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EUA querem dar mais importância à reabilitação em seu sistema prisional

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11 de novembro de 2017, 6h25

Em qualquer lista de países com as piores ou mais violentas prisões do mundo, sejam as 20, as 10 ou as 5 mais, os Estados Unidos estarão presentes. Inclusive nas listas das prisões mais ineficientes em termos de reabilitação de presos para a sociedade e de alta taxa de reincidência. Mas, nos últimos anos, vem brilhando uma luz no fim do túnel.

Em 2013, quase um ano depois que o sistema prisional da Noruega se tornou notório nos EUA por seus métodos de reabilitação de presos, os sistemas correcionais dos estados americanos começaram a enviar equipes de administradores e carcereiros de seus presídios para aprender alguma coisa que fosse útil para reformas locais.

Afinal, a taxa de reincidência na Noruega é de apenas 20%, a menor do mundo. Isso significa que o país consegue reabilitar – e “transformar em um bom vizinho no futuro” – 80% de seus prisioneiros. Na prisão instalada em uma “ilha paradisíaca”, onde os piores criminosos do país passam a maior parte do tempo “soltos”, a taxa de reincidência é de apenas 16%. Em comparação, a taxa de reincidência nos EUA é de 60%.

Mas, as “mordomias” nas prisões da Noruega não são gratuitas. Os presos têm de conquistá-las progressivamente. A partir de uma prisão comum, os presos têm de fazer progressos notáveis em comportamento e de estudar – ou de se qualificar profissionalmente – para terem direito a um “upgrade” em suas vidas prisionais.

Conforme ele progride, é transferido para prisões onde mais “mordomias” estão disponíveis. Porém, se no tempo de prisão não se qualificar o suficiente para viver em sociedade, seu tempo de cadeia pode ser ampliado, em vez de reduzido.

Assim, grupos de autoridades correcionais de 12 estados (aos quais se somaram recentemente o Alasca e Oregon) foram despachados para a Noruega, para estudar seu sistema prisional e trazer ideias práticas para iniciar uma reforma em seus próprios sistemas. Foram acrescentados no roteiro, prisões da Alemanha e da Holanda.

Os americanos aprenderam muito. Viram de perto como se transforma um criminoso em cidadão respeitador das leis. Mas implantar os sistemas desses países europeus em território americano é outra história. A cultura prevalecente nos EUA é punitivista e não abre muito espaço para projetos de reabilitação de prisioneiros. Acredita-se que criminosos devem ser castigados, não “mimados”.

Há exemplos. Na Noruega, um prisioneiro pode ser liberado por algumas horas para levar sua filha à escola, em seu primeiro dia de aula (acompanhado de segurança). Se isso fosse feito nos EUA e algum pai descobrisse, ele iniciaria uma “blitz” na mídia social, que iria discutir os perigos a que as crianças estão sendo submetidas por irresponsáveis. O administrador de uma prisão, que melhorou as instalações para dar mais conforto aos presos, foi demitido porque estaria criando um “country club” para eles.

Por isso, as instituições prisionais começaram a implementar o que aprenderam na Europa em pequenas doses. E, por enquanto, tudo está indo bem. A organização The Marshall Project, uma entidade jornalística, sem fins lucrativos, que se dedica a cobrir o sistema de justiça criminal dos EUA, divulgou alguns dos primeiros sucessos das prisões que enveredaram pelo caminho da reabilitação.

Uma mudança importante ocorreu nos assuntos que as autoridades carcerárias discutem em seus encontros. Em vez de discutirem a segurança da prisão ou técnicas de punição, como era comum, hoje eles podem discutir o tratamento humano dos prisioneiros para favorecer a reabilitação, o impacto do tratamento duro nos prisioneiros e também nos carcereiros ou relatar pequenos casos de sucesso.

Em uma prisão feminina em Idaho, por exemplo, a administração forneceu óculos escuros protetivos às prisioneiras e as levou para fora para ver um eclipse solar, o que melhorou o relacionamento delas com os carcereiros. Em uma prisão de Connecticut, o relacionamento dos prisioneiros com os carcereiros já melhorou a ponto de jogarem baralho juntos.

