Tribuna da Defensoria

STJ esclarece início de prazo para defensor público presente em audiência

Autor

  • Edilson Santana Gonçalves Filho

    é defensor público federal e especialista em Direito Processual. Foi defensor público do Maranhão. Autor dos livros "Defensoria Pública e a Tutela Coletiva de Direitos – Teoria e Prática "A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais – sua vinculação às relações entre particulares" e coautor dos livros "O Novo Código de Processo Civil e a Perspectiva da Defensoria Pública" e "Dicionário de Ministério Público".

7 de novembro de 2017, 8h51

O Código de Processo Civil trouxe regras específicas para a Defensoria Pública e seus membros. Exemplo disso, são os seguintes dispositivos, que tratam do início da contagem de prazos:

Art. 230. O prazo para a parte, o procurador, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público será contado da citação, da intimação ou da notificação.

Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão.

§ 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão.

Já há algum tempo, defendo a necessidade de compatibilizar o comando legal constante no CPC com a prerrogativa prevista na Lei Complementar 80 de 1994. Referida lei prevê, dentre as prerrogativas dos membros da Defensoria Pública, a intimação pessoal mediante entrega dos autos com vista, em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa (artigos 4º, V; 44, I; 89, I e 128, I). “É que, embora haja intimação na audiência, o ato só se aperfeiçoa com a respectiva entrega dos autos com vista, de forma que o prazo para a Defensoria Pública só tem início com o recebimento, quando a carga não seja disponibilizada para o órgão imediatamente após a audiência” (Filho. Edilson Santana Gonçalves. Defensoria Pública e a Tutela Coletiva de Direitos – Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 52).

Sendo assim, a intimação só se aperfeiçoará quando concedida a carga ou remetidos os autos ao órgão, o que se justifica, dentre diversas razões, pela otimização da eficiência dos serviços oficiais, como é o caso da Defensoria Pública, dependentes do acompanhamento e da fiscalização de vultosa quantidade de processos, decorrentes de suas atribuições constitucionais e legais, viabilizando, em última análise, o contraditório efetivo. Demais disso, o princípio da indivisibilidade significa que um Defensor Público poderá substituir outro quando necessário. Assim, nem sempre será o mesmo agente público presente na audiência que, posteriormente, será o responsável pela impugnação dos atos nela praticados.

Em recente decisão sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça fez distinção entre a “intimação do ato” e o “início da contagem do prazo” processual, de forma que pode não haver coincidência entre a intimação (ocorrida em audiência ou por certidão cartorial) e o início do prazo. Ou seja, embora a intimação possa ocorrer em audiência, a contagem dos prazos para o membro somente terá início posteriormente, com a remessa ou carga dos autos. Assim, “a intimação não se confunde com a contagem do prazo, embora, em regra, o início do prazo para a prática de atos processuais se dê com a intimação” (STJ. HC 296.759-RS. Terceira Seção. Min. Rogério Schietti Cruz. Julgado em 23/08/2017). Neste aspecto, interessante destacar trecho do voto do ministro relator:

Então, conquanto se reconheça que intimação do ato e respectivo prazo processual caminhem ligados, uma vez que, em regra, a ciência ou o conhecimento das partes acerca dos atos processuais dispara o início do cômputo do prazo para a prática de novos atos, o início na contagem do prazo pode e deve ser postergado quando adequado e necessário ao exercício do contraditório pleno, ou seja, e repetindo as palavras do professor paulista, quando “adequado para a parte desenvolver sua atividade”.

Embora se trate de processo criminal, as mesmas razões se aplicam aos processos cíveis e administrativos, não havendo distinção em razão da natureza do processo. Neste aspecto, interessante notar que o HC 296.759-RS foi julgado em conjunto com o RESP 1.349.935 – SE (Terceira Seção. Min. Rogério Schietti Cruz. Julgado em 23/08/2017), que tratava do mesmo tema (necessidade de intimação com vista dos autos) com relação ao Ministério Público, sendo a questão enfrentada sob o rito dos recursos repetitivos e analisada sob o viés do processo penal e civil, conforme fica claro, inclusive, na ementa do julgado, transcrita parcialmente abaixo:

REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). PROCESSO PENAL E PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS. INÍCIO. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS À INSTITUIÇÃO. INTIMAÇÃO E CONTAGEM DE PRAZO PARA RECURSO. DISTINÇÕES. PRERROGATIVA PROCESSUAL. NATUREZA DAS FUNÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PECULIARIDADES DO PROCESSO PENAL. REGRA DE TRATAMENTO DISTINTA. RAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 18, II, "h", DA LC N. 75/1993 e 41, IV, DA LEI N. 8.625/1993.

