36 mil. Na tabela, o saldo devedor começa com R$ 35.164,28, por já estar diminuído com a primeira amortização de R$ 835,71, seguindo com as amortizações mensais no saldo devedor (como se vê na quarta coluna de valores), até a liquidação da dívida.

A pequena diferença entre os valores totais das duas fórmulas, R$ 43.045,74 na Price (Tabela 2) e R$ 42.660,00 no cálculo mês a mês (Tabela 1), ínfimos R$ 385,74 (1,07% do capital emprestado, no exemplo), decorre do fato de as 17 primeiras prestações da Price (Tabela 2) serem inferiores que a do cálculo mês a mês (Tabela 1), resultando sempre saldo devedor acumulado maior e, por consequência, juros mensais maiores.

A Tabela Price não tem qualquer fator exponencial embutido no valor da prestação, como se alega e muito confunde. Mesmo que tivesse — somente para enfrentar o argumento — não teria qualquer sentido de elevação da dívida, distorção, ou prejuízo para o devedor, na medida que a prestação, excluídos os juros do mês, é integralmente deduzida no saldo devedor (amortização), mês a mês, como demonstrado na Tabela 2 acima.

Muitas vezes o debate enreda-se pelos meandros da complicada fórmula matemática utilizada para encontrar o valor da prestação, deixando de lado questão central, que é a amortização mensal do valor pago no saldo devedor. Se a prestação apresentada pela Price fosse maior que o suficiente para liquidação no prazo, sendo amortizado mensalmente no saldo devedor, o máximo que poderia acontecer seria o pagamento antecipado da dívida.

O costume dos contratos de empréstimos registrarem taxa de juros anual e não mensal, necessitando da divisão por 12 meses para encontrar a taxa mensal a ser aplicada no saldo devedor, tem dado espaço para impugnações, permitindo confusões com capitalização, pretensões de descapitalização ou anualizações da taxa mensal, como se fossem juros compostos, que nada tem haver com planos de pagamento mensal do capital e dos juros.

De qualquer forma, a jurisprudência tem referendado solução prática, reconhecendo a legalidade quando o contrato indica a taxa anual nominal e a taxa efetiva, como se o percentual mensal fosse capitalizado, fato que efetivamente não ocorre no pagamento parcelado. Melhor seria se os contratos registrassem prioritariamente a taxa mensal, que é a efetivamente a aplicada no saldo devedor, costumeira nos negócios bancários e compatível com o parcelamento mensal, assim evitando divagações.

A questão da validade e legalidade da Tabela Price, em verdade, não necessita nem mesmo de perícias. Apresentada a planilha de evolução do financiamento, demonstrando claramente o valor da prestação, o valor dos juros vencidos, o valor da amortização e o saldo devedor, mês a mês, cabe ao devedor apontar onde tem um erro de cálculo, ou a alegada incidência de juros sobre juros, ou capitalização. O requerimento genérico de perícia, sem indicativo de erro na planilha, pode esconder, muitas vezes, o interesse de procrastinação injustificada do processo.

Os cálculos acima, como já adiantado, não levam em conta correção monetária ou atualização do saldo devedor e das prestações, portanto, são simulações para ambiente de moeda fixa. Também não levam em consideração eventuais adicionais da prestação, como seguro e taxas, questões fora do tema. A correção ou atualização do saldo devedor e das prestações modificam e prejudicam toda a lógica de qualquer plano de pagamento, se forem feitos por índices ou períodos diferenciados, como tem ocorrido no Brasil, impossibilitando a liquidação da dívida na forma planejada.

Mesmo fora do tema, interessante pontuar que o problema fundamental dos empréstimos bancários e financiamentos habitacionais é a alta taxa de juros mensal praticada e os reajustes dos valores do contrato, em decorrência da inflação nos preços gerais. São problemas históricos da economia nacional, agravados pela insegurança jurídica e ineficiência estrutural do Judiciário na recuperação de crédito e produção de jurisprudência nacional firme, fatores muito além da Tabela Price e de todos os outros planos de pagamento parcelado.

Concluindo, chega a ser vergonhoso que a sociedade brasileira ainda tenha que suportar indefinição sobre esta questão, validade jurídica da Tabela Price, gerando milhões de processos repetitivos por décadas. O Judiciário precisa pacificar esse tema que tanto aflige milhões de brasileiros, especialmente os compradores de casa própria, com financiamento de longo prazo e tomadores de empréstimos bancários, sujeitos aos ruídos deletérios e interesses que permeiam a inventada capitalização nos parcelamentos com pagamentos mensais.


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