A arte da negociação

Empresário bem-sucedido, presidente Donald Trump tenta decifrar a política

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27 de março de 2017, 7h15

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Durante a campanha eleitoral, o então candidato Donald Trump declarou, inúmeras vezes, que seria um grande presidente por seu sucesso como empresário e por ser um expert na arte da negociação – aliás, ele é autor de um livro, cujo título diz exatamente isso: The Art of the Deal. Na sexta-feira (24/3), porém, ele sofreu uma derrota humilhante no Legislativo, ao não conseguir passar seu primeiro projeto de lei. Antes disso, sofreu duas derrotas no Judiciário, que bloqueou os decretos que visavam impedir a entrada de cidadãos de vários países muçulmanos no país.

Nos dois casos, Trump se empenhava em cumprir duas de suas promessas de campanha mais retumbantes: a de barrar a entrada de muçulmanos em nome da segurança nacional e a de acabar com o Obamacare, o seguro-saúde dos pobres, que os republicanos conservadores juraram extinguir assim que assumissem o poder, um dia.

Mesmo com essa gana dos republicanos para revogar a Lei do Seguro-Saúde Acessível (ACA – Affordable Care Act), conhecida como Obamacare, e para substitui-la por uma lei, já apelidada de Trumpcare, que agradasse a base republicana, as lideranças do partido governista retiraram o projeto da pauta de votação a 45 minutos de seu início, porque faltava, para aprova-lo, cerca de duas dúzias de votos do próprio Partido Republicano – sem falar de alguns votos democratas que seriam necessários.

A promessa de campanha, que ganhou seu próprio slogan, o “repeal and replace Obamacare” (revogar e substituir o Obamacare), não se cumpriu – pelo menos por enquanto. Poderá se cumprir no futuro, mas, antes disso, Trump, o mestre das negociações de transações imobiliárias que resultam na colocação de seu nome em arranha-céus, terá de aprender a negociar com políticos – incluindo de seu próprio partido.

Para dar um desconto para Trump, a história registra que o ex-presidente Obama também falhou em uma de suas principais promessas de campanha, a de acabar com a prisão de Guantánamo Bay, em Cuba, que mantinha prisioneiros sem acusação e sem julgamento por tempo indeterminado. Parlamentares do próprio partido de Obama, o Democrata, não comparam a ideia – muito menos os republicanos.

Mas Obama conseguiu aprovar o Obamacare, apesar de os republicanos serem, em princípio, contrários a essa lei. Obama negociou dentro da definição que a política é a arte do possível. Conseguiu aprovar uma lei, que era bem mais fraca do que queria em termos de benefícios sociais, mas que era palatável para os republicanos moderados.

O problema do Partido Republicano, atualmente, é o de que sua configuração ideológica não é uniforme. Em um de seus extremos, o partido tem um grupo chamado “direita dura”, que é o “Freedom Caucus” (bancada da liberdade). No outro extremo, tem um grupo chamado de “moderado”, que é o “Tuesday Group” (grupo da terça-feira), que tem um certo grau de consciência social. Entre esses dois extremos, o partido é mais consistente, embora tenha grupos como o “Tea Party Patriots” e o “Prosperity and Club for Growth”, que têm suas próprias pretensões.

A bem da verdade, o Partido Democrata também tem problemas semelhantes. De uma maneira geral, seus parlamentares poderiam ser considerados de centro-direita: antissocialistas, mas com graus diferentes de preocupações sociais, a favor do livre comércio, etc. Mas abriga parlamentares mais conservadores e parlamentares declaradamente socialistas em seu extremo à esquerda.

Trump terá de negociar com as alas mais conservadoras do Partido Democrata e com as alas menos conservadoras do Partido Republicano, se quiser aprovar o Trumpcare ou qualquer outro projeto de lei que exalte os nervos políticos do país.

Na tentativa de cumprir a promessa “repeal and replace Obamacare”, um grupos de parlamentares republicanos concebeu, em toque de caixa, o texto da nova lei. O texto desagradou a direita-dura, porque estava “social” demais. E desagradou os moderados, porque estava “social” de menos.

Emendas de última hora procuraram contentar a bancada linha-dura. Foram cortados dez tipos de tratamento médico que as companhias de seguro teriam de cobrir, para baixar os custos dos prêmios e, com isso, reduzir a contribuição dos cofres públicos para com o seguro-saúde dos pobres.

Isso desagradou a bancada dos moderados, que já consideravam que os custos do seguro-saúde iriam subir e que a cobertura para os pobres iria cair, prejudicando principalmente a classe dos trabalhadores que gravitaram em torno da promessa de campanha de Trump, sob o slogan “Make America Great Again” (tornar os EUA grande de novo).

O problema maior dos moderados: os deputados e dois terços dos senadores vão disputar eleições em 2018, obviamente contra candidatos democratas. A aprovação de um Trumpcare muito ruim para o eleitorado das classes média e baixa seria um desastre, que voltaria para assombrá-los nessas eleições.

Eminente negociador em transações empresariais, Trump não tem a tarimba para negociações com políticos (seja o que for que signifique “negociações” com políticos). Ele tentou agradar membros das bancadas rebeldes, convidando-os para viagens no avião presidencial (o Air Force One), com mordomias, para jogos de boliche na Casa Branca e sessões de fotos no famoso Salão Oval da Casa Branca, entre outras coisas.

Segundo o Washington Post, uma vez o Salão Oval ficou tão cheio de parlamentares que parecia uma estação de trem movimentada. Mas nada disso serviu para quebrar a resistência dos parlamentares preocupados com suas bases eleitorais. E, segundo o jornal, Trump não conhecida suficientemente bem a legislação que propunha, para argumentar a seu favor. Ele teria perguntado mais de uma vez a seus assessores mais próximos: “Esse projeto de lei é bom mesmo?”

As táticas que funcionam nos negócios também não deram resultados na política. Trump disse aos parlamentares que esse era o projeto do partido para acabar com o Obamacre e que, agora, era “pegar ou largar”, no melhor estilo de empreendedor imobiliário. Foi ao Congresso e, praticamente, mandou os parlamentares votarem a favor do projeto, no estilo “manda quem pode, obedece quem tem razão”. Ameaçou rebeles com retaliações políticas, quando precisarem do governo nas eleições. Nada disso adiantou.

Nas primeiras entrevistas que deu após a derrota no Congresso, Trump tentou atribuir a responsabilidade do fracasso ao Partido Democrata. Mas acabou reconhecendo que faltaram votos dentro de seu próprio partido e que pretende ir em frente com seu projeto político. E fez uma declaração que pode ajudá-lo no futuro: “Aprendemos algumas lições sobre o debacle do seguro-saúde” – isto é, ele aprendeu que lidar com políticos não é a mesma coisa que negociar com seus semelhantes empresariais.

O Partido Republicano também aprendeu uma lição: apesar de ter a maioria nas duas Casas do Congresso, não é o “partido governante”, porque não se governa com um partido fragmentado, disse ao Washington Post o analista político Stuart Rothenberg.

O professor de ciência política da Universidade de Akron, David Cohen, ofereceu uma ideia mais prática aos republicanos: deixar os projetos controversos de lado, por um momento, e propor projetos, como o que está na boca de espera, que propõe a renovação da infraestrutura do país. Dificilmente haverá parlamentar, de qualquer partido, que seja contra a realização de obras em seus estados.

Isso teria o efeito de estimular esforços bipartidários que possam ser definidos como “pelo bem do país” – e não pelo bem único do partido.

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