Expediente necessário

"A Justiça seria mais célere se juízes ficassem nos fóruns e houvesse estrutura"

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26 de março de 2017, 7h30

Spacca
A lentidão do Judiciário brasileiro não é um problema com soluções simples, mas a morosidade poderia ser mitigada imediatamente se os juízes cumprissem seu horário nos fóruns e tribunais devidamente. A afirmação é do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, que reconhece também que falta a estrutura necessária para que os julgadores exerçam seu trabalho na plenitude. 

"Se no Judiciário os magistrados permanecessem nos fóruns, os desembargadores permanecessem nos tribunais, e tivesse, evidentemente, a estrutura necessária, o investimento adequado, certamente nós teríamos uma Justiça mais célere, sem atropelos, e capaz de atender a toda demanda da sociedade, inclusive para conhecer e apreciar seus recursos", opina o advogado.

Outro ponto que precisa ser discutido, segundo Marcos da Costa, é a distinção entre advogados, juízes e membros do Ministério Público na entrada dos prédios da Justiça. Se a lei diz que todos devem passar pelo detector de metais, uma norma do Conselho Nacional de Justiça não teria poder para dizer que a lei não se aplica a juízes, promotores e policiais. "O país não aguenta mais esse tipo de discriminação", diz o advogado.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele também fala sobre a função da OAB na sociedade e debate a participação da Ordem no golpe militar no Brasil. "Aquele período de 1964, que hoje sabemos ter sido um gigantesco equívoco, também contou com o apoio da Igreja e de diversos setores, inclusive da da mídia e de lideranças da sociedade civil", relembra.

Sobre os 85 anos da OAB-SP, completados neste ano, Marcos da Costa destaca que, apesar das festividades, o momento é delicado para o direito de defesa no país: "A pretexto de combater a criminalidade e a impunidade, o Estado acusatório, punitivo, tende avançar mitigando a importância do direito de defesa".

E isso acontece, analisa o advogado, porque o Estado brasileiro não assume suas responsabilidades e tenta resolver seus problemas impondo ônus à sociedade. Assim, a morosidade do sistema, que permite a prescrição ao não julgar no tempo certo e gera impunidade, deságua no cerceamento da defesa, com a tentativa de reduzir o número de recursos ou por meio das medidas do Ministério Público Federal para reformar o Código de Processo Penal, tentando permitir, por exemplo, o aproveitamento de provas ilícitas.

Ao discutir o momento político pelo qual passa o Brasil, o dirigente da entidade que representa mais de 300 mil advogados é direto: "O Brasil está discutindo reforma trabalhista, previdenciária e tributária, mas nenhuma delas será efetiva se não houver uma reforma política".

Leia a entrevista:

ConJur — A OAB-SP faz 85 anos neste ano, em um momento tão delicado para a democracia. A advocacia está sendo colocada em xeque?
Marcos da Costa — É uma responsabilidade imensa presidir a OAB de São Paulo, pela qualidade da advocacia paulista, por sua importância social e pela tradição de grandes dirigentes de nossa instituição. Não é a advocacia que está sob ataque, mas sim o próprio direito de defesa. A pretexto de combater a criminalidade e a impunidade, o Estado acusatório, punitivo, tende avançar mitigando a importância do direito de defesa. Vejam, como exemplos, proposta constante nas medidas de combate a corrupção, de prisão preventiva de investigado — não é nem o indiciado — para que ele não tenha acesso aos seus ativos financeiros e não consiga financiar a sua defesa, ou seja, contratar advogado. Ou outro fato gravíssimo, e que contou com a reação do Conselho Federal e da OAB-MT, quando um advogado foi preso em Mato Grosso sob a justificativa de que, por ser advogado, poderia usar o conhecimento técnico dele e as prerrogativas profissionais para atrapalhar investigações.

ConJur — Esse discurso da juíza de Mato Grosso seria uma nova vertente do "temos muitos recursos na Justiça brasileira"?
Marcos da Costa — O Estado tem uma vocação no Brasil de não assumir as suas responsabilidades, e transferir o ônus de sua ineficácia para o cidadão. Ao invés de se estruturar para dar resposta mais ágil aos processos, e mesmo apreciar de forma mais efetiva os recursos existentes, os quais, aliás, são inerentes ao devido processo legal e à ampla defesa, o Estado propõem diminuir o número de recursos, prejudicando direito do cidadão. Temos reclamações, por exemplo, de que cada vez se vê menos juízes nos fóruns e desembargadores nos tribunais, o que, certamente, contribui para agravar a situação da mora processual.

