Expediente necessário

Magistratura rebate OAB-SP e diz que juiz não é o problema do Judiciário

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27 de março de 2017, 21h01

Gerou controvérsia no meio jurídico a análise do presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcos da Costa, sobre os entraves do Judiciário: em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, publicada neste domingo (26/3), ele declarou que, se os juízes “permanecessem nos fóruns, os desembargadores permanecessem nos tribunais e tivesse[m], evidentemente, a estrutura necessária, o investimento adequado, certamente nós teríamos uma Justiça mais célere”.

OAB/SP
Marcos da Costa, da OAB-SP, afirmou
que “cada vez se vê menos” juízes e desembargadores no local de trabalho.
Divulgação/OAB-SP

Marcos da Costa afirmou que “cada vez se vê menos” integrantes da magistratura no local de trabalho, sem citar nomes ou um tribunal específico. Representantes de entidades de classe e da advocacia manifestaram-se sobre as opiniões do entrevistado, a pedido da ConJur.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Jayme de Oliveira, reconhece que os profissionais da carreira devem atuar presencialmente na maioria das vezes, para comandar audiências, sessões, inspeções e participar da gestão de processos e pessoas, mas afirma que responsabilizá-los por problemas do Judiciário consiste em “crítica genérica, vaga (…), ofensiva à magistratura brasileira e apta a desinformar a população acerca do trabalho realizado por mais de 17 mil juízes e juízas em todo o território nacional”.

Ele diz que os tribunais do país diariamente se preocupam em cumprir metas de produtividade do Conselho Nacional de Justiça e, segundo relatório do próprio órgão, juízes brasileiros produzem, em média, 1.616 sentenças por ano, contra a média de 959 dos juízes italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses.

Ainda segundo Oliveira, “negar que o sistema processual brasileiro seja responsável por parte considerável dessa questão é fugir de responsabilidade que importa a todos assumir, para que o problema seja efetivamente enfrentado”.

Na visão do juiz Germano Siqueira, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o problema real “é bem outro e passa muitas vezes pela utilização do Poder Judiciário pelo poder econômico e pelo próprio poder público para descumprir ou postergar o cumprimento da ordem jurídica”: com litígios no Brasil elevados a “padrões inimagináveis” e “lei processual ainda anacrônica”, diz Siqueira, os juízes brasileiros nem sempre conseguem dar respostas ágeis.

“A fala de quem não conhece a dinâmica das atividades jurisdicionais (…) é sempre reducionista e preconceituosa”, declara o presidente da Anamatra. “É verdade que falta muito investimento em infraestrutura (…), mas nem por esse motivo os magistrados têm deixado de honrar, no limite de suas forças, o compromisso com a prestação jurisdicional, seja nos fóruns, em suas casas (o que hoje é plenamente possível por meio do processo eletrônico), muitas vezes extrapolando horários aceitáveis dedicação ao trabalho, com sacrifício do convívio familiar.”

O presidente da Associação Paulista de Magistrados, Oscild de Lima Junior, considerou um “equívoco grave (…) imaginar que o trabalho do juiz e desembargador se resume à jornada em que eles estão em seus gabinetes”. Em nota, declarou que a grande maioria dos juízes continua com suas atividades mesmo quando está fora do fórum, o que inclui estudos e “a análise minuciosa das provas apresentadas e as respectivas teses das partes envolvidas”.

De acordo com o representante da Apamagis, presumir que a mera presença física demonstra disposição do magistrado demonstra erro de avaliação sobre a atuação de juízes e desembargadores, “sobretudo os paulistas, que batem recordes sucessivos de produtividade”. Ele analisa ainda que o novo Código de Processo Civil, citado na entrevista “como vitória importante da advocacia, em nada contribuiu para a celeridade, ao contrário, trouxe reconhecida morosidade ao trâmite processual”.

Lívio Enescu, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, concorda com Marcos da Costa. Ele diz que a presença da magistratura em seus locais de trabalho ultrapassa a questão processual, tornado-se referência frente à população e a outros julgadores, com “caráter pedagógico”. “O juiz e o desembargador são a face humana da Justiça junto aos servidores. À medida que, infelizmente, eles não estão presentes, perdemos essa situação.”

O presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, entende que os problemas do Judiciário são mais complexos, incluindo falta de gestão. “Afirmar de forma genérica que não existe eficiência ou empenho da magistratura não me parece correto”, diz, ponderando que há relatos de casos que se encaixam no que declarou Marcos da Costa.

Segundo José Horácio Halfeld, a manifestação do presidente da OAB-SP representa uma insatisfação que existe pela falta da duração razoável do processo. Mas essa “grande sensação de morosidade e ineficiência não pode ser devidamente equacionada sem a demonstração de números”, diz. Ele também elogiou exemplos de boa gestão na Justiça, como a aprovação de varas empresariais na capital paulista.

O advogado José Roberto Neves Amorim, desembargador aposentado do TJ-SP, também considera que não fazem sentido as declarações sobre ausência de magistrados. “O fato de um juiz ou desembargador não estar no fórum ou gabinete não significa folga em casa. O processo eletrônico facilita muito o trabalho a distância, e o próprio Conselho Nacional de Justiça controla a produtividade do Judiciário em todo o país. Pelo número de sentenças e votos, é possível verificar o comportamento da magistratura”, afirma.

Conciliação
Neves Amorim, que coordenou o núcleo de métodos consensuais de solução de conflitos do tribunal, também discorda das críticas à implantação dos chamados Cejuscs. Na entrevista à ConJur, Marcos da Costa definiu como “um absurdo” que esses centros de resolução de conflitos dispensem a presença de advogados, pois isso seria sinônimo de prejuízo ao cidadão.

Para Amorim, no entanto, a conciliação e a mediação não tiram trabalho da advocacia, e sim criam um novo mercado para a classe. Embora as partes possam ser ouvidas nos Cejuscs por conta própria, o desembargador aposentado diz que dispensar advogados em demandas simples segue a lei dos juizados especiais, para casos de até 20 salários mínimos.

Juiz “TQQ”
O corregedor-geral da Justiça de São Paulo, Manoel Pereira Calças, já fez declarações públicas sobre a fiscalização de juízes conhecidos como “TQQ”, por só aparecerem em fóruns às terças, quartas e quintas-feiras. À equipe do Anuário da Justiça São Paulo, porém, ele afirmou no ano passado que a Corregedoria tem monitorado casos pontuais e consegue, pelo sistema e-SAJ do TJ-SP, verificar cada momento em que juízes chegam ao trabalho e começam a despachar.

O presidente da corte, Paulo Dimas Mascaretti, também disse em entrevista ao Anuário que a presença de um juiz no fórum, diariamente, é “insubstituível”, mesmo com os avanços do processo eletrônico. “Quem chega no fórum tem que saber que lá tem um juiz, uma autoridade, acompanhando o trabalho forense.” 

* Texto atualizado às 14h30 do dia 28/3/2017 para acréscimo de informações.

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