Nestes julgados, a questão foi definida de maneira uniforme para a Defensoria Pública e o Ministério Público. Interessante destacar trecho do voto relator no RESP 1.349.935:

Então, se a interpretação que se deva imprimir à expressão (sujeitos) de que trata o § 1º do art. 1.003 do CPC deve compreender o membro do Ministério Público, a indicar exceção à regra de intimação por meio de remessa dos autos, tal interpretação deveria alinhar-se sistemática e teleologicamente aos princípios que regem o próprio CPC, bem como àqueles que regem a instituição, o que não ocorre, conforme procuramos demonstrar ao longo deste voto. Muito pelo contrário, o sentido da norma, aplicada em sua literalidade viola princípios basilares do processo (contraditório efetivo, paridade de armas) e do Ministério Público (unidade, indivisibilidade, oficialidade, obrigatoriedade etc.), a par de potencializar o risco de sacrifício dos bens e interesses que a Constituição da República impõe a essa instituição.
(…)
Ante tais fundamentos, parece-me que a melhor interpretação do § 1º do art. 1.003 do CPC – na eventualidade de ser considerado – é aquela que se harmoniza com a lei especial que trata da intimação pessoal do Ministério Público, de modo que a leitura feita do termo (sujeitos), referido pelo parágrafo primeiro, não abarcaria o Ministério Público (e a Defensoria Pública) de que trata o caput do mesmo dispositivo”.

De teor similar foi o voto no HC 296.759-RS, que, como já informado, teve julgamento em conjunto com o Recurso Especial acima mencionado:

Por fim, não descarto a possibilidade de afastar a incidência do art. 1.003, caput c/c seu § 1º, do CPC de 2015 por meio de interpretação consentânea com o critério da especialidade.
Deveras, ao confrontar a regra contida no caput c/c o § 1º, do art. 1.003 do CPC com a prevista nos arts. 4º, V, e 44, I, da LC. n. 80/1994, observa-se que aquela descreve a regra geral de intimação dos que detêm o ius postulandi (contagem do prazo a partir da intimação em audiência), ao passo que estas últimas referem-se especificamente aos membros da Defensoria Pública, atrelando a validade de intimação pessoal somente com a remessa dos autos.
(…)
Assim, por todo o exposto, parece-me ser a melhor interpretação do § 1º do art. 1.003 do CPC aquela que se harmoniza com a lei especial que trata da intimação pessoal da Defensoria Pública, de modo que a leitura feita do termo (sujeitos) referido pelo parágrafo primeiro não abarcaria a referida instituição tratada no caput”.

Importante não perder de vista, ainda, que a Constituição da República reservou à lei complementar as normas relacionadas à Defensoria Pública e seu estatuto (artigos 134, parágrafos 1º e 4º combinado com 93), o que revela a existência de fator distintivo que reforça a prevalência das prerrogativas contidas na Lei Complementar 80/1994, quando em confronto com o CPC (Lei Ordinária).

Em decisão mais antiga, ainda sob a égide do CPC/1973, o STJ (RESP 1.190.865/MG) em ação de divórcio (processo civil portanto), já assentara que a despeito da presença do Defensor Público na audiência de instrução e julgamento, a intimação pessoal da Defensoria Pública somente se concretiza com a respectiva entrega dos autos com vista, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, sendo que tal prerrogativa tem a finalidade de proteger e preservar a própria função exercida pelo referido órgão e, principalmente, resguardar aqueles que não têm condições de contratar um defensor particular.

Seja entendendo-se pela diferenciação entre a data da intimação e a do início do prazo, seja entendendo que a intimação, ato complexo, somente se perfectibiliza com a entrega dos autos, certo é que o prazo somente começa com a remessa ou carga do processo, independentemente da presença do Defensor Público na audiência na qual a decisão foi proferida.

Questão que não merece não ser olvidada e que deverá ser também objeto de análise dos tribunais é a situação que envolver autos eletrônicos. Neste caso, o prazo somente deve ter início após o primeiro acesso do órgão ao processo após o ato (por exemplo, após a audiência na qual a decisão foi proferida). Esta consulta aos autos, é válido frisar, não ficará ao mero alvedrio da instituição, como se o prazo lhe fosse eterno. No caso de processo virtual incidirá o máximo de dez dias para a consulta aos autos, nos termos da lei 11.419/06 (Art. 5º, §3º), após o qual inicia-se automaticamente o prazo processual, considerando-se realizada a intimação.

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    é defensor público federal e especialista em Direito Processual. Foi defensor público do Maranhão. Autor dos livros "Defensoria Pública e a Tutela Coletiva de Direitos – Teoria e Prática, "A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais – sua vinculação às relações entre particulares" e coautor dos livros "O Novo Código de Processo Civil e a Perspectiva da Defensoria Pública" e "Dicionário de Ministério Público".

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