Consultor Jurídico

Estamos abrindo a caixa de pandora para reduzir garantias essenciais

27 de março de 2017, 16h37

Por Leonardo Corrêa

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Do “opinódromo” das redes sociais aos noticiários de alguns meios de comunicação, sensacionalistas, vemos uma crítica equânime e ferrenha aos advogados criminalistas. É como se eles fossem "o inimigo", uma vez que estão atuando na defesa dos direitos de pessoas investigadas ou processadas no âmbito de operações como a festejada "lava jato". Ou seja, o patrocínio da defesa de um cidadão — execrado publicamente na mídia —, por si só, seria o fundamento para a ojeriza de profissionais, que, na realidade, são instrumentos da preservação de fundamentos básicos de proteção das pessoas contra a força do Estado.

Essa postura, com o devido respeito, é casuística, repleta de emoções, e, por óbvio, absolutamente equivocada. Advogados criminalistas, para os que não sabem, lutaram arduamente na ditadura militar, em defesa de direitos mínimos para os cidadãos. É sempre bom lembrar isso, para que o debate não se torne meramente um palanque no qual se externam revoltas contra a situação calamitosa promovida pelo Estado brasileiro, muitas vezes, inclusive, em conluio ignóbil com pessoas (físicas ou jurídicas) cúpidas. Mas, mesmo elas, têm direito sacrossanto às garantias processuais e constitucionais, sob pena de cairmos em mais um Estado Totalitário.

Na realidade, por mais difícil que possa parecer, criminalistas continuam lutando pela manutenção dos direitos para, de certo modo, tentar barrar e nos proteger  da fúria estatal em seu caminho totalitário. Eles lutam, com o calor da pena e uma intensidade quase alucinante, de modo que os direitos constitucionais de seus representados sejam — pelo menos — respeitados. É difícil vislumbrar isso, no cenário catastrófico brasileiro. Mas, apenas a título de exemplo, vale mencionar a situação da operação carne fraca, que, como se pôde observar nas últimas semanas, aparentemente — com a ressalva do desconhecimento quanto a todos os elementos da operação —, não separou o “joio do trigo”, provocando consequências perversas que alcançam todos os cidadãos, diante, por exemplo, do reflexo imediato na economia e na balança comercial.

Todos têm direito à ampla defesa e ao devido processo legal, bem como ninguém é considerado culpado sem o trânsito em julgado (o final do processo, quando não há mais possibilidade de recurso). No entanto, em um ambiente de sectarismo profundo, a população em geral — talvez sugestionada ou dominada pelo ódio, diante de atos nefastos, e, sem dúvida, revoltantes — deixou de lado a defesa das garantias constitucionais e processuais em troca de uma "justiça", que, com a devida vênia, está mais para atos de "justiceiros".

Nada disso é novo. Em nome de ideários abstratos de “Justiça”, tudo o que é garantia para o réu se torna um mero "empecilho". Há uma irresistível tentação ao espetaculoso “corte de cabeças” pela guilhotina em praça pública, à lá Robespierre. A corrupção escancarada, por equívoco compreensível — diante do clamor popular e midiático —, está insuflando um sentimento em prol de um Estado policialesco, desrespeitador da Constituição Federal e das garantias mínimas processuais. Reflexo de nossa tendência populista, calcada na visão do "pai de todos", "herói", ou, repita-se, "justiceiro". O remédio exaltado, contudo, é um mero paliativo. Se se pretende reduzir a corrupção, o caminho mais efetivo está na diminuição do Estado, agigantado, que expande as possibilidades de comportamentos contrários à lei e ao Direito.

O alvo primordial, meus caros, é o Estado exacerbado. Nesse sentido, veja-se a conclusão de Rubem Novaes, em belíssimo artigo, no qual são citados dois gênios que foram laureados com o Nobel de Economia, Milton Friedman e Gary Becker: “Estejamos certos de que a corrupção, não obstante o valor dos princípios morais, é função precípua do tamanho e da organização do Estado. Para que a combatamos com êxito temos de ir a suas raízes profundas: o monstro estatal obeso e burocratizado.” (O Estado de S. Paulo em 9/7/5)

Pois bem. Essa idolatria estatal para solucionar problemas relacionados ao próprio Estado é nociva para a sociedade. Quem garante que, em qualquer processo — movido contra qualquer cidadão —, depois desse alvoroço todo, o Estado respeitará as garantias constitucionais? O problema, desta feita, não são as garantias mínimas do Estado Democrático de Direito, mas, sim, um Estado enorme que mete o bedelho em tudo, menos em suas funções essenciais, principalmente: saúde digna e educação de base, segurança, preservação da moeda, dos contratos, da liberdade e da propriedade privada.

Na realidade, estamos abrindo a caixa de pandora para a redução de garantias essenciais – ínsitas ao Direito à Liberdade — em um Estado Democrático de Direito. Os criminalistas, portanto, estão exercendo o seu mister, e, de alguma forma, lutando para preservar — para seus representados e para todos nós — o respeito ao Devido Processo Legal, ao Contraditório e à Ampla Defesa. Pensem nisso, na próxima vez que forem criticar os advogados. Eles são vítimas, atualmente, de uma perversa perseguição indevida, com foco enviesado, sem a percepção da causa real de todo o problema brasileiro: qual seja, o tamanho exacerbado do Estado. Para terminar, antes de qualquer crítica pessoal, aviso aos navegantes que o subscritor deste artigo não é — e nunca foi — um criminalista.