Opinião

Fixação de juros na indenização em processo expropriatório tem "vazio" legal

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19 de novembro de 2017, 9h21

1. Critérios para avaliação de prévia e justa indenização
Consoante com o artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, a desapropriação só será efetivada mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Para o legislador, foi uma forma de assegurar equidade entre as partes, garantindo ao particular uma indenização por sua perda e, em contrapartida, resguarda o interesse público, bem como a destinação segura do erário.

Assim sendo, o termo prévio garante que o recebimento da indenização pelo expropriado se dê antes da transferência do bem, ou seja, mesmo havendo a imissão provisória da posse, só se concretizará a transferência da propriedade após o pagamento da indenização; e justo será o valor correspondente a realidade de mercado do bem.

Contudo, ao avaliar de forma minuciosa o termo indenização justa na Grande Carta, verifica-se que são omissos os critérios de apuração dessa “justeza”, deixando o conceito subjetivo. Mesmo que ainda em análise legislativa, infraconstitucional, o Decreto 3.365/41, em seu artigo 14º, dispõe que, “ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha, sempre que possível, técnico, para proceder à avaliação dos bens”, sem definir método a ser seguido pelo pleito quanto a forma de apuração valorativa do bem, como pontua Hely Lopes Meirelles:

A indenização justa é a que cobre não só o valor real e atual dos bens expropriados, à data do pagamento, como, também, os danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário, decorrentes do despojamento do seu patrimônio. Se o bem produzia renda, essa renda há de ser computada no preço, porque não será justa a indenização que deixe qualquer desfalque na economia do expropriado. Tudo que compunha seu patrimônio e integrava sua receita há de ser em pecúnia no momento da indenização; se o não for, admite pedido posterior, por ação direta, para complementar-se a justa indenização. A justa indenização inclui, portanto, o valor do bem, suas rendas, danos emergentes e lucros cessantes, além dos juros compensatórios e moratórios, despesas judiciais, honorários de advogado e correção monetária.[1]

2. Juros moratórios
Como se percebe, a justa indenização é um tema delicado e de grande debate no mundo jurídico administrativo. Assim sendo, além das problemáticas já levantadas, é de muita relevância analisar a aplicação dos juros moratórios na ação de desapropriação. Para compreensão do presente tema, é necessário estabelecer a definição de juros moratórios no processo administrativo em questão.

Em um primeiro momento, consideraremos juros moratórios como a importância não cumprida ao final do processo, ou seja, com o fim do processo imediatamente o expropriante deveria efetuar o pagamento da justa indenização, contudo, devido à burocracia existente na administração pública aquele pagamento pode demorar anos até a liberação final.

Ainda neste tema, é importante destacar que a base de cálculo dos juros incidirá sobre o valor da indenização arbitrada. Outro ponto controvertido é o termo inicial da contagem dos juros.

Alguns juristas entendem que é a partir da citação da ação expropriatória, outros entendem que é no momento da imissão da posse. Todavia, recentemente o Supremo Tribunal Federal julgou Recurso Extraordinário determinando que os juros moratórios devessem incidir a partir do trânsito em julgado da sentença, conforme previsão da Súmula 70 do Superior Tribunal de Justiça:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – NORMAS LEGAIS – INVIABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO.
1. Atentem para o decidido na origem. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região consignou, em síntese (folha 202 a 203): EMENTA PROCESSO CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – DESAPROPRIAÇÃO – APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO – COISA JULGADA – JUSTA INDENIZAÇÃO – CONFRONTO – ERRO MATERIAL – JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS – SÚMULAS 69 E 70 DO STJ – SENTENÇA ULTRA PETITA – RECURSO PROVIDO. 1- Restringe-se a apelação à questão da fixação dos juros moratórios. A Rua sentença recorrida afrontou expressa disposição legal e entendimento sumulado no sentido de que os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, conta-se desde o trânsito em julgado da sentença (Súmula nº 70 do STJ). Ademais, os juros moratórios deveriam ter sido fixados no percentual de 6 % ao ano nos termos do art. 1062 do Código Civil.
2- Apelação provida na parte relativa à taxa dos juros denominados erroneamente pela sentença de compensatórios, quando na verdade trata- se de juros moratórios, reconhecendo-se o erro material, devendo assim ser reformada a R. sentença para que estes sejam fixados em 6% ao ano, a partir do trânsito em julgado da sentença, a teor da Súmula 70 do Superior Tribunal de Justiça.
3- O princípio da coisa julgada pode ser afastado, excepcionalmente quando entrar em confronto com o princípio da justa indenização, em face de erro material implícito ou explícito.
4- Sentença recorrida que extrapola os limites da lide, ao determinar o prosseguimento da execução por valores superiores ao pleiteado pelo exequente. Sentença ultra petita, no atinente à cumulação entre juros moratórios e compensatórios. Matéria passível de ser conhecida de ofício, por afronta à coisa julgada
5- Execução convertida em definitiva, procedendo-se para tal fim à adequação da conta elaborada nos autos dos Embargos à Execução nº 1999.03.00.105605-4.
6- Reforma parcial da R. sentença a fim de que os juros moratórios sejam contados a partir do trânsito em julgado, e à razão de 6% ao ano, e para afastar da conta de liquidação a cumulação dos juros moratórios e compensatórios, invertendo-se, em consequência, o ônus da sucumbência.
7- Apelo provido. Nas razões do extraordinário, os recorrentes alegam ofensa aos artigos 467, 468, 471, do Código de Processo Civil, e 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Afirmam desrespeito à coisa julgada. Articulam com a inexistência de erro material na sentença na qual se baseia a execução. Defendem a possibilidade de aplicação cumulada, nas indenizações decorrentes de desapropriação, de juros moratórios e compensatórios. Aludindo às normas constantes dos artigos 512 e 515, do Diploma Processual, sustentam a ocorrência de julgamento fora das balizas fixadas pelos demandantes. 2. Examinando o acórdão questionado, percebe-se não ter sido analisado, pelo Tribunal Regional, o artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta da República, padecendo o recurso da ausência do prequestionamento. Atentem não para o apego à literalidade do verbete nº 356 da Súmula do Supremo, mas para a razão de ser do prequestionamento e, mais ainda, para o teor do verbete nº 282 da referida Súmula. O instituto do prequestionamento significa o debate e a decisão prévios do tema jurídico constante das razões apresentadas. Se o ato impugnado nada contém sobre o que versado no recurso, descabe assentar o enquadramento deste no permissivo constitucional. Assim concluiu o Supremo no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento nº 541.696-6/DF, de minha relatoria, acórdão publicado no Diário da Justiça de 24 de fevereiro de 2006, sintetizado na seguinte ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREQUESTIONAMENTO – CONFIGURAÇÃO – RAZÃO DE SER. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido arguida pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso extraordinário no permissivo constitucional. Se o Tribunal de origem não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente. Acresce que o acórdão impugnado mediante o extraordinário revela interpretação de normas estritamente legais – artigos 1.062, do Código Civil, 128 e 460, do Código de Processo Civil – não ensejando campo ao acesso ao Supremo. À mercê de articulação sobre a violência à Carta da República, pretende-se submeter à análise matéria que não se enquadra no inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.
3. Ante o quadro, conheço do recurso e o desprovejo.
4. Publiquem. Brasília, dois de março de 2017. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (destaque nosso) (RE 655123, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 02/03/2017, publicado em De-052 DIVULG 16/03/2017 PUBLIC 17/03/2017).

Súmula 70 do STJ: Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, conta-se desde o trânsito em julgado da sentença.·.

A grande particularidade do julgado acima colacionado, combinado com a Súmula 70 do STJ, é que a contagem a partir do trânsito em julgado da sentença será cabível quando a desapropriação for requerida por pessoa jurídica de direito privado competente para tal conduta.

Outro ponto passível de debate é que a Medida Provisória 2.183 de 2001, acrescentou ao Decreto-Lei 3.365/41 o artigo 15-B, que regulamenta o início da contagem do prazo a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ter sido feito. Assim têm decidido todos os tribunais, inclusive o de Minas Gerais:

Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1o de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição.

