Opinião

Juízes do Trabalho não se importam com empregados, e sim com criar normas

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5 de novembro de 2017, 6h30

É fácil amar a humanidade; difícil é amar o próximo.

Nelson Rodrigues

Acompanhei, acompanho, participei e participo efetivamente dos debates sobre a prestação de serviços a terceiros, terceirização, no Congresso Nacional, pelo menos desde de 1986, quando o Tribunal Superior do Trabalho, proibiu a prestação de serviços, com exceção dos serviços de vigilância e de trabalho temporário, que já eram regulamentados por lei, nos termos do Enunciado 256. Começa ai o rompante “ditatorial” da Justiça do Trabalho, ao atropelar a Constituição da República, que deste a de 1946, considerada a mais democrática de nossa história, protege a ordem econômica e a própria lei civil, que já determinava que “toda a espécie de serviços ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”, redação mantida no atual Código Civil de 2012.

Felizmente, ou infelizmente, a livre iniciativa teve de conviver com aquele malfadado enunciado, por mais de sete anos, até a sua revisão consagrada na Súmula 331 de 1993; mas mesmo assim também com limitações, ao proibir a contratação de serviços para a atividade fim das empresas. A Súmula 331, sem dúvida, foi o grande propulsor da terceirização no Brasil, mas a proibição na atividade fim também limitou sua aplicação, a trazer enormes problemas para o mercado de trabalho principalmente para as empresas globais, que tinham de se manter vivas num mundo altamente competitivo. Com a evolução da tecnologia e da competitividade, não é mais possível definir com clareza o que seria atividade fim ou meio de uma empresa, fato que trouxe uma enorme insegurança jurídica. O foco principal das empresas competitivas está na inovação e no marketing, não mais na produção, que são delegadas a terceiros.

Aqui cabe um registro histórico, que foi a fundamental participação do então ministro Almir Pazzianotto Pinto, que teve de travar uma batalha duríssima com o então ministro Marcelo Pimentel, para que o Pleno do TST aprovasse a Súmula 331. Tive a oportunidade de indagar o ministro Pazzianotto, à época se não seria temerário deixar para que o fiscal do trabalho ou a Justiça do Trabalho a prerrogativa de definir o que seria atividade fim e/ou meio. O ministro respondeu-me: “para ir até o outro lado da rua, você precisa primeiro atravessar a rua. Esta redação é o que é possível neste momento.” Infelizmente demoramos 24 anos para atravessar a rua, pois só agora o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a proibição da terceirização na atividade fim.

Vejam que a terceirização foi “regulamentada”, pelo menos até novembro, por uma jurisprudência e não por lei, anomalia que persiste ao longo do tempo, e não me lembro que algum membro da Anamatra ou mesmo do Ministério Público tenha questionado a constitucionalidade da súmula. Neste sentido claro a atuação ideológica das referidas instituições.

Pois bem, vieram outras tentativas de proibição da terceirização, como na Constituinte de 1998 e em seguida por um projeto elaborado pelo deputado Augusto Carvalho, na época do Partido dos Trabalhadores, ambas as propostas não vingaram, por força de muito trabalho das poucas entidades que defendiam a prestação de serviços, com destaque para à Associação das Empresas Prestadoras de Serviços (Aprest), hoje Asserttem e da Federação Brasileira das Empresas de Asseio e Conservação (Febrac).

A terceirização já era realidade, principalmente, nos países mais desenvolvidos, e não tinha mais como breca-la, na medida em que foi um verdadeiro achado para o mundo contemporâneo da gestão empresarial, fomento para a relação empresa, empresa. A terceirização nada mais é do que a parceria entre empresas regularmente constituídas, a proporcionar condições para que cada uma foque na sua expertise, pressionado por um consumidor, que somos todos nós, muito mais exigente, notadamente após a aprovação do Código de Defesa do Consumidor. Ao contrário do que acredita muitos, a manutenção do emprego e renda, depende exclusivamente do consumidor, pois se ele deixar de comprar não teremos emprego e muito menos direitos.

Pois bem, o debate que se arrasta há mais de trinta anos, se concentra na importância da terceirização para a economia e seu real impacto na relação capital x trabalho. A meu ver criou-se uma falsa impressão de que ela prejudica os trabalhadores, oxigenada por uma estratégia antiga do “esquerdismo”, com viés fascista, como nos ensina como muita propriedade o escritor Rodrigo Constantino no seu livro “Esquerda Caviar”, que impôs uma falsa polêmica, fundamentado em mentiras reiteradamente repetidas. Ou seja, cunha-se um refrão, normalmente de uma palavra só, para facilitar a fixação, como precarização, golpe, perda de direitos dos trabalhadores, etc., e repete-se o mantra a exaustão, sem, irresponsavelmente, nenhum compromisso com a realidade dos fatos, pior! com o futuro do bem comum.

O que estão fazendo os inimigos da terceirização e da reforma da carcomida CLT, o tempo todo, se não aplicar ipisis litteris a estratégia da mentira reiterada. Bradam aos ventos de que a terceirização precariza, que a reforma trabalhista tira direitos consagrados na Constituição da República e na CLT, a repetir o mantra a exaustão, mas sem jamais comprovar um direito sequer que seria tirado, apenas tergiversam com o argumento subjetivo de que afronta a Constituição e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Quem milita no dia a dia da Justiça do Trabalho, sabe o quanto é maléfico para o mercado de trabalho o verdadeiro o “olhar de paisagem” que é dispensado ao empreendedorismo. Para eles o emprego é obra do Espírito Santo ou nasce em árvore, não é fruto de muito investimento, de muito trabalho e de muita persistência.

Esta Justiça, que se diz especializada, tem uma tradição teratológica de descaso com a fundamentação de suas decisões. Esta é a cultura da maioria dos magistrados, que se ofendem quando enfrentam argumentos contrários. Por isso, muitas vezes inconscientemente, é verdade, pela formação ideológica na academia, confirmam à assertiva de que são verdadeiros deuses onipotentes, como acaba de demonstrar os membros da Anamatra ao aprovar teses contrárias à aplicação da reforma trabalhista, como se isso, juridicamente e eticamente, fosse possível, pelo menos numa regime democrático, a considerar que a premissa maior da hermenêutica, de conhecimento de qualquer estudante de direito, limita qualquer interpretação a intenção do legislador. Fora disso, qualquer sentença se assemelha aos regimes totalitários.

Na verdade, os juízes do Trabalho estão alvoroçados porque a reforma da CLT limitou a capacidade deles de impor verdadeiras leis, através das súmulas, produzidas em linha de montagem, aprovadas sempre em reuniões fechadas; o que não será mais possível, pois as sessões terão de ser publicas, aprovadas por maioria dos seus membros, e com a participação da sociedade, através das suas entidades de classes. É com isso que eles estão incomodados, não com a defesa dos trabalhadores.

Pois bem, todos os debates que presenciei ou participei no Congresso Nacional, e foi quase todos, os “arautos defensores” dos trabalhadores, assim mesmo entre aspas, pois jamais defenderam os trabalhadores terceirizados, muito pelo contrário, além de se referirem a eles como trabalhadores de segunda classe, ainda querem vê-los no olho na rua, na medida em que não suportam que eles trabalhem em empresas públicas.

“Nossas esquerdas não gostam dos pobres. Gostam mesmo é dos funcionários públicos. São estes que gozando de estabilidade, fazem greves, votam no Lula, pagam contribuição par a CUT. Os pobres não fazem nada disso. São uns chatos…” (Roberto Campos)

A ladainha de que as reformas tiram direitos dos trabalhadores, ou precariza o trabalho, foi contestada por muita gente, nas dezenas de audiências públicas, – infelizmente não ressaltadas pela grande mídia, que prefere o outro lado – mas em especial pelos os professores José Pastore e Helio Zylberstajn, ambos titulares de cadeiras na USP, como aconteceu na comissão geral (audiência pública de projetos relevantes) fato que praticamente selou à aprovação da Reforma Trabalhista no Senado, onde em atuação memorável o professor Pastore, relacionou todos os direitos dos trabalhadores contidos na Constituição da República e na CLT, e perguntou ao senador Paulo Paim, qual daqueles direitos foi suprimido pela Terceirização ou estariam sendo suprimidos pela Reforma Trabalhista. O senador não conseguiu responder, e nem podia; apenas tergiversou, com os argumentos de sempre: afronta a dignidade da pessoa humana e as Convenções da OIT, atitude que gerou criticas generalizadas dos seus pares.

