Com a constante e consistente queda das taxas de juros, a poupança popular brasileira volta a migrar da renda fixa para o mercado acionário em busca de maiores retornos, fazendo o IBOVESPA, principal índice nacional de ações, acumular forte crescimento no ano.
Mas os investidores brasileiros gozam de pouquíssima proteção na tutela de seus interesses diante de desvios de conduta das companhias investidas, seus controladores, administradores e outros participantes do mercado, sobretudo quando o assunto consiste em pretensão indenizatória por ilícitos praticados no mercado.
À exemplo, em julgado do mês de outubro de 2017, o colegiado da CVM – Comissão de Valores Mobiliários, reverteu decisão da SRE – Superintendência de Registro de Valores Mobiliários, dando provimento ao recurso de uma companhia do setor de varejo para declarar que a autarquia não tem competência para determinar o pagamento de indenização aos investidores.
No caso (Processo RJ2015/9136), em resumo, a recorrente adquiriu o controle de determinada companhia aberta, promovendo OPA – Oferta Pública de Aquisição de ações dos minoritários através da qual se obrigou a pagar 80% do preço por ação pago à antiga controladora em favor dos minoritários que aderissem à oferta. Em seguida a vendedora do controle acionou o comprador, alegando pagamento a menor, vencendo ao final a disputa em arbitragem.
Provocada sobre a decisão arbitral em favor da antiga controladora, a SRE determinou que os minoritários aderentes da OPA fossem igualmente indenizados, de forma proporcional. O prejuízo potencial chegou a ser estimado pela recorrente em cento e cinquenta milhões de reais por meio de fato relevante. Mas o colegiado da CVM, órgão superior da entidade, entendeu que caberia a cada investidor acionar o adquirente/ofertante, buscando sua indenização pelos meios próprios.
Não se trata de caso isolado. Em outra oportunidade (Processo CVM n.º RJ-2014-11373), diante potenciais irregularidades posteriores a uma das maiores ofertas públicas da história do mercado local, a SRE se pronunciou pela possibilidade de revogação do aceite pelos investidores de companhia do setor de telecomunicações, o que poderia importar na potencial devolução de bilhões de reais pela companhia aos seus acionistas. Mas o colegiado acabou por decidir não ter a CVM competência para tal determinação. Portanto, fica claro que a CVM não agirá em busca da reparação dos investidores.
Por outro lado, os danos coletivos poderiam ser pleiteados através dos legitimados para a propositura da ação civil pública, como o Ministério Público e determinadas associações, tendo em vista que tais fatos podem ensejar ação de responsabilidade por dano patrimonial a interesses coletivos, além de infração à ordem econômica, nos termos da Lei 7.347, de 1985.
Contudo, com raríssimas exceções, não se vê atuação de tais legitimados nesse sentido, de modo que cada investidor fica relegado a sua própria iniciativa, o que faz com que os danos sejam dissipados no mercado, beneficiando os envolvidos diante da patente assimetria de informações, além da inegável hipossuficiência dos investidores.
Seria oportuno, neste diapasão, uma reforma radical da ação civil pública, com o aumento do rol de legitimados e estipulação de incentivos aos postulantes em benefício coletivo, de forma que tais ações se tornem mais usuais e sejam menos frequentes as práticas ilícitas no mercado de capitais brasileiro, que assim seria fortalecido. Mas não há iniciativa política nesse sentido.
Até mesmo os investidores profissionais, como fundos de investimento em ações, permanecem inertes diante da incerteza de tais postulações, que ainda são incomuns e podem representar custosas arbitragens, ou morosos processos judiciais, sempre com certo risco de perda.
Essa inércia dos fundos, vale salientar, pode até mesmo ocasionar responsabilidade civil dos administradores e/ou gestores pelos danos percebidos pelos investidores, na medida em que devem “empregar na defesa dos direitos do cotista, a diligência exigida pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários para assegurá-los, e adotando as medidas judiciais cabíveis” (ICVM 555, Art. 92, III).
Uma das incertezas em tais ações consiste no prazo prescricional aplicável, em especial quanto ao início de sua contagem. Na maioria dos casos o investidor toma conhecimento dos fatos de forma consistente somente após decisões da CVM ou investigações de outras autoridades nacionais e estrangeiras, que costumam demorar anos até que sejam proferidas ou reveladas.
Portanto, é usual que os acionistas fiquem cientes de um prejuízo anos após o fato, sendo certo que as ações de responsabilidade civil prescrevem em apenas 3 (três) anos, seguindo o Art. 206, §3º, V, do Código Civil. Contudo, existe farta jurisprudência no sentido de que a prescrição das ações de responsabilidade civil “somente começa a correr quando o titular do direito subjetivo violado obtém plena ciência da lesão e de toda a sua extensão, bem como do responsável pelo ilícito…” (STJ, AgInt no AREsp 639598/SP).
Tal jurisprudência merece aplicação especial em casos do mercado de capitais, pois somente a partir dos julgados da CVM ou investigações de outros órgãos públicos é que muitos investidores passam a ter acesso às provas documentais sobre os requisitos da responsabilidade civil, quais sejam, o ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre os primeiros. Assim, seria completamente impossível exercer o direito de ação durante o prazo se contado desde a prática ilícita desconhecida dos investidores.