Liberdade de expressão

Nos EUA, duas juízas divergem sobre topless em manifestação pró-topless

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19 de novembro de 2017, 10h04

Em um julgamento por um colegiado de três juízes sobre o direito da mulher de fazer topless, durante uma manifestação a favor do topless, uma juíza foi contra, outra juíza foi a favor e um juiz ficou quieto. Apenas deu seu voto de minerva – contra, a propósito.

Sonoko Tagami foi multada por uma policial quando andava com os seios nus pelas ruas de Chicago no dia da celebração do topless, em agosto de 2014 (“GoTopless Day 2014”). Ela usava uma pintura opaca sobre os seios, em respeito a uma lei municipal. Mas, para a policial que a multou, isso não foi suficiente para livrá-la da infração.

Ela entrou na Justiça contra a multa. Em sua petição, defendeu seu direito à liberdade de expressão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição do país. E também seu direito à igualdade, perante à lei, da mulher com os homens, que não são obrigados a esconder seus mamilos.

Pediu, portanto, uma declaração de inconstitucionalidade da lei municipal na qual se baseou a multa. Ela teve de pagar US$ 100 de multa, mais US$ 50 de custos administrativos. A lei antiga de Chicago, que proíbe indecência em lugares públicos, diz:

“Qualquer pessoa que apareça, tome banho, tome banho de sol, ande ou esteja em qualquer parque público, parque infantil, praia ou em águas adjacentes ou em qualquer instalação de escola e áreas adjacentes ou em qualquer prédio municipal e áreas adjacentes ou em qualquer via pública dentro da cidade de Chicago de uma maneira que seus genitais, vulva, púbis, pelos pubianos, nádegas, períneo, ânus, região anal, ou região de pelos pubianos de qualquer pessoa ou qualquer porção do seio em ou abaixo da extremidade superior da aréola mamilar de qualquer pessoa feminina, são expostos à visão pública ou não estejam cobertos por uma cobertura opaca, será multada em não menos de US$ 100 e não mais de US$ 500, por infração”.

Em primeira instância, o juiz simplesmente trancou o processo, a pedido da cidade. Em grau de recurso, , a maioria (2 a 1) do colegiado manteve a decisão de trancar o processo. A juíza Diane Sykes, que foi acompanhada em seu voto pelo juiz Frank Easterbrook, disse que o topless da manifestante não constituía liberdade de expressão. E também negou o direito de igualdade da mulher em relação ao homem, que pode mostrar publicamente seus mamilos.

A juíza Ilana Rovner, porém, defendeu o direito da mulher de fazer topless, durante uma manifestação de protesto contra a lei municipal, com base no entendimento de que isso é, sim, uma forma de expressão, protegida pelo dispositivo constitucional que garante a liberdade de expressão. E criticou a decisão da maioria de menosprezar a questão da igualdade da mulher, porque isso pode ter repercussões em outras áreas, como no trabalho.

Conduta expressiva

No que se refere à liberdade de expressão, juíza Diane Sykes disse que essa questão não está no escopo da lei municipal, que só se refere a uma conduta em lugar público. E mesmo que haja alguma forma de expressão na conduta, é necessário que ela seja “inerentemente expressiva”.

“Para se enquadrar no escopo dessa doutrina, a conduta em questão deve comunicar de forma compreensiva sua própria mensagem, sem explicações adicionais. Em outras palavras, a conduta, em si, deve transmitir uma mensagem que possa ser prontamente entendida por aqueles que a observam [citação de precedente]. Estar em estado de nudez não é uma condição inerentemente expressiva”, escreveu a juíza.

No caso em questão, os observadores da manifestação não entenderiam que a nudez parcial da manifestante se referia a um protesto contra a lei municipal e que continha uma mensagem política. Por isso, os manifestantes tiveram que gritar palavras de ordem e dar explicações. Isso significa que a conduta não foi suficientemente expressiva para merecer a proteção constitucional, argumentou a juíza.

