Justiça Tributária

A duração razoável dos processos e a prescrição intercorrente

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

27 de março de 2017, 8h00

Spacca
…um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos…

O pequeno texto que acima transcrevemos, aqui já invocado em diversas ocasiões, é o preâmbulo da nossa Carta Magna. Em sua redação foi invocada a proteção de Deus, num momento histórico da pátria brasileira!

Infelizmente os poderes da República desviaram-se daqueles princípios e nesses quase 30 anos de vigência do texto constitucional os brasileiros vivemos num sobe e desce incessante, onde direitos, garantias, segurança e principalmente Justiça não nos são assegurados de forma adequada.

De todos os nossos direitos um dos mais relevantes é o contido no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição, onde se estabelece que 

“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Se um processo demorar por tempo exagerado, além do razoável, estamos numa situação que nega vigência à mencionada norma e temos o direito de exigir solução imediata.

Temos, nesta coluna e no noticiário da ConJur exemplos práticos dessa situação.

Em 5 de março de 2014 foi aqui noticiada decisão da Justiça Federal ordenando ao fisco federal que resolvesse em 10 dias processo que aguardava solução por mais de um ano. Pode o leitor encontrar a íntegra da sentença anexada à matéria então divulgada, onde se faz referência a jurisprudência do STJ.

Nos processos administrativos, onde o contribuinte autuado oferece defesas e recursos, enquanto não decidida a questão o débito está suspenso e é expedida uma certidão positiva com efeito de negativa que, em princípio, não causa problemas ao devedor.

Mas na prática não é bem assim. Se necessitar fazer um negócio, o contribuinte pode necessitar de certidão negativa. Além disso, em determinadas situações pode existir um arrolamento de bens, que lhe causa transtornos e limitações de crédito.

Portanto, o contribuinte tem interesse em que o processo administrativo se resolva em prazo razoável, o que se pode obter através de adequada ação judicial.

Em 12 de fevereiro e 27 de junho de 2016 publicamos colunas com os títulos, respectivamente, de Processos administrativos tributários devem terminar em prazo razoável e A morte dos processos administrativos.

Nessas matérias são expostos os fundamentos legais que amparam a discussão.

Já ocorreram inúmeras manifestações de autoridades no sentido de que a chamada prescrição intercorrente não poderia ser aplicada na esfera administrativa, por falta de previsão legal.

Ora, se existe um direito ele deve estar amparado por normas legais que o façam valer. No caso, o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição é explícito!

Qualquer direito assegurado pela Carta Magna tem proteção no Judiciário, ainda que possa ser omissa a legislação. Na omissão, podemos invocar a jurisprudência e a doutrina como fontes subsidiárias do direito.

Por outro lado, diz o Código Tributário Nacional:

“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais de direito público; IV – a eqüidade.”

Assim como o contribuinte tem que observar os prazos legais no cumprimento de suas obrigações principais ou acessórias, também é obrigado o poder público a proceder aos lançamentos nos prazos determinados pelo CTN, sob pena de decadência, (artigo 173).

Pode ocorrer que após o lançamento o imposto não seja pago e o Fisco, através da sua Procuradoria, tem o dever legal de ingressar em juízo com o processo para sua execução.

Na Execução Fiscal as partes estão sujeitas ao cumprimento dos prazos legais. Se não pode o contribuinte, por exemplo, descumprir o prazo para apresentar seus embargos (defesa), também não pode o representante da Fazenda Pública deixar ao desamparo a ação proposta.

Como é público e notório, a quantidade de ações de execução fiscal é exageradamente grande. Só na Comarca de São Paulo, consta que estão em andamento mais de 2 milhões de ações dessa natureza. Por conta disso, já ocorreram casos relevantes de ocorrência de prescrição, onde o poder público deixou de receber o que lhe era devido, pela falta de uma estrutura adequada a tal trabalho.

Veja-se a respeito a notícia de 14 de julho de 2015, intitulada Execução que ficou 12 anos parada é arquivada por prescrição intercorrente, onde consta a cópia da decisão judicial do caso.

Já sugerimos nesta coluna um amplo programa de renegociação entre contribuintes e Fisco, para que se possa tentar resolver ou atenuar esse descalabro.

Em 19 de setembro de 2016, sob o título Brasil precisa urgentemente de uma ampla renegociação tributária, essa sugestão foi apresentada de forma genérica a todos os poderes.

Apenas a União fez algo nessa direção. Parece-nos que Estados e Municípios deveriam pensar no assunto e os respectivos legisladores discuti-lo nas Assembleias e Câmaras.

Nessa coluna justificamos a proposta concluindo da seguinte forma: “Nossa economia precisa recuperar-se e uma ampla renegociação tributária é um instrumento adequado para isso. Precisamos adotar uma política de pacificação não apenas na área política, mas principalmente no campo econômico e tributário. Sem isso ficaremos o resto deste século procurando culpados pelos nossos problemas. O que precisamos não é encontrar os culpados, mas as soluções”.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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