ConJur — Não é o que acontece?
Marcos da Costa — Não. Há o discurso de que com a tecnologia o magistrado não precisa estar no fórum, o desembargador não precisa estar no tribunal, pois poderiam trabalhar em casa. Mas na verdade essa ideia é equivocada. Primeiro porque para a sociedade é importante ter a segurança de que o magistrado está à sua disposição, desenvolvendo uma das funções mais nobres do Estado, que é prestar justiça. Depois, porque o magistrado precisa estar disponível para atender os advogados, para comandar os trabalhos de seus cartórios, etc. Aliás, essa é uma das propostas que a OAB-SP encaminhou ao Conselho Federal, que promoveu um grande estudo e recebeu sugestões de todas as secionais, para aprimoramento das propostas de resoluções do CNJ.

ConJur — Essa ausência de magistrados foi uma das reclamações da Seccional da OAB no Espírito Santo ao CNJ. Eles citam, inclusive, que os magistrados deixam de ir às comarcas para fazer cursos no meio do expediente ou acabam redistribuindo as comarcas por vontade própria. Isso também acontece em São Paulo?
Marcos da Costa — Esse é um dos exemplos das situações que nós vivemos. Não me parece razoável que o magistrado possa dar aula no mesmo período em que ele deveria estar na sua comarca prestando aquela que é a sua função primordial, que é a Justiça.

ConJur — E o posicionamento aqui do TJ em relação a isso?
Marcos da Costa — O TJ-SP e a OAB-SP têm um relacionamento institucional bastante adequado, com diálogo constante. Aliás, assim ocorre com os demais Tribunais do estado. Mas o problema estrutural da Justiça é nacional. Basta ver os esforços do Conselho Federal e das Secionais no mesmo sentido, de ver o Judiciário mais próximo dos anseios da sociedade. Creio inclusive que essa discussão passa necessariamente por uma nova Lei Orgânica da Magistratura que, porém, depende do Supremo Tribunal Federal encaminhar projeto de lei ao Congresso Nacional. A atual Loman, que data da década de 1970, é talvez a última lei estruturante do país da época da ditadura militar. E como a Constituição de 1988 reservou a competência para início do processo legislativo ao STF – enquanto ele não encaminhar a proposta ao Congresso Nacional – não poderá haver discussão sobre qual Judiciário, em um ambiente democrático, a sociedade pretender ter.

ConJur — O senhor acha que o Judiciário tem receio de ser rediscutido?
Marcos da Costa — Confesso que não consigo entender a razão de, passados 28 anos da promulgação da Constituição, e ter tido o STF tantos presidentes no período, nenhum encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de uma nova Loman, adequando o Judiciário brasileiro aos tempos democráticos atuais. Aliás, o Supremo, não raras vezes, reclama do Congresso por não ter legislado sobre determinadas matérias, obrigando o Judiciário a preencher lacunas legislativas. Mas ele próprio, STF, não na única lei que lhe é atribuída a competência para iniciar o processo, não permite que a sociedade comece a discuti-la por meio do encaminhamento ao Congresso.

ConJur — O que achou da decisão do ministro Luiz Fux que mandou o Congresso recomeçar a análise das "10 medidas" do Ministério Público Federal para reformar o Código de Processo Penal?
Marcos da Costa — Primeiro, preciso destacar o trabalho do presidente Cláudio Lamachia no sentido de defender o combate à criminalidade, mas dentro das normas do Estado Democrático de Direito, contestando, por exemplo, naquelas propostas, as restrições ao Habeas Corpus e ao aproveitamento de prova obtida por meio ilícito, e propondo o fortalecimento do direito de defesa. Depois, confesso, não ter compreendido a decisão do Ministro Fux, porque, no mínimo, impediu que o próprio Senado pudesse exercer seu poder de apreciar a eventual nulidade que ele, ministro, entendeu haver, e depois, em um segundo momento, que a própria Presidência da República pudesse igualmente exercer esse controle, através do poder de veto. Caberia ao STF, na minha visão, somente após exercer o controle de constitucionalidade, mesmo formal, caso fosse aprovada e promulgada a futura lei.

