Opinião

Cortes de contas e MP pagam salários maiores do que a ministra Luislinda pediu

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

3 de novembro de 2017, 11h25

Chamou a atenção no noticiário nacional a polêmica manifestação da Ministra de Estado dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, seguida de um pedido administrativo formal (já retirado), em que requeria o pagamento de seu subsídio para além do que prevê o teto constitucional. Contextualizando, a ministra de Estado é aposentada no cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia e, como tal, já recebe um valor mensal que, se cumulado ao que se paga a um ministro de Estado, ultrapassa o teto constitucional.

A Constituição Federal, em seu artigo 37, XI, prevê o referido teto, segundo o qual “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”. O texto é longo, mas necessário à compreensão do leitor. Atualmente, o teto encontra-se fixado no patamar de R$ 33,7 mil.

Mas bem, a despeito dos mais variados questionamentos que esse polêmico tema traz à tona, o posicionamento da ministra dos Direitos Humanos causou uma surpresa desproporcional. O leitor pode até imaginar que este autor está de deboche; mas não. É curiosa a dimensão do sobressalto encontrado no público em geral, sobretudo no meio jornalístico.

Talvez, e aqui já se antecipam um pouco as conclusões, a admiração resida apenas na exorbitância e imoderação encontradas nas razões do pedido. É que ela relevou o requerimento face “à necessidade de se vestir adequadamente ao que o cargo requer”, “de gastar com maquiagem e cabelo”, dentre outras espúrias e despóticas justificativas. Mas o estopim desse fatídico episódio residiu na comparação ao trabalho escravo. Tirante estes injustificados argumentos, o “causo” não deveria gerar maior reboliço ou um inédito e incomum espanto, e por quê?

Várias são as justificativas, mas aqui nem se deve apegar a todas elas. A primeira – e talvez mais importante – é a de que boa parte de todo o Judiciário do país, especialmente os membros da Justiça dos estados, recebe acima do teto constitucional. O mesmo se dá com os membros do Ministério Público e dos tribunais de contas. É fácil verificar que alguns tribunais de contas do país pagam, a seus conselheiros e procuradores de contas, mais que os R$ 61,4 mil outrora pleiteados pela ministra. Isso é notório — basta um clique nos portais da transparência.

Essas verbas, contudo, aparecem rotuladas sob as mais diferentes rubricas, em pagamentos realizados à sorrelfa. Trata-se de auxílio-moradia, função gratificada, auxílio-saúde, verbas indenizatórias indiscriminadas, auxílio para aquisição de obras técnicas, dentre vários outros penduricalhos.

E aqui uma indagação: nunca ninguém desconfiou ou soube desses valores? É a primeira vez que se ouve falar de pagamento de servidores que ultrapassam o teto constitucional? O próprio Supremo Tribunal Federal, em abril desse ano, decidiu que servidor público que acumula cargos legalmente pode receber mais que o teto. O julgamento, que ocorreu após análise de dois Recursos Extraordinários (REs 602.043 e 612.975), ambos do estado do Mato Grosso, foi tomado por maioria de dez votos favoráveis e apenas um voto contrário. Destaque-se que, em um dos argumentos trazidos, o ministro Luís Roberto Barroso entendeu que é ilegal o servidor trabalhar e não receber integralmente seu salário, nos casos em que a acumulação dos cargos é autorizada.

Portanto, para mais dos risíveis argumentos trazidos pela ministra de Estado dos Direitos Humanos, o episódio não deveria provocar tanta admiração, pois não há qualquer ineditismo nesse desditoso fato. Surpresa maior ocorre quando esses infortúnios se processam nos órgãos de controle, como o Ministério Público e os tribunais de contas, em especial. Aí sim, a inquietação deveria ser mais efervescente — casa de ferreiro, espeto de pau!

Que esse lamentável acontecimento sirva para que se repense as manobras que são diariamente “embocadas” nas mais variadas disposições normativas, protegendo uma camada isolada de servidores, que, no mais das vezes, deveria justamente zelar para que isso não ocorresse. Não sendo assim, para cada (falso) espanto, uma nova lamentação.

*Texto alterado ás 15h21 do dia 3 de novembro de 2017 para correção.

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