Portarias secretas

CNJ valida "teste de reciclagem" para reintegrar juízes que foram afastados

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31 de março de 2017, 7h35

Antes de ser reintegrado, um juiz que foi afastado de suas funções pode ser submetido a uma espécie de "teste de reciclagem". Para o Conselho Nacional de Justiça, os testes que têm sido aplicados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a magistrados que foram colocados em disponibilidade são válidos.

O processo é composto pelas seguintes fases: sindicância da vida pregressa e investigação social; reavaliação da capacidade física, mental e psicológica; e reavaliação da capacidade técnica e jurídica.

O TJ-SP edita uma portaria específica para cada caso de reaproveitamento de magistrado. Até o momento, foram baixadas cinco portarias. No entanto, nenhuma foi publicada no Diário de Justiça Eletrônico. Segundo o tribunal, por se tratar de um rito novo e em construção, "ainda está em definição o momento da publicação".

Tentando anular essas portarias secretas, dois magistrados afastados há mais de 20 anos da judicatura recorreram ao Conselho Nacional de Justiça, que, em liminares, considerou válido o procedimento do TJ-SP.

Disponibilidade desde 1991
Um dos casos envolve o juiz Marcello Holland Neto, que está em disponibilidade desde 1991, após ter sido acusado de ganhar um relógio e favorecer dois candidatos quando era juiz eleitoral em Guarulhos, o que ele nega.

Com o entendimento de que o tribunal não pode punir juiz com afastamento "perpétuo", o CNJ determinou, em julho de 2016, que o TJ-SP reintegrasse o magistrado. Ao cumprir essa determinação, a corte paulista publicou a Portaria 9.341/2016 estabelecendo que, para ser reintegrado, o juiz deveria ser aprovado no procedimento que avalia sua capacidade técnica e jurídica, bem como condições de saúde.

Novamente, o juiz buscou o CNJ pedindo a nulidade da portaria. A conselheira relatora do procedimento, Daldice Santana, concedeu liminar suspendendo uma das etapas do processo de reintegração — a reavaliação da capacidade técnica e jurídica.

Na sequência, o Plenário do CNJ derrubou a decisão da conselheira. Prevaleceu o voto do conselheiro Bruno Ronchetti, que considerou não haver ilegalidade na portaria do TJ-SP, uma vez que falta regulamentação nacional para o processo de reaproveitamento de magistrado colocado em disponibilidade.

Além disso, considerou que o tribunal jamais havia sido obrigado a reintegrar um juiz afastado há tanto tempo. Por meio da reavaliação da capacidade técnica e jurídica, afirmou o conselheiro, o TJ poderia saber se o magistrado afastado se mantivera atualizado com as mudanças ocorridas na legislação e na jurisprudência desde 1991, ano em que foi posto em disponibilidade.

"De fato, afigura-se temerário o retorno do requerente à atividade judicante sem que seja previamente comprovada sua capacidade técnica e jurídica atual, sob pena de grave comprometimento do interesse público, representado na prestação jurisdicional efetiva, eficiente e de qualidade, com vistas a proteção dos direitos fundamentais do cidadão", registrou o conselheiro em seu voto.

Ao seguir o voto divergente, a presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia afirmou: “Nós temos juízes de excelência e ótimas escolas. E temos ótimas possibilidades, portanto, de fazer com que retorne com a segurança que o cidadão tem de ter”.

Assim, por maioria, o CNJ determinou a continuidade do processo de reaproveitamento do juiz. 

Em disponibilidade desde 1995
O outro caso envolve o juiz Marcus Antônio Silva Barbosa, afastado em 1995 após ser acusado por dois magistrados de oferecer recompensa em troca de uma decisão, "comportamento homossexual" e favorecimento à prefeitura de Guarulhos em um processo de desapropriação.

O juiz narra que por mais de uma vez solicitou ao tribunal o seu aproveitamento, mas que os pedidos foram negados, sob argumento de que os fatos imputados eram graves e que não havia conveniência de seu retorno à atividade judicante.

Diante das negativas, o juiz pediu ao CNJ o seu retorno, tendo o conselheiro Emmanoel Campelo julgou procedente o pedido, determinando o reaproveitamento do magistrado. O TJ-SP recorreu da decisão, mas o julgamento do recurso foi suspenso após pedido de vista do conselheiro Gustavo Tadeu Alkmim.

Seguindo a determinação do Emmanoel Campelo, enquanto o CNJ não analisa o recurso, a corte paulista publicou a Portaria 9.343/16, que estabelece o procedimento para o reaproveitamento do juiz. As regras, contudo, deixaram o magistrado insatisfeito. Em nova ação no CNJ, ele alegou que o TJ-SP tem tentado impor novo concurso de provas e títulos, o que contraria a Constituição. De acordo com o juiz, o concurso público de provas e títulos só exigido no ingresso da carreira.

Para o magistrado, a decisão do CNJ que determinou seu reingresso estabeleceu que a corte paulista deveria apenas indicar as etapas de reingresso como cursos de atualização, acompanhamento médico ou psicológico. Mas não organizar uma nova prova para aferir sua capacidade técnica e jurídica.

Em manifestação, o TJ-SP alegou que o Conselho Nacional de Justiça já se manifestou pela legalidade do procedimento. De acordo com o tribunal, o CNJ ressaltou que o procedimento administrativo não configura novo concurso, cabendo ao magistrado que sofreu a sanção submeter-se a reavaliação de sua capacidade técnica e jurídica.

Ao analisar o pedido de liminar para suspender a portaria questionada, o conselheiro Henrique Ávila entendeu que não foram preenchidos os requisitos necessários para a concessão da medida urgente. Ao acolher os argumentos do TJ-SP, o conselheiro ressaltou a carência legislativa sobre o tema, devendo os próprios tribunais definirem as regras.

Para Henrique Ávila, considerando o tempo que o magistrado ficou afastado, é razoável a avaliação exigida pelo TJ-SP. "Não se pode fazer abstração de que, neste momento, independentemente das razões que levaram o tribunal requerido a afastar o magistrado por tão longo tempo, o procedimento de reavaliação das suas condições, tanto técnicas quanto psicológicas, é medida que atende ao interesse público, uma vez que muito importa ao jurisdicionado e à sociedade de maneira geral a certificação da aptidão da pessoa que se propõe a voltar após esse período a desempenhar as graves e sensíveis atribuições de um Juiz de Direito", registrou o conselheiro, negando o pedido de liminar.

Procedimento novo
Questionado sobre essas portarias, o Tribunal de Justiça de São Paulo explicou que passou a adotar o procedimento nos pedidos de reaproveitamento protocolados a partir de 2016, seguindo diretrizes do CNJ em relação à necessidade de assegurar para a sociedade que o magistrado esteja em condições de entregar prestação jurisdicional de qualidade.

Segundo a corte, no procedimento para reaproveitamento, o magistrado será reavaliado para aferição da permanência das condições de saúde que legitimaram seu ingresso na magistratura e, em especial, se está atualizado nas questões técnicas que o exercício da profissão exige.

Clique aqui e aqui para ler as decisões.
PCA 0005442-15.2016.2.00.0000 (Marcello Holland Neto)
PCA 0002143-93.2017.2.00.0000 (Marcus Antônio Silva Barbosa)

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