ConJur — Nesses 85 anos de história, a OAB teve acertos e erros, um deles foi ter comemorado em comunicados públicos e jornais o golpe de 1964. Em 2017, a entidade cumpre o seu papel?
Marcos da Costa — A advocacia tem uma vocação de verbalizar aquilo que é a demanda da sociedade. Aquele período de 1964, que hoje sabemos ter sido um gigantesco equívoco, também contou com o apoio da Igreja e de diversos setores, inclusive da mídia e de lideranças da sociedade civil. Mas registro também que, desde o primeiro momento, a Ordem teve uma preocupação muito grande com o direito de defesa, oficiando as autoridades, reclamando e exigindo que as prerrogativas da advocacia fossem respeitadas, para que aqueles cidadãos, que estavam sendo presos, tivessem assegurado seu direito de defesa. Quando a Ordem percebeu que o direito de defesa não estava sendo preservado, e que muitos estavam sendo presos sem sequer estar formalizada essa prisão, reagiu de forma muito incisiva, protestando contra as prisões ilegais e as torturas, dando apoio aos advogados dos presos, e reclamando pela volta da democracia. Sofreu, como reação, a explosão de uma bomba no Conselho Federal, então sediado no Rio de Janeiro, e que causou a morte da senhora Lyda Monteiro da Silva.

ConJurE em 2017?
Marcos da Costa — Agora, a Ordem continua exercendo seu papel, defendendo a valorização da advocacia, destacando para a sociedade a importância do direito de defesa, e sustentando bandeiras como a necessidade de combate à impunidade, à criminalidade, dentre elas, à corrupção, mas sempre com absoluto respeito às garantias fundamentais do devido processo legal, da presunção de inocência e do amplo direito de defesa. Por isso, destaco, mais uma vez, a iniciativa do presidente Lamachia em discutir as dez medidas do Ministério Público, sendo que também tive a oportunidade de falar na Comissão que analisa essas medidas, expondo os excessos que ultrapassam os limites inerentes ao Estado Democrático de Direito.

ConJur — Atualmente, é perceptível que a sociedade quer punição. Dentro desse contexto, de exaltação a policiais federais e membros do Ministério Público, o senhor já viu a função do advogado numa posição tão desvantajosa?
Marcos da Costa — Sempre que temos tentativas de avanços do Estado punitivo, o direito de defesa acaba sendo a primeira vítima. Como consequência de instrumentalizar o direito de defesa, o papel do advogado passa também a ser criticado. Tenho claro, no entanto, que a sociedade não quer justiçaria, e sim a Justiça, o que só é obtido quando for assegurado o mais amplo direito de defesa ao acusado. Só assim teremos segurança de que quem não cometeu crime será absolvido, e de quem o cometeu, será condenado, nos exatos termos da lei. Infelizmente, muitos preferem divulgar que o exercício da defesa representaria um obstáculo a que a Justiça fosse realizada, e assim, escapar da discussão de fundo, sobre a desestruturação do próprio sistema de Justiça, e as causas de sua morosidade e consequente impunidade.

ConJur — O MPF fez uma extensiva campanha publicitária defendendo as 10 medidas. Por exemplo, quando caiu a restrição ao Habeas Corpus, parte da sociedade pensou que o projeto estava sendo desconfigurando, quando, na verdade, estavam protegendo um direito fundamental. A OAB deveria se articular melhor para conseguir mostrar outro ponto de vista?
Marcos da Costa — A Ordem, creio, tem cumprido seu papel. O presidente Cláudio Lamachia foi ao Congresso Nacional, como eu também tive oportunidade de ir, para discutir essas medidas. Ele e nós, presidentes das Secionais da Ordem, denunciamos os excessos em diversas oportunidades, especialmente na mídia. Ou seja, promovemos a defesa das garantias constitucionais da forma mais transparente e democrática possível. Buscamos mostrar que o Estado deve cumprir com seu papel, de fiscalizar, de investigar, de acusar, e de julgar, sempre com observância dos valores democráticos e das garantias fundamentais constitucionais. O Estado, entretanto, mais uma vez observo, não ataca suas mazelas, mas quer dar resposta à sociedade impondo mais ônus aos cidadãos. E uma das vertentes disso é a tentativa de limitação do direito de defesa. Por que eu insisto nisso? Nós temos exemplos na história, não só no Brasil, de que quando excessos são cometidos, e direitos desrespeitados, embora a sociedade possa até aplaudir em um primeiro momento as condenações que forem impostas, passa a criticá-las assim que percebe que ilegalidades foram cometidas e direitos foram desrespeitados.

