Desvio de verbas

Caso complexo justifica prazo alongado para sequestro de bens, diz TRF-3

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28 de março de 2017, 17h18

Em dois casos semelhantes julgados na tarde desta segunda-feira (27/3), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que, como não há prazo específico que delimite a duração do sequestro de bens de um ou mais investigados, à investigação deve ser dado prazo dilatado especialmente quando for complexa.

As duas decisões foram proferidas pela 5ª Turma da corte, em mandados de segurança impetrados por indiciados na operação lama asfáltica, que investiga corrupção e desvio de verbas públicas em pavimentação de estradas em Mato Grosso do Sul.

Os investigados queriam ver anuladas as decisões de bloqueio de bens proferidas pelo juízo da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, onde corre a operação.

Representante de João Alberto Amorin, Elza Araújo dos Santos Amaral e empresas investigadas no esquema, Alberto Zacharias Toron impetrou a segurança objetivando levantar o bloqueio de sequestro. O advogado alegou excesso de prazo da constrição e o fato de ela recair sobre todos os bens de seus clientes.

“Desde 2013, arrastam-se investigações que buscam apurar peculato, corrupção, fraude a licitação e lavagem de dinheiro. Estamos com um decreto de constrição dos bens que já perdura por 11 meses sem que até agora tenha irrompido uma denúncia pela prática destes crimes antecedentes. Ofereceu-se uma única denúncia por lavagem por conta de duas fazendas.”

Ele sustentou que o prazo que o Decreto-Lei 3.240/41 estipulava era de 90 dias para denúncia, que o CPP estipula o prazo de 60 dias, e que a própria Lei de Lavagem de Capitais estipula o prazo de 120 dias. “Não é justo que se pretenda que não haja prazo nenhum. A boa doutrina diz que, revogada a disposição especial, aplica-se a regra geral do CPP com o prazo de 60 dias. Tem-se evocado o prazo da razoabilidade às avessas para se dizer que a complexidade da causa autoriza a extrapolação desse prazo. Mas aqui não há a exigência de cooperação internacional. Essa complexidade deveria estar devidamente demonstrada pela autoridade coautora. Não é, conforme a Constituição, que uma medida de caráter constritivo possa perdurar sem tempo algum, a pretexto de uma invocação genérica”, disse.

Ele também argumentou que, se o sequestro foi decretado especificamente para garantir R$ 43 milhões, não pode a constrição dos bens ultrapassar o fundamento que lhe dá razão. “Esse excesso viola de forma manifesta o princípio da proporcionalidade”, disse, citando julgados de outros tribunais.

Para o representante do Ministério Público Federal, procurador regional da República André de Carvalho Ramos, não há excesso, pois as medidas cautelares visam atender situação na qual existe a possibilidade de risco ao resultado útil do processo principal. “Não houve um esquecimento por parte do legislador; há, sim, o chamado silêncio eloquente. Foi retirado propositalmente o prazo de 120 dias, outrora existente, pois era rarefeito”, afirmou. Ramos disse que, “nesse momento, uma operação dessa complexidade com parte dos bens já levantados não se trata somente do direito de propriedade, mas também dos direitos difusos que merecem a proteção por parte do colegiado”.

Relator dos casos, o desembargador federal Paulo Fontes concordou com o Ministério Público, mas reconheceu a demora. “Há uma certa morosidade das investigações. Mas ainda nesse momento vou votar pela denegação da segurança, mas explicitando minha preocupação com a tramitação do caso. Não é crível que a legislação especial de lavagem de dinheiro silenciasse inadvertidamente sobre o prazo das medidas constritivas fazendo incidir a norma geral do CPP. A supressão do prazo parece medida desejada pelo legislador tendo em vista a complexidade muitas vezes subjacentes às investigações em processo de lavagem de dinheiro. A duração da medida deve ser analisada caso a caso por critérios de razoabilidade.”

Mauricio Kato foi o segundo votante e decidiu pela concessão parcial do pedido. “Não me preocupa aqui o excesso de prazo considerando as circunstâncias da operação, que é grande e envolve diversos investigados. Me parece que essa constrição deveria recair em bens especificados na própria decisão, não todos os bens de todos os acusados. Talvez pudéssemos conceder parcialmente a ordem para que o juízo limitasse esse sequestro ao valor indicado pelo MP no seu pedido inicial. A constrição poderia se limitar sobre o valor dos R$ 43 milhões”, sugeriu o desembargador.

Terceiro votante, André Nekatschalow acompanhou integralmente o relator e disse que seria prematuro desfazer uma decisão do juiz de piso. “No âmbito do MS, concedermos uma ordem para que o juiz reavalie uma questão que se estabelece no segundo grau destoa da ideia de coibir uma ilegalidade flagrante. Prefiro dar um voto de confiança ao juiz de primeiro grau. Na hipótese, não se verifica uma ilegalidade flagrante.”

Tese distinta
Representando o investigado Andre Luiz Cance, o advogado Gustavo Badaró sustentou a ausência de requisitos legais para a decretação do sequestro. Ele disse que o MPF não era legítimo para requerer a medida e que há expressa vedação na CF/88, no artigo 129, inciso  XIX, para que o MP represente entes de direito público. Afirmou que no artigo 131 compete à AGU representar a União.

“Estamos diante da seguinte situação. Quem postulou essa medida cautelar para reparar o dano causado à União não foi a AGU, mas o Ministério Público da União, que não tem entre as suas atribuições representar em juízo entes públicos, e não estamos a tratar de direitos difusos, coletivos, transindividuais. Falta também, no caso concreto, o requisito específico do fumus comissi delicti.”

O relator, Paulo Fontes, novamente discordou e disse que o MP é legítimo para defender o erário. Ele relembrou que, quando da entrada em vigor da lei de improbidade, em 1992, levantou-se essa questão, e o STF decidiu que o erário público é interesse da coletividade. “Se na esfera cível cabe ao MP essa tutela, na esfera penal, na qual ele é o único legitimado, cabe evidentemente também a atuação do MP para tutelar o erário publico”, disse Fontes.

“Há indícios suficientes do envolvimento do impetrante nos crimes em comento, quando também secretário-adjunto da Fazenda do MS e, por tais razões, não vislumbro ainda o excesso de prazo e, por isso, denego a segurança.” Fontes ainda completou seu voto afirmando que “o crime de lavagem não é crime contra o erário; é contra a proteção do Sistema Financeiro Nacional. Ainda por essa razão seria factível a atuação do MP”.

André Nekatschalow seguiu o relator e comentou: “Questionar a legitimidade do MP nessa esfera é dificultoso. A função do MP é coibir que a atividade criminosa seja proveitosa. É razoável que o MP tenha meios para exercer a sua função. Do ponto de vista prático, temos que ter uma certa razoabilidade das questões fundamentais, e não formais. O juiz criminal tem que ter uma sensibilidade prática. A propriedade está lá. Não vai poder vender, mas está lá. Me parece razoável”, disse. O resultado do julgamento também foi por maioria.

MS 0020063-65.2016.4.03.0000

MS 0012156-39.2016.4.03.0000

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