Sem dano moral

Não conseguir enxergar o palco durante show é mero aborrecimento

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16 de novembro de 2017, 8h01

Assistir em pé ao espetáculo, sem ter plena visão do palco, é mero dissabor do cotidiano, principalmente em shows comandados por artistas que têm o hábito de interagir com a plateia, movimentando-se de um lado para o outro durante a apresentação. Logo, não se pode falar em lesão dos direitos de personalidade, elencados no artigo 5º da Constituição, o que afasta o dever de indenizar em danos morais.

Com esse entendimento, a 4ª Turma Recursal Cível, dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul, reformou sentença que concedeu danos morais a um casal que não conseguiu ver o palco quando estava na ‘‘área gold’’ do espetáculo, a posição mais cara e privilegiada. O colegiado manteve apenas o reembolso do valor dos ingressos a menor, pela diferença de categoria de assento.

Ação indenizatória
O casal adquiriu ingressos para assistir ao show da cantora Ana Carolina na “área gold”, desembolsando valor mais elevado para ter conforto e ficar próximo ao palco. No entanto, a partir da terceira música, afirmou, o público se levantou e tomou a frente, ficando entre a plateia “gold” e o palco, tornando impossível assistir ao espetáculo.

A parte ré, promotora do evento, contestou a inicial. Afirmou que foi a própria cantora Ana Carolina que chamou o público para perto do palco, motivo pelo qual nada fez para impedi-la. Em função disso, afirma que devolveu os ingressos aos espectadores que saíram durante a apresentação, insatisfeitos, o que não foi o caso dos autores, que aceitaram tacitamente a situação e permaneceram até o final do show.

Sentença procedente
O juiz Rafael Silveira Peixoto, da Vara Adjunta do Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca de Taquara, julgou parcialmente procedente a demanda, por entender que a situação vivenciada pelos autores ‘‘constitui frustração em grau bastante expressivo’’, e não num ‘‘singelo incômodo ou aborrecimento’’.

Assim, condenou as empresas que promoveram o evento a restituírem ao autor a quantia de R$ 531, referente ao valor dos ingressos adquiridos. Também condenou ambas a pagar dano moral ao casal, no valor singular de R$ 1,5 mil para cada um.

O julgador afirmou na sentença que a coprodutora do espetáculo sabia, de antemão, que a artista agia dessa forma, buscando a interação com público, mas não fez qualquer advertência aos consumidores. E mais: permitiu a cobrança de valores diferenciados segundo a localização escolhida pelos espectadores — o que não seria respeitado, dada à conduta da artista.

‘‘Diante disso, muito pouco resta a dizer, porque o direito dos demandantes está escancarado nos autos: adquiriram ingressos caros, para o setor ‘plateia gold’, mas, tão logo iniciado o espetáculo, tiveram a área invadida por todos os demais espectadores, mesmo por aqueles que haviam pago preços infinitivamente menores’’, escreveu na sentença.

Efeito Fábio Júnior
O juiz Luís Antônio Behrensdorf Gomes da Silva, relator do recurso inominado na 4ª Turma Recursal Cível, reformou a sentença, afastando o pagamento de danos morais, mas manteve o reembolso dos dois ingressos a menor, em função da diferença de valor dos assentos —caiu para R$ 230.

O relator afirmou que a motivação da demanda se parece bastante com situação ocorrida durante um show do cantor Fábio Júnior no estado. E que tal similaridade instigou as turmas recursais a propor entendimento comum quanto à incidência ou não de danos morais em caso de comprometimento da visão plena do palco em assentos dotados de localização privilegiada.

Registra a ementa do acórdão do Incidente de Uniformização da Jurisprudência 71005621404, das Turmas Recursais Cíveis Reunidas: ‘‘Situação de alegado descumprimento parcial do contrato que não enseja reparação por danos morais, exceto em situações excepcionais e de acordo com a peculiaridades do caso concreto — Incidente conhecido e uniformizado o entendimento, com a edição de enunciado, de que o prejuízo da visualização do palco do show não enseja reparação por danos morais, ressalvados os casos excepcionais’’.

No caso dos autos, destacou Behrensdorf, os próprios demandantes afirmaram que a cantora chamou o público para perto, de maneira que a suposta desorganização (ou interação) passou a ser parte do espetáculo, por vontade da artista.

‘‘Assim, tenho que o entendimento uniformizado se aplica in totum completamente] à situação, mormente porque os autores permaneceram em seus lugares até o fim, assistindo ao espetáculo, presumindo-se que não tenha resultado danos de ordem moral ou psíquica a ponto de ser merecedores de indenização’’, afirmou no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 20 de outubro.

Clique aqui para ler a sentença modificada.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.

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