ConJur — Mas e na antecipação da execução da pena?
Marcos da Costa — Esse é o exemplo talvez mais claro. O Judiciário não ataca seus próprios problemas, de morosidade e de impunidade, mas busca dar satisfação ao reclamo cada vez maior da sociedade por Justiça, limitando o direito de defesa do cidadão e no caso, atacando a presunção de inocência que é constitucionalmente assegurada. Nós fizemos na OAB SP um grande movimento, com todas as principais entidades representativas da advocacia, e soltamos um manifesto, denunciando os efeitos maléficos dessa decisão da Suprema Corte.

ConJur — Não é o excesso de recursos?
Marcos da Costa — De jeito nenhum. Se no Judiciário os magistrados permanecessem nos fóruns, os desembargadores permanecessem nos tribunais, e tivesse, evidentemente, a estrutura necessária, o investimento adequado, certamente nós teríamos uma Justiça mais célere, sem atropelos, e capaz de atender a toda demanda da sociedade, inclusive para conhecer e apreciar seus recursos.

ConJur — O STJ está estudando a imposição de um valor de R$ 2,5 mil para apresentar um recurso especial. Esse é outro exemplo de o Judiciário tentando criar obstáculos em vez de resolvê-los?
Marcos da Costa — É outro exemplo de buscar criar barreiras para que o cidadão tenha pleno acesso à Justiça. Criam-se obstáculos para o recurso subir, formula-se uma jurisprudência defensiva, rejeitam-se recursos desrespeitando normas processuais.

ConJur — Em 2017, pela primeira vez em 50 anos, a Conferência Nacional da Advocacia será em São Paulo, vai ser um palco para o que a OAB pensa a respeito dessa situação nacional?
Marcos da Costa — As conferências da advocacia são momentos importantes da classe, que se une para discutir assuntos não só ligados à própria profissão, mas também temas institucionais. Tivemos na história, conferências importantes para o país, como a de Curitiba, em 1978, com o Conselho Federal presidido por Raymundo Faoro, quando a advocacia se levantou para exigir o fim das restrições do Habeas Corpus. Nessa conferência também nasce o movimento de defesa das prerrogativas da magistratura, por saber a advocacia, da importância de um Judiciário independente.

Creio que a Conferência em São Paulo também será histórica, por saber da preocupação do presidente Lamachia e dos presidentes de Secionais de todo o país em relação à defesa dos direitos fundamentais, do direito de defesa, e do amplo debate sobre as reformas por que passa o Brasil, como a trabalhista, previdenciária, a tributária – mais uma vez colocada –, e aquela que vejo como principal de todas, que é a reforma política. Certamente, dessa união de toda a classe, a advocacia se posicionará sobre esses temas. Aliás, o tema principal da Conferência é exatamente a defesa dos direitos fundamentais, como pilares da democracia e conquistas da cidadania.

ConJur — O senhor acha que a tendência é de melhora?
Marcos da Costa — Sou um otimista. Nós temos uma democracia de 28 anos. É muito jovem, mas é o maior período democrático da história republicana do país. Democracia se constrói com erros, mais do que com acertos. Devemos nos dar o direito de errar para poder corrigir e melhorar os nossos valores. Pela primeira vez temos um período que está nos permitindo isso e, certamente, depois dessa turbulência, teremos encontrado dias melhores. Espero também que o ano que vem, quando teremos a eleição para presidente, membros do Congresso, governadores e membros dos Legislativos estaduais, nós aproveitemos esse momento para um amplo debate sobre o país que nós queremos, permitindo que sejam eleitos aqueles que efetivamente representam o que há de melhor para a nossa política.