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – INDENIZAÇÃO – LAUDO PERICIAL – JUROS MORATÓRIOS – JUROS COMPENSATÓRIOS – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
1 – Demonstrada a desapropriação indireta, deve o ente expropriante indenizar o proprietário do bem.
2 – Os juros compensatórios incidem na desapropriação indireta, sendo devidos a partir da ocupação e calculados em 12% ao ano sobre o valor da indenização corrigido monetariamente, conforme a Súmula 114 do STJ e Súmula 618 do STF.
3- Os juros de mora, em sede de desapropriação, devem incidir à razão de 6% (seis por cento ao ano), a partir do dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito (art. 15-B do Decreto-Lei 3.365/41) e correção monetária com base nos índices da CGJ desde a data do laudo de avaliação até a data do efetivo pagamento.
4- Deve ser dada interpretação extensiva ao art. 27, §1º do Decreto-Lei 3.365/41, aplicando-o também ao procedimento de desapropriação indireta. (TJMG – AP Cível/Rem Necessária 1.0106.13.001343-1/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/02/2017, publicação da súmula em 07/03/2017) (destaquei)

Nessa vertente, fica evidenciado que o termo a quo da contagem será conforme determina o artigo 15 B do Decreto Lei 3.365/41, ou seja, no dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, resguardado ainda a ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos junto ao ente público competente.

Diante da análise da segunda parte do artigo supra, é possível verificar que há lacunas quanto à interpretação do dispositivo estudado, uma vez que o § 5º do artigo 100 da Constituição institui que todos os precatórios apresentados até 1º de julho do ano em curso serão incluídos na fila de precatórios para pagamento no ano seguinte; já os precatórios apresentados depois de 1º de julho pertencerão a fila de precatórios do ano seguinte àquele.

Combinado com a Súmula Vinculante 17 do STF — que determina que, “durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos,” —, tal regulamento lesa o expropriado, uma vez que nos precatórios apresentados até 1º de julho só poderão incidir juros em 31 de dezembro do ano seguinte, e aqueles apresentados posteriormente 1º de julho, só poderá acrescer o juros após 31 de dezembro do segundo ano subsequente.

Ademais, sobreleva-se que o percentual de atualização expresso em lei é de até 6%, urgindo a partir dai uma grande subjetividade sobre o modo de escolha do percentual a se adotar.

3. Juros compensatórios
Além da incidência de juros moratórios, é importante destacar também a necessidade de se analisar os juros compensatórios, que são aqueles devidos diante da imissão provisória e antecipação na posse do bem expropriado.

O entendimento sumulado é que o percentual a ser adotado para atualização dos juros compensatórios será de 12%, que deverão incidir a partir da imissão na posse. Contudo, a Medida Provisória 2.183-56 de 2001, acrescentou ao Decreto-Lei 3.365/41 o artigo 15-A, alterando o percentual sumulado para até 6% calculados sobre a diferença do valor levantado pelo expropriante na época da imissão da posse para aquele estipulado em sentença.

Contudo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.332-2, determinou-se que o cálculo dos juros compensatórios seja em um percentual de 6% ao ano.

Para aplicabilidade dos percentuais supramencionados, será considerada a Súmula 408 do STJ. Segundo o enunciado, “nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/6/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001, e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula 618 do Supremo Tribunal Federal”. Faz-se a ressalva de que, conforme ADI 2.332, será reajustada a diferença do valor apurado pelo expropriante no momento da imissão provisória da posse por aquele determinado na sentença.

Diante todo exposto, ressalta-se que a atualização do valor se dará da diferença levantada no momento da imissão da posse, àquele determinado em lei, uma vez que o artigo 33 do Decreto-Lei 3.365/41, § 2º, permite que o expropriado levante até 80% do depósito feito em garantia da desapropriação.

4. Conclusão
Diante de todo o relatado, é possível concluir que a desapropriação urbana ordinária é um procedimento administrativo de grande relevância pra a comunidade, uma vez que está intimamente ligado ao interesse de se atingir o bem comum.

Contudo, o fator justa valoração é ainda obscuro no que se diz respeito a sua interpretação, haja vista as lacunas existentes na lei. Neste espaço que se apresenta, o Poder Judiciário tem sido chamado a se manifestar constantemente.

Não obstante, a presente análise não tem intenção de esgotar o tema, e sim instigar os leitores a questionar riscos que o “vazio” legal pode gerar na ordem jurídica brasileira causando insegurança jurídica.

 


[1] MEIRELES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, 31. ed. São Paulo: Malheiros. 2005. Pag 611.

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