O afã da UNCTAD referente à colaboração concorrencial internacional
16 de novembro de 2017, 8h00
Os países em desenvolvimento, por volta da década de 1950, apesar de já existirem organismos. como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), preocupavam-se com a enorme distância entre países desenvolvidos e os de menor progresso. Assim, com o intuito de maximizar as oportunidades de comércio e investimento aos países em desenvolvimento, foi criada, em 1964, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), organização internacional permanente, que inobstante integre o Secretariado Geral da ONU, possui orçamento e funcionários próprios; contando hoje com cento e noventa e quatro países-membros[1].
A UNCTAD busca assistir os países em desenvolvimento, para que possam, com mais oportunidades e efetivamente, participar da economia global, com ênfase no comércio, no investimento e na tecnologia. Sua importância deriva, em grande parte, do elevado número de países em desenvolvimento e os diferendos Leste/Oeste. Entre suas preocupações incluem-se questões de direito concorrencial, em especial as relativas à colaboração internacional.
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países considerados emergentes e que compõem os BRICS[2], igualmente, tratam de concorrência e realizam, bienalmente, conferências sobre o assunto. A última acaba de acontecer, em Brasília, nos dias 8, 9 e 10 de novembro. No painel dedicado à cooperação internacional e política de concorrência, a Dra. Teresa Moreira, chefe do Setor de Políticas de Concorrência e do Consumidor da UNCTAD discorreu sobre a política internacional de cooperação em política concorrencial, que merece o sumário abaixo.
A Organização das Nações Unidas, por ser organização geral e de vocação universal, possui competência para tratar de qualquer assunto internacional, no âmbito global. Seus objetivos, em matéria de política de concorrência e de consumo são: (i) obter consenso nas deliberações intergovernamentais; (ii) realizar análises e pesquisas; e (iii) propiciar cooperação técnica. O único documento internacional aprovado na área de concorrência é o Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas para o Controle de Práticas Comerciais Restritivas, de 1980[3], que abriga regras para o controle de práticas anticompetitivas, desenvolvimento da política e das leis concorrenciais; assim como formação de sistema para a cooperação internacional e de instauração de melhores práticas.
Consoante a seção F do Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas sobre Concorrência, as medidas internacionais devem incluir: (i) esforço para harmonizar as políticas nacionais; (ii) informações sobre a aplicação das legislações por ele sugeridas e respectivas etapas; (iii) publicação pela UNCTAD de relatório sobre práticas comerciais restritivas e legislações que afetem negativamente o comércio internacional; e (iv) consultas entre Estados, com o intuito de encontrar soluções mutuamente aceitáveis.
Por ocasião da reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional em Política de Concorrência da UNCTAD, em 2017, foi criado por consenso, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional em Política de Concorrência, com o propósito de debater e intercambiar maneiras de facilitar a cooperação, com base na seção F do Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas sobre Concorrência. Tal grupo, aberto para todos os Estados-membros, por meio de encontros virtuais, prepara-se para apresentar relatório de suas atividades na reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas da UNCTAD, de 1918.
O exame dos trabalhos relacionados com concorrência da UNCTAD tornaram possível aquilatar: (i) quais os meios para melhorar a cooperação internacional concorrencial; (ii) quais os desafios enfrentados pelas autoridades de concorrência de pequeno porte e com pouco tempo de existência; (iii) qual o desenrolar do grupo de discussão sobre Cooperação Internacional; e (iv) quais as preocupações atuais da Direção Geral da UNCTAD sobre Cooperação Internacional.
Os meios para incentivar a cooperação dependem do estabelecimento de parâmetros e diretrizes para melhor entendimento, baseadas nos objetivos, leis, metodologias e orientações regionais; da implementação de salvaguardas relativas ao devido processo legal e proteção da confidencialidade de informações; do desenvolvimento de políticas de leniência, que facultem derrogações a candidatos à leniência; da discussão sobre o reconhecimento de decisões de tribunais de outras jurisdições; do estudo sobre a viabilidade de adotar “modelo do balcão único” ou “jurisdições líderes” para casos transfronteiriços; e do intercâmbio de pessoal e de assessores para discutir a eventualidade de formação de equipes de investigação conjunta.
Os desafios mais comuns das autoridades de concorrência referem-se à proteção de informação no direito nacional; à falta de definição internacional sobre informação confidencial; à ausência de renúncia de confidencialidade; às limitações na admissibilidade de informação; às limitações na implementação de programas transfronteiriços de leniência; e à falta de entendimento, confiança e interação mútuos entre autoridades de concorrência.
As áudio-conferências do Grupo de Discussão tem sido concorridas. Trinta e nove países, representativos regionalmente, participaram da primeira conferência. Houve comprometimento para coligir informações e experiências relevantes, por meio de pesquisa; e sete autoridades de concorrência, de todas as regiões do mundo (Algéria África do Sul, Brasil, México, Estados Unidos da América, Filipinas, Europa, Áustria e Rússia) participam de projeto de pesquisa.
Finalmente, a solicitação feita por ocasião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional sobre Política de Concorrência, de 2017, de se compilar as melhores práticas, com vistas à respectiva implementação, está sendo desenvolvida com foco nas “boas práticas regionais”, que podem fornecer informações importantes para a formulação de cooperação internacional. Na reunião desse Grupo, de 2018, a ter lugar de 11 a 13 de julho de 2018, serão relatadas as contribuições, propostas e resultados de discussões em curso. Para tanto, a Direção Geral da UNCTAD sobre Cooperação Internacional encoraja a participação contínua das autoridades de concorrência dos Estados-membros, organizações e partes interessadas.
Embora substancial, o afã da UNCTAD, referentemente à colaboração internacional em matéria concorrencial, não é o único no seio dos organismos internacionais. Não se pode tratar desse assunto, sem perquirir, também, a atividade levada a cabo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que será feito oportunamente.
[1] Cezaretti, Marcel, R., “Estudo Jurídico Comparativo sobre Controle de Concentrações de Empresas: Brasil, França e México”, (dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP), São Paulo, s.c.p., 2017, p. 33 e seguintes.
[2] Rodas, João Grandino, “Os BRICS correm o risco de reduzirem-se para IC” e “Com papel fundamental, CADE analisa cerca de 400 atos de concentração por ano, Revista Eletrônica ConJur, 3 de agosto e de 2 de novembro de 2017.
[3] Set of Multilaterally Agreed Equitable Principles and Rules for the Control of Restrictive Business Practices, aprovado, em 1980, pela Assembleia Geral da ONU.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!