Sobre isso, a juíza Ilana Rovner escreveu, em seu voto dissidente, que manifestações orais não transformam uma conduta expressiva em não expressiva. Se fosse assim, o uso de uma tarja preta em volta do braço durante um protesto contra a guerra seria uma conduta reconhecidamente expressiva, mas usar a tarjeta preta e gritar “chega de guerra” transformaria uma conduta expressiva em não expressiva. “Não é possível desassociar o conteúdo expressivo de um seio nu do contexto em que ele ocorre”, ela disse.

Para a juíza, não pode haver um exemplo mais claro de conduta digna da liberdade de expressão do que a da manifestante. “Sonoko Tagami não estava tomando banho de sol topless, dançando topless para ganhar algum dinheiro, correndo topless por um campo de futebol para aparecer na televisão ou mesmo amamentando um bebê (o que é permitido pela lei). Sua conduta só teve um propósito no “GoTopless Day 2014”: protestar contra a lei que criminaliza a exposição dos seios pela mulher em lugares públicos.

“Nós somos uma sociedade em as pessoas usam seu próprio corpo para se expressar, desde o uso de camisetas e bonés com mensagens, tatuagens, tarjas ou faixas nos braços, pinos na roupa, roupas provocativas ou ausência delas. A nudez parcial da manifestante só demonstra o comprometimento dela com a causa. Além disso, para observar a lei, ela cobriu o seio com pintura opaca, escreveu a juíza.

Objeto de desejo

A juíza Diane Sykes aceitou o argumento de que a cidade teve um interesse geral em aprovar a lei para proteger a saúde, a segurança e as normas morais tradicionais da sociedade. E que a cidade deve proteger membros relutantes do público a essas exposições indesejáveis à nudez, especialmente crianças.

A juíza também aceitou o argumento de que a cultura social sexualizou os seios da mulher como objeto de desejo, embora não tenha feito a mesma coisa com o peito do homem.

A juíza Ilana Rovner rebateu com o argumento de que não há base biológica para isso, porque a única diferença fundamental entre o seio feminino e o peito masculino não é sexual. A única diferença é a de que o seio feminino tem o potencial de fornecer leite para um bebê, enquanto o peito masculino não.

“A cidade pretende perpetuar o estereótipo de que o seio feminino é primariamente um objeto de desejo. Mas não podemos aceitar a ideia de que alguma coisa deve resistir a um exame constitucional apenas porque, historicamente, faz parte de nossa cultura. Fosse assim, a mulher não poderia, até hoje, votar, ser advogada, ser jurada, administradora ou integrante das forças armadas”, fazer qualquer coisa que, em algum ponto histórico, contrariasse a cultura popular.

Igualdade perante a lei

Para a juíza Diane Sykes, a lei municipal não viola o preceito de igualdade perante a lei, porque ela não discrimina contra mulheres. Na verdade, ela proíbe exposições em lugares públicos, para homens e mulheres, de partes do corpo consideradas íntimas, erógenas ou privadas. E parece natural que a lista de partes da mulher seja maior, por causa das diferenças fisiológicas entre os sexos.

Para a juíza Ilana Rovner, isso soa mais como uma justificativa para essa classificação, do que um argumento de que não há classificação baseada em sexo na lei municipal. Mas a verdade é que há uma diferenciação, quando a lei estabelece que é ilegal apenas para qualquer pessoa feminina mostrar qualquer porção do seio em ou abaixo da extremidade superior da aréola mamilar.

Função da liberdade de expressão

A juíza Ilana Rovner criticou o entendimento da maioria, na discussão sobre a liberdade de expressão, de que o topless da manifestante foi ofensivo aos membros da sociedade que rejeitam exposições à nudez.

Para ela, o dispositivo constitucional que garante a liberdade de expressão não visa proteger uma pessoa contra aqueles que a aprovam uma manifestação expressiva ou se sentem indiferentes a ela. Ao contrário, ela visa proteger uma pessoa contra aqueles que se sentem ofendidos ou desconfortáveis com tal manifestação.

Para demonstrar que seu voto não sofre influências de sua opinião pessoal, a juíza Ilana Rovner declarou que, pessoalmente, não lhe apetece a ideia de ver mulheres ou homens seminus em lugares públicos. No entanto, ao examinar o caso estritamente sobre a ótica judicial, ela tem a responsabilidade de defender os direitos constitucionais da manifestante.

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