ConJur — Essa democracia continua vigorosa mesmo que o Tribunal Superior Eleitoral decida pela cassação do Michel Temer?
Marcos da Costa — O TSE é um dos instrumentos dessa democracia, um dos mais importantes, porque é ele que dá sustentação para o processo eleitoral. Se ele entender dessa forma [pela cassação], e com o direito de defesa sendo assegurado, certamente aqueles que forem atingidos vão ter que respeitar a Constituição.

ConJur — Os depoimentos da Odebrecht começaram e os vazamentos estão a todo vapor. O que acha desses vazamentos contínuos e incessantes?
Marcos da Costa — Um prejuízo ao país, porque gera uma insegurança imensa. A Ordem tem sustentado, desde quando começaram as primeiras investigações da operação "lava jato", a necessidade de total transparência nas investigações. Quando houve a primeira lista com nomes de políticos, no começo da operação, a Ordem pediu e houve a quebra de sigilo, e todo mundo soube quais eram os políticos que estavam sendo investigados. Evidentemente que deve ser preservado o sigilo de diligência que está em curso, e que possa sofrer prejuízo se tiver publicidade. Mas, afora essas situações excepcionais, a população tem o direito de saber quais pessoas que ocupam cargos públicos estão sendo acusados de quais delitos.

ConJur — Mas isso não pode tornar citados em culpados antes mesmo do julgamento?
Marcos da Costa — O fato de constar do processo investigatório não significa ser culpado, isso tem que ser esclarecido à sociedade. Mas, ao mesmo tempo, o que não pode é o vazamento seletivo. Para prejudicar o político A, B ou C, se permite que a população saiba o nome desse político, ou, ao contrário, para prejudicar um político que nem esteja sobre investigação fica se especulando a possibilidade de seu nome estar sendo mencionado uma delação.

ConJur — O sistema estatal acusatório está ganhando de 7 x 1 ou da defesa?
Marcos da Costa — Como falei antes, não acredito a população queira que pessoas inocentes sejam condenadas, ou mesmo que pessoas culpadas sofram pena acima do definido pela lei. O que a sociedade quer é uma Justiça efetiva, que puna aqueles que cometeram crimes, e não seja marcada pela morosidade que leva a impunidade. A sociedade percebeu que o resultado de impunidade é o principal estimulo à prática de novos crimes. Temos que aperfeiçoar o modelo de Justiça, dar estrutura e cobrar o trabalho efetivo com qualidade.

ConJur — O senhor citou bastante a desinformação da população como uma das razões para que certas campanhas passem. Acha que o Ministério Público se aproveitou dessa desinformação na hora de propagar as 10 medidas deles?
Marcos da Costa
— Primeiro que não são dez medidas, são em torno de 100 medidas. Não creio que no abaixo assinado que recebeu apoio a população entendesse quais são essas aproximadamente 100 medidas. Por exemplo, essa de prender o investigado para que ele não possa ter acesso ao dinheiro para financiar a sua defesa, ou seja, não contratar advogado, não acredito que a sociedade aceite isso.

ConJur — Também tem a parte da prova ilícita…
Marcos da Costa — Não creio que a sociedade admita aproveitamento de prova obtida por meio ilícito obtida sob tortura, coação, prova plantada. Se tivesse uma discussão mostrando o que representa isso no Estado Democrático de Direito, o disparate que é isso dentro de uma democracia, tenho certeza que a população compreenderia e não aceitaria.

ConJur — O senhor tem conhecimento da cláusula de acordo de delação premiada em que o acusado concorda em ser preso antes mesmo do julgamento, como condição para que se aprove a delação?
Marcos da Costa — A delação, apesar de usada em alguns países, é um instrumento novo aqui no Brasil. Ela tem servido muitas vezes para descortinar crimes, mas não pode servir como meio de prejudicar direitos fundamentais. Essa é uma discussão que nós vamos ter que ter, os limites desse tipo de instrumento, que não pode desconsiderar os direitos fundamentais e as garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e de que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado.

ConJur — No Brasil a investigação é muito mal feita. A delação premiada vai ser o novo bode expiatório, assim como as escutas já o foram?
Marcos da Costa — Espero que tenhamos capacidade de discutir com transparência e responsabilidade mais este instituto. Aproveitar aquilo que é positivo e colocar limites para que ele não avance sobre direitos e garantias. A gravação, a escuta, é um exemplo importante. Escuta só com autorização judicial e para uma determinada finalidade, não pode ser generalizada nem servir para devassar a vida de uma pessoa sem que isso tenha a ver com a investigação que está sendo conduzida. É preciso sempre respeitar os limites previstos em lei.

