Conflito de interesses

Suprema Corte dos EUA sob pressão para adotar código de ética

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3 de novembro de 2017, 10h12

A ladainha se repete com alguma frequência: todos os juízes do país estão sujeitos a um código de ética, menos os ministros da Suprema Corte dos EUA.

Isso gera situações de aparentes conflitos de interesse, mas os ministros não se declaram impedidos ou suspeitos. Por isso, vem aumentando a pressão sobre o Congresso para aprovar a “Lei da Ética da Suprema Corte” (Supreme Court Ethics Act), um projeto de lei apresentado em 2015, que requer que os ministros adotem um Código de Ética em 180 dias após a entrada em vigor da lei.

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O Código de Conduta dos Juízes dos Estados Unidos requer que os magistrados se declarem impedidos ou suspeitos, quando possíveis conflitos de interesse surgem. Isso pode acontecer, por exemplo, em casos em que o juiz, cônjuge ou filhos têm um interesse financeiro. Ou em casos em que o juiz pode estar sujeito a parcialidade ou preconceito pessoal contra uma parte no julgamento. Mas essas regras não se aplicam aos ministros da Suprema Corte.

Embora a pressão esteja rondando a instituição, o presidente da corte, ministro John Roberts, tem outras ideias. Ele disse, recentemente, que a Suprema Corte é o único tribunal do país criado pela Constituição (Artigo III), enquanto os tribunais inferiores foram criados pelo Congresso.

Para o ministro, é suficiente que os ministros consultem o código de conduta aplicável aos juízes, quando tiverem de determinar seus deveres éticos. E que eles podem, voluntariamente, agir de acordo com as regras, caso a caso.

As pressões sobre a Suprema Corte para adotar um código de ética e sobre o Congresso, para aprovar o projeto de lei, aumentaram recentemente, por causa de uma palestra que o ministro Neil Gorsuch, nomeado este ano pelo presidente Trump, fez em um evento no Trump International Hotel para milionários e bilionários.

Na manhã do dia do evento, a Suprema Corte anunciou que iria julgar o caso Janus v. AFSCME, para decidir se sindicatos do setor público (que representam, por exemplo, professores, enfermeiros, bombeiros e policiais) podem coletar contribuições dos associados que representam na fonte. O caso não foi decidido antes, quando a corte estava com apenas oito ministros, porque a votação terminaria empatada. Com a chegada de Gorsuch, ele dará o voto decisivo.

O ponto que criou controversa foi o fato de o evento no hotel de Trump ter sido patrocinado pela “Fund for American Studies” (Fundo para Estudos Americanos), uma organização que é financiada pela Fundação Charles Kock e pela Fundação Bradley. A Fundação Charles Koch se dedica a promover governo limitado, mercados livres e o enfraquecimento dos sindicatos.

A Fundação Bradley vem trabalhando há décadas para, em suas próprias palavras, “reduzir o tamanho e o poder dos sindicatos no setor público”. Na verdade, a Fundação Bradley vem ajudando a pagar as despesas do contencioso, em favor da parte que é contra os sindicatos. Assim, o ministro Gorsuch participou de um evento promovido por um grupo de bilionários, que representam o maior apoio a uma das partes em um caso que ele vai decidir.

Há outros exemplos. No caso ABC versus Aereo, a corte decidiu que a Aereo, uma pequena empresa de streaming de programas televisivos, violou os direitos autorais das emissoras de televisão, ao capturar seus sinais e retransmitir a programação para seus assinantes.

A decisão pode ter sido correta, mas um detalhe, nem tanto. O presidente da Corte John Roberts detém US$ 500 mil em ações da Time Warner, uma das organizações que seriam afetadas pela decisão e que apresentou um amicus curiae a favor das emissoras de televisão. Roberts não se declarou suspeito. Ao contrário, juntou-se ao voto da maioria que “matou” a Aereo – e o problema das emissoras de TV.

O projeto de lei foi apresentado por oito senadores e 25 deputados. Na justificativa, eles dizem que os ministros têm permitido que seus nomes sejam usados para promover levantamento de fundos políticos, participaram de seminários promovidos por doadores políticos influentes, deixaram de relatar receitas de suas famílias vindas de grupos políticos e deixaram de se declarar impedidos ou suspeitos no julgamento de casos em que têm conflitos de interesse.

Até hoje, mais de 130 mil americanos assinaram uma petição ao presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, pedindo a adoção de um código de ética para a corte.

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