Direito do Agronegócio

Tributação da renda para o produtor rural no contrato de integração

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

17 de novembro de 2017, 10h13

Spacca
caricatura Fábio Calcini [Spacca]No texto desta coluna da semana anterior a Profa. Dra Flavia Trentini deu início à análise do contrato de integração ou integração vertical, recentemente disciplinado pela Lei 13.288, de 16 de maio de 2016[1].

Com isso, aproveitamos para ingressar em assunto ainda nebuloso e controvertido quando se trata do contrato típico de integração que diz respeito ao efeito jurídico tributário.

Quais os efeitos fiscais de um negócio jurídico firmado a partir da Lei 13.288/2016?

Não pretendemos neste texto apresentar opinião definitiva, mas reflexiva sobre o tema, que possui inúmeras facetas, seja sob a perspectiva das partes envolvidas ou mesmo do tributo que se pretende avaliar.

Bem por isso, iniciaremos nosso estudo pelo produtor rural pessoa física e a tributação da renda – IR – nas operações disciplinadas pela Lei 13.288/2017.

Segundo disposto em referida lei, a integração ou integração vertical compreende a “relação contratual entre produtores integrados e integradores que visa a planejar e a realizar a produção e a industrialização ou comercialização de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final, com responsabilidades e obrigações recíprocas estabelecidas em contratos de integração” (artigo 2º, I).

Trata-se, portanto, de um contrato típico, bilateral, oneroso, sinalagmático, tendo como partes o produtor integrado e de outro o integrador.

O primeiro é compreendido como “produtor agrossilvipastoril, pessoa física ou jurídica, que, individualmente ou de forma associativa, com ou sem a cooperação laboral de empregados, se vincula ao integrador por meio de contrato de integração vertical, recebendo bens ou serviços para a produção e para o fornecimento de matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final” (artigo 2º, II). Já o integrador diz respeito à “pessoa física ou jurídica que se vincula ao produtor integrado por meio de contrato de integração vertical, fornecendo bens, insumos e serviços e recebendo matéria-prima, bens intermediários ou bens de consumo final utilizados no processo industrial ou comercial” (artigo 2º, III).

Bem por isso, consiste o contrato de integração naquele “firmado entre o produtor integrado e o integrador, que estabelece a sua finalidade, as respectivas atribuições no processo produtivo, os compromissos financeiros, os deveres sociais, os requisitos sanitários, as responsabilidades ambientais, entre outros que regulem o relacionamento entre os sujeitos do contrato” (artigo 2º, IV).

Quando se trata de avaliar os efeitos fiscais do ponto de vista do imposto sobre a renda do produtor rural (no caso, integrado), tem-se como relevante a onerosidade do contrato.

Neste aspecto, em diversos dispositivos da lei temos menção a respeito da onerosidade: (i) – “… A integração, relação civil definida nos termos desta Lei, não configura prestação de serviço ou relação de emprego entre integrador e integrado, seus prepostos ou empregados” (artigo 2º, § 3º); (ii) – “É princípio orientador da aplicação e interpretação desta Lei que a relação de integração se caracterize pela conjugação de recursos e esforços e pela distribuição justa dos resultados” (artigo 3º); (iii) – “as fórmulas para o cálculo da eficiência da produção, com explicação detalhada dos parâmetros e da metodologia empregados na obtenção dos resultados” (artigo 4º, V); (iv) – “as formas e os prazos de distribuição dos resultados entre os contratantes (artigo 4º, VI); (v) – “… será cumprido pelo integrador o valor de referência para a remuneração do integrado, definido pela Cadec na forma do artigo 12 desta Lei, desde que atendidas as obrigações contidas no contrato” (artigo 4º, VII); (vi) – “O Ripi deverá ser consolidado até a data do acerto financeiro entre integrador e produtor integrado…” (artigo 7º,§ 2º); (vii) – “estimativa de remuneração do produtor integrado por ciclo de criação de animais ou safra agrícola, utilizando-se, para o cálculo, preços e índices de eficiência produtiva médios nos vinte e quatro meses anteriores, e validados pela respectiva Cadec” (artigo 9º, VII); (viii) – “Compete ao Fórum Nacional de Integração – FONIAGRO estabelecer metodologia para o cálculo do valor de referência para a remuneração do integrado, que deverá observar os custos de produção, os valores de mercado dos produtos in natura, o rendimento médio dos lotes, dentre outras variáveis, para cada cadeia produtiva (artigo 12); (ix) – “Compete ao Foniagro o envio das metodologias para o cálculo do valor de referência para a remuneração dos integrados às respectivas Cadecs” (artigo 12, § 4º).

Tem-se, assim, em geral, que: (i) – este valor recebido pelo produtor rural não é decorrente de prestação de serviço ou mesmo remuneração a título de relação de emprego; (ii) – seria uma distribuição de resultados decorrente de integração vertical na produção; (iii) – esta distribuição de resultados, que deve ser justa, é um acerto financeiro entre as partes levando em consideração diversos fatores ligados à eficiência, insumos, valores dos produtos no mercado, lotes, conforme, inclusive, metodologia a ser estruturada por órgãos (Foniagro / Cadecs); (iv) – em diversos trechos há menção à expressão “remuneração”.

A partir de tais aspectos decorrentes da Lei 13.288/2016, é possível afirmar que o valor a ser recebido pelo produtor rural em decorrência do contrato: (i) – não é salário; (ii) – não é remuneração a título de prestação de serviço, o que impede caracteriza-lo então como autônomo; (iii) – é uma remuneração auferida pela distribuição justa de resultados decorrente da produção agrossilvipastoril firmada com o integrador.

Seria esta remuneração uma receita da atividade rural e, por conseguinte, sujeita à tributação específica a título do imposto sobre a renda – IRPF -, nos termos da Lei 8.023/90?

Entendemos que sim.

O contrato de integração ou integração vertical há de ser considerado um contrato agrário típico, na medida em que a atividade econômica exercida pelo integrado neste negócio jurídico é nitidamente rural, seja pela noção de agrossilvilpastoril [2], como também pela de atividade rural, da Lei 8.023/90.

Ora, o artigo 1º, da Lei 8.023/90, da mesma forma que a Lei de integração, utiliza da expressão inicial “resultados”. Vejamos: “Os resultados provenientes da atividade rural estarão sujeitos ao Imposto de Renda de conformidade com o disposto nesta lei”.

Por sua vez, o art. 2º, da mesma lei enuncia como atividade rural:

“Art. 2º Considera-se atividade rural:
I – a agricultura;
II – a pecuária;
III – a extração e a exploração vegetal e animal;
IV – a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
V – a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação. (Redação dada pela Lei 9.250, de 1995)”.

Deste modo, a remuneração auferida pelo produtor rural pessoa física – integrado – em virtude do contrato de integração ou integração vertical, no exercício da exploração de atividade agrossilvilpastoril, a título de distribuição de resultados, há de ser tributada a título de imposto sobre a renda – IR – como atividade rural, nos termos da Lei 8.023/90, podendo, ainda, o contribuinte optar pela apuração arbitrada (simplificada) ou mediante contabilidade.


[2] “atividades agrossilvipastoris: atividades de agricultura, pecuária, silvicultura, aquicultura, pesca ou extrativismo vegetal” (art. 2º, V, Lei n. 13.288/2016).

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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