O professor Helio Zylberstajn, por sua vez, discorreu sobre um estudo científico que teve a sua coordenação elaborado pela FIPE/USP, “Terceirização: Aspectos Teóricos, Experiência Internacional e Efeitos Esperados sobre o Mercado de Trabalho”, que contesta cientificamente o estudo/dossiê “Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha”, elaborado em parceria entre a Central Única dos Trabalhadores e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 2014. O estudo da FIPE, desmistificou a retórica de que os trabalhadores terceirizados ganham até 24,7% menos que os trabalhadores das empresas contratantes. Segundo o professor, o dossiê/Cut comparou banana com abacaxi, ao comparar o salário médio de setores muito distintos, como empresas de fabricação de automóveis, (setor tipicamente contratante) de um lado, e de vigilância e segurança (setor tipicamente terceirizado) de outro. Conclui o estudo científico da FIP/USP, que “o resultado mostrado no estudo da CUT/DIEESE não deve e não pode ser atribuído simplesmente ao fato do trabalhador ser terceirizado ou não terceirizado, qualquer interpretação nesse sentido seria completamente equivocada.” “(…) Quando todos esses elementos são considerados, os resultados do exercício apontam que a terceirização está relacionada a uma redução de apenas 3% do salário médio do trabalhador. Ou seja, segundo os resultados encontrados dois trabalhadores com as mesmas características, desempenhando as mesmas funções, sendo a única diferença entre eles o fato de um trabalhar em regime terceirizado (vinculado a prestadora) e o outro contratado diretamente pela empresa (próprios), apresentam diferença salarial de apenas 3% em média.”

Pois bem, vários parlamentares do PT, se revezaram nas tribunas para afirmar com todas as letras de que a terceirização e a reforma trabalhista, estavam rasgando a CLT e a própria Constituição, pois tiravam direitos sagrados dos trabalhadores. A deputada Maria do Rosário (PT-RS), chegou a afirmar nos debates da reforma trabalhista, que se a mesma fosse aprovada a mulher não iria receber mais o salário maternidade. Absurdos que ainda ecoam nas tribunas do Congresso, mais absurdo ainda é sempre levar ao Supremo Tribunal Federal os ressentimentos da “esquerda” derrotada democraticamente, no caso, através da interposição de ADIN’s a reiterar os mesmos falsos argumentos, a mesma estratégia se repete com os projetos de lei recém apresentados pelo senador Paulo Paim. Uma coisa temos de reconhecer; eles são incansáveis!

É neste contexto que se aplica o neologismo do “pós-verdade”, que o Oxford Dictionaries elegeu como a palavra do ano na língua inglesa, e assim o definiu: “aquilo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influencia em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Em outras palavras, trata-se de uma subversão do conceito basilar de Descartes: “Acredito, logo estou certo”.”

Por fim, a Justiça do Trabalho, devia se conscientizar urgentemente, antes que a proposta de sua extinção comece a ganhar corpo na sociedade, que a interpretação da dignidade da pessoa humana e a aplicação dos fundamentos da ordem econômica devem ocorrer de forma coordenada, harmônica, uma vez que não há superposição ou preeminência de um sobre o outro, conforme nos ensina Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

“A ideia extraída da Constituição é que os dois fundamentos atuam coordenadamente entre eles. Daí cada um se relativizar diante do outro, nenhum sendo absoluto. São ideias e compreensões que se interpenetram, axiologicamente entrelaçadas.

O próprio texto constitucional é suficientemente claro a respeito. O artigo 1º, inciso IV, indica, como um dos fundamentos da República, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Sem enfatizar este ou aquele, o entendimento que afasta qualquer exclusividade ou maior relevância de qualquer dos fundamentos, está em conformidade constitucional. Deve-se, por isso, interpretar estes dois fundamentos da forma como regrava a Constituição de 1946, no artigo 145: “conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”. A atuação dos dois espeques se dá por coordenação, harmonia, atendida a finalidade”.

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