Olhar Econômico

O afã da UNCTAD referente à colaboração concorrencial internacional

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

16 de novembro de 2017, 8h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O globo, desde o século XVI, encontra-se dividido em Estados, ainda dito soberanos, apesar da erosão que a soberania está, continuamente, a sofrer. Entretanto, os Estados, que já foram sujeitos únicos de direito internacional público, passaram a conviver com organizações internacionais intergovernamentais, entes por eles criados; com os quais passaram a dividir a referida subjetividade, bem como o protagonismo internacional. Hoje existem cerca de 200 Estados, enquanto que há por volta de meio milhar das citadas organizações, dedicadas às mais variadas finalidades.

Os países em desenvolvimento, por volta da década de 1950, apesar de já existirem organismos. como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), preocupavam-se com a enorme distância entre países desenvolvidos e os de menor progresso. Assim, com o intuito de maximizar as oportunidades de comércio e investimento aos países em desenvolvimento, foi criada, em 1964, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), organização internacional permanente, que inobstante integre o Secretariado Geral da ONU, possui orçamento e funcionários próprios; contando hoje com cento e noventa e quatro países-membros[1].

A UNCTAD busca assistir os países em desenvolvimento, para que possam, com mais oportunidades e efetivamente, participar da economia global, com ênfase no comércio, no investimento e na tecnologia. Sua importância deriva, em grande parte, do elevado número de países em desenvolvimento e os diferendos Leste/Oeste. Entre suas preocupações incluem-se questões de direito concorrencial, em especial as relativas à colaboração internacional.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países considerados emergentes e que compõem os BRICS[2], igualmente, tratam de concorrência e realizam, bienalmente, conferências sobre o assunto. A última acaba de acontecer, em Brasília, nos dias 8, 9 e 10 de novembro. No painel dedicado à cooperação internacional e política de concorrência, a Dra. Teresa Moreira, chefe do Setor de Políticas de Concorrência e do Consumidor da UNCTAD discorreu sobre a política internacional de cooperação em política concorrencial, que merece o sumário abaixo.

A Organização das Nações Unidas, por ser organização geral e de vocação universal, possui competência para tratar de qualquer assunto internacional, no âmbito global. Seus objetivos, em matéria de política de concorrência e de consumo são: (i) obter consenso nas deliberações intergovernamentais; (ii) realizar análises e pesquisas; e (iii) propiciar cooperação técnica. O único documento internacional aprovado na área de concorrência é o Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas para o Controle de Práticas Comerciais Restritivas, de 1980[3], que abriga regras para o controle de práticas anticompetitivas, desenvolvimento da política e das leis concorrenciais; assim como formação de sistema para a cooperação internacional e de instauração de melhores práticas.

Consoante a seção F do Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas sobre Concorrência, as medidas internacionais devem incluir: (i) esforço para harmonizar as políticas nacionais; (ii) informações sobre a aplicação das legislações por ele sugeridas e respectivas etapas; (iii) publicação pela UNCTAD de relatório sobre práticas comerciais restritivas e legislações que afetem negativamente o comércio internacional; e (iv) consultas entre Estados, com o intuito de encontrar soluções mutuamente aceitáveis.

Por ocasião da reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional em Política de Concorrência da UNCTAD, em 2017, foi criado por consenso, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional em Política de Concorrência, com o propósito de debater e intercambiar maneiras de facilitar a cooperação, com base na seção F do Conjunto de Princípios e Regras das Nações Unidas sobre Concorrência. Tal grupo, aberto para todos os Estados-membros, por meio de encontros virtuais, prepara-se para apresentar relatório de suas atividades na reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas da UNCTAD, de 1918.

O exame dos trabalhos relacionados com concorrência da UNCTAD tornaram possível aquilatar: (i) quais os meios para melhorar a cooperação internacional concorrencial; (ii) quais os desafios enfrentados pelas autoridades de concorrência de pequeno porte e com pouco tempo de existência; (iii) qual o desenrolar do grupo de discussão sobre Cooperação Internacional; e (iv) quais as preocupações atuais da Direção Geral da UNCTAD sobre Cooperação Internacional.

Os meios para incentivar a cooperação dependem do estabelecimento de parâmetros e diretrizes para melhor entendimento, baseadas nos objetivos, leis, metodologias e orientações regionais; da implementação de salvaguardas relativas ao devido processo legal e proteção da confidencialidade de informações; do desenvolvimento de políticas de leniência, que facultem derrogações a candidatos à leniência; da discussão sobre o reconhecimento de decisões de tribunais de outras jurisdições; do estudo sobre a viabilidade de adotar “modelo do balcão único” ou “jurisdições líderes” para casos transfronteiriços; e do intercâmbio de pessoal e de assessores para discutir a eventualidade de formação de equipes de investigação conjunta.

Os desafios mais comuns das autoridades de concorrência referem-se à proteção de informação no direito nacional; à falta de definição internacional sobre informação confidencial; à ausência de renúncia de confidencialidade; às limitações na admissibilidade de informação; às limitações na implementação de programas transfronteiriços de leniência; e à falta de entendimento, confiança e interação mútuos entre autoridades de concorrência.

As áudio-conferências do Grupo de Discussão tem sido concorridas. Trinta e nove países, representativos regionalmente, participaram da primeira conferência. Houve comprometimento para coligir informações e experiências relevantes, por meio de pesquisa; e sete autoridades de concorrência, de todas as regiões do mundo (Algéria África do Sul, Brasil, México, Estados Unidos da América, Filipinas, Europa, Áustria e Rússia) participam de projeto de pesquisa.

Finalmente, a solicitação feita por ocasião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Cooperação Internacional sobre Política de Concorrência, de 2017, de se compilar as melhores práticas, com vistas à respectiva implementação, está sendo desenvolvida com foco nas “boas práticas regionais”, que podem fornecer informações importantes para a formulação de cooperação internacional. Na reunião desse Grupo, de 2018, a ter lugar de 11 a 13 de julho de 2018, serão relatadas as contribuições, propostas e resultados de discussões em curso. Para tanto, a Direção Geral da UNCTAD sobre Cooperação Internacional encoraja a participação contínua das autoridades de concorrência dos Estados-membros, organizações e partes interessadas.

Embora substancial, o afã da UNCTAD, referentemente à colaboração internacional em matéria concorrencial, não é o único no seio dos organismos internacionais. Não se pode tratar desse assunto, sem perquirir, também, a atividade levada a cabo pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que será feito oportunamente.


[1] Cezaretti, Marcel, R., “Estudo Jurídico Comparativo sobre Controle de Concentrações de Empresas: Brasil, França e México”, (dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP), São Paulo, s.c.p., 2017, p. 33 e seguintes.

[2] Rodas, João Grandino, “Os BRICS correm o risco de reduzirem-se para IC” e “Com papel fundamental, CADE analisa cerca de 400 atos de concentração por ano, Revista Eletrônica ConJur, 3 de agosto e de 2 de novembro de 2017.

[3] Set of Multilaterally Agreed Equitable Principles and Rules for the Control of Restrictive Business Practices, aprovado, em 1980, pela Assembleia Geral da ONU.

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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