Reflexões Trabalhistas

Equiparação salarial deve ser analisada conforme isonomia da Constituição

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

31 de março de 2017, 11h16

Spacca
Não raro acontece de os juízes do trabalho negarem pedidos de equiparação salarial sob o fundamento de que o paradigma exercia a função comparada há mais de dois anos de quando o reclamante passou a desempenhá-la. Isso, com base no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, cujo § 1º explicita o que vem a ser trabalho de igual valor, e o § 2º, por sua vez, contempla fatos impeditivos ao reconhecimento da equiparação salarial, entre eles, que não haja diferença superior a dois anos no exercício da função.

Todavia, essa questão deve ser examinada levando-se em conta não somente as disposições legais da CLT, mas, igualmente, o preceito constitucional que não existia quando feita a CLT, sobre o princípio da isonomia salarial.

Na forma do que dispõe o caput do artigo 461 da CLT, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor corresponderá igual salário. Esse é um mandamento que ressoa o princípio maior constitucional da isonomia, consagrado no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, da “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

Há casos em que a empresa reclamada não nega o trabalho de igual valor entre reclamante e paradigma indicado, não nega igual produtividade e mesma perfeição técnica, mas apenas sustenta que há uma diferença de tempo de serviço superior a dois (dois) anos entre ambos, que surgiu lá no início da relação de trabalho.

Com efeito e como me parece, a exigência da lei ordinária sobre a diferença de dois anos na função entre reclamante e paradigma deve ser examinada à luz do que dispõe o preceito constitucional do inciso XXX do artigo 7º da Constituição Federal, que consagra a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

A lógica constitucional para assegurar a isonomia salarial é que haja trabalho de igual valor entre reclamante e paradigma, com igual produtividade e mesma perfeição técnica, sem estabelecer como requisito proibitivo do preceito maior qualquer diferença de tempo de serviço.

Assim, de conformidade com o princípio da razoabilidade e numa interpretação da CLT conforme o preceito maior constitucional parece compreensível aceitar a diferença de tempo de serviço de dois anos entre paradigma e reclamante apenas nos dois primeiros anos de trabalho conjunto entre ambos e não de forma ad eternum. A diferença dos dois primeiros anos somente se justifica para uma maior experiência do paradigma em relação ao reclamante num primeiro momento, nos primeiros dois anos trabalhando na mesma função. Depois desse prazo é perfeitamente compreensível que reclamante e paradigma tenham se equiparado nos demais requisitos que compõem o chamado trabalhado de igual valor, até porque ninguém vai ficar a vida inteira em experiência e, se depois de atingida esta, reclamante e paradigma continuarem a trabalhar juntos, com a mesma produtividade e qualidade, não há mais justificativa para não receberem o mesmo salário, especialmente quando a reclamada não nega o trabalho de igual valor entre reclamante e paradigma, com igual produtividade e mesma perfeição técnica.

Imaginemos a situação de dois trabalhadores que no início da contratação tinham uma diferença de 2 anos e 2 meses na mesma função, mas já passaram dos dez anos de trabalho na mesma empresa e um deles, porque tem dois anos a menos, embora executando trabalho de igual valor, continuará recebendo salário menor infinitamente!

Não, essa situação não encontra guarida diante do preceito da isonomia salarial assegurada na Constituição Federal, pena de se admitir discriminação odiosa, repita-se, não permitida pela norma constitucional. Mutatis mutandis, seria o mesmo que condenar alguém a uma pena de prisão perpétua. A nossa Lei Maior não contempla tal interpretação.

Assim, para evitar injustiças, o melhor caminho, como me parece, é fazer uma interpretação dos requisitos do artigo 461 da CLT sobre o instituto da equiparação salarial conforme o mandamento supremo da Constituição Federal, que assegura a isonomia salarial como direito fundamental do trabalhador brasileiro.

Desse modo, devem os aplicadores da CLT enfrentar a questão da equiparação salarial à luz do inciso XXX do artigo 7° da Constituição Federal, declarando-se, na forma do artigo 97 da Carta Maior, a inaplicabilidade da parte final do § 1º do artigo 461 da CLT no tocante à diferença de dois anos entre paradigma e reclamante depois de ultrapassado o lapso dos dois primeiros anos de trabalho entre eles, considerado como de experiência.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

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