Em Connecticut também, a administração copiou um programa de terapia especialmente intensiva e de educação de presos na faixa de 18 a 25 anos, os que mais provavelmente irão reincidir no crime depois de libertados. Faz parte do programa, colocá-los em grupos de 54 presos, em vez de isolá-los, para que possam se socializar e esvaziar a agressividade.

Os presos são assistidos por pessoal treinado para aconselhá-los e prepará-los para viver em sociedade depois de libertados. As prisões trouxeram prisioneiros mais velhos de outras instituições, que estão cumprindo penas muito longas, para servirem de mentores dos mais jovens. Normalmente, esses prisioneiros antigos exercem mais influências sobre os mais novos do que os profissionais contratados pela instituição.

O problema de Connecticut, segundo os administradores das prisões, é que o programa só existe porque o govenador do estado, Dannel Malloy, assumiu o compromisso de implementar sua visão da “Sociedade da Segunda Chance”. Mas ele não vai concorrer à reeleição. E um novo governador, que não se encante com a ideia da reabilitação de presos, pode fazer o programa minguar.

Em Idaho, a administração do presídio reduziu ao mínimo o uso de solitárias, criou sistemas de incentivo interessantes ao bom comportamento e promoveu encontros entre as famílias dos prisioneiros e as famílias do pessoal o presídio, para que as famílias ajudem no esforço de reabilitação. Com ajuda dos presos, o refeitório e as salas de estar foram reformadas e cadeiras e mesas de plástico ou de metal foram substituídas por móveis mais confortáveis.

Na Pensilvânia, onde as autoridades prisionais trouxeram ideias da Alemanha e da Holanda, foram criadas, por exemplo, “unidades de abrigo de transição”. Nessas unidades, os presos são preparados para a vida pós liberdade. A administração do presídio também trouxe um carcereiro da Noruega para fazer uma palestra a mais de uma centena de funcionários do presídio. Ele falou sobre a transição das prisões da Noruega, empestadas pela violência e pelas drogas há 30 anos, para um sistema-modelo para o mundo.

Em Rhode Island, uma viagem à Noruega inspirou a administração do presídio a tomar medidas como a de reduzir ao mínimo o confinamento em solitária, limitando os tipos de violação e tornando mais fácil sair dele. Mas as autoridades correcionais consideram o esforço para reformar o sistema uma caminhada morro acima. A sociedade local se diz “chocada” e “aterrorizada” com essas medidas.

Em Dakota do Norte, a administradora do sistema prisional do estado ficou “chocada” ao visitar as prisões da Noruega, mas por outro motivo: ela se deu conta de como os presídios americanos maltratam seus prisioneiros. E criou um programa de reformas inspirado na Noruega.

Por exemplo, agora os presos que aguardam a liberdade para dentro de algum tempo podem requisitar uma “sala privada”, que mais parece um dormitório do que uma cela de prisão. Eles têm a chave da “sala privada”, para que possam trancá-la quando saem para trabalhar. Nas solitárias, os carcereiros são obrigados a conversar, pelo menos duas vezes por dia, com os confinados.

As reformas inspiradas nos países da Europa, além de serem implantadas aos poucos, são mais fáceis de serem realizadas nos estados com menos prisioneiros. Dakota do Norte, por exemplo, só tem cerca de 2 mil prisioneiros. Mas estados como Texas, Flórida e Califórnia têm mais de 50 mil cada um.

Todas as viagens dos americanos aos países da Europa foram organizadas pela Prison Law Office. O professor-médico da Universidade da Califórnia, Brie Williams, que trabalha na Prison Law Office, disse ao The Marshall Project que a diferença fundamental é a de que na Europa se entende que esses prisioneiros irão voltar para as ruas, um dia. Se não forem reabilitados, provavelmente voltarão à vida de crimes. “Os europeus entendem isso muito melhor que os americanos”, ele disse.

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