ConJur – O que faz mais falta para o advogado paulista?
Marcos da Costa — Estamos enfrentando diversas dificuldades. Os Cejuscs, por exemplo, que são espaços de conciliação, dispensando a presença do advogado. Isso é um absurdo. Sem o advogado não vai se ter a Justiça, e aí o prejuízo é do cidadão, porque é ele que vai assinar acordos que podem representar prejuízos imensos. Outro recente é a oferta, no site do Tribunal de Justiça, de Juizado Especial via eletrônica, onde o cidadão pretensamente pode entrar e apresentar diretamente a sua reclamação. Ora, temos denunciado no CNJ que esse tipo de oferta só vai prejudicar o cidadão, que poderá sequer expor de forma clara a sua demanda, ou conclui-la com um pedido adequado à sua reclamação, ou mesmo acabar sofrendo prejuízo como de prescrição por apresentar perante a Justiça Estadual uma questão trabalhista, por exemplo.

ConJur — O problema das conciliações sem advogados já está sendo resolvido?
Marcos da Costa — Nós temos campanhas sobre isso, reclamações no CNJ e iniciativa legislativa, com um projeto de lei tornando obrigatória a presença do advogado no Cejuscs. Nós também temos difundido o OAB Concilia, que é uma parceria com o Poder Judiciário, mas que não lhe gera qualquer custo. Já são mais de cem comarcas instaladas, e mais de 80% dos procedimentos colocados em questão no OAB Concilia têm resultado em acordos. E as partes contando sempre com a assistência de advogados, o que garante acordo que respeitam os direitos de cada um. Bem diferente dos Cejusc, por exemplo, que além de dispensar a presença de advogados, ainda tem a conciliação dirigida por pessoas sem formação para condução de uma demanda. Em São Paulo, por exemplo, tem Cejusc promovido por guarda municipal, que evidentemente não têm a formação técnica e o conhecimento jurídico para promover conciliações.

ConJur — Quais são as outras demandas da classe?
Marcos da Costa — Os controles de ingresso nas unidades forenses. A lei federal 12.694/12, art. 3, III, determina que se houver instalação de portas com detectores de metais nas unidades forenses, "todos independente de cargo ou função, devem se submeter", salvo se for policial que está transportando preso. E aí vem o CNJ e diz que "todos independente de cargo ou de função, exceto aqueles policiais, magistrados e promotores". É um absurdo. Cria-se um diferencial que contraria aquilo que é determinação legal. O país não aguenta mais esse tipo de discriminação.

ConJur — Teve o advogado que entrou no elevador errado…
Marcos da Costa — Sim, foi preso no Tribunal do Trabalho de São Paulo por isso. Ele saiu algemado de dentro do tribunal porque estava distraído e entrou no elevador errado. É inaceitável. Aliás, existem agentes de segurança nos fóruns que carregam teaser, que não é letal, mas é uma arma, e algemas. Quem são aqueles? Não tem previsão legal. O Judiciário criou uma força armada que não tem previsão legal ou constitucional para se proteger. Denunciamos essa situação no CNJ. O juiz, o advogado, o promotor, o cidadão, todos têm o direito a segurança. Não tem por que ter tratamento diferenciado. O que justifica ter o elevador privativo para juiz? Não tem sentido, nós temos que acabar com isso. Aliás, é uma das propostas que foram apresentadas ao CNJ. Vamos torcer para que ele tenha a sensibilidade para aceitar essa proposta da OAB.

ConJur — O TJ-SP limitou, durante o recesso de fim de ano da advocacia, o peticionamento eletrônico. O que o senhor achou dessa limitação?
Marcos da Costa — A justificativa do Tribunal de Justiça foi de que aproveitou esse momento para adequar, corrigir e atualizar seus sistemas, que se fossem realizados no período de expediente forense normal poderia trazer grandes prejuízos.

ConJur — As projeções mostram que a economia começará a dar sinais de melhora a partir do meio desse ano, a advocacia já está sentindo os efeitos dessa possível melhora?
Marcos da Costa — O advogado está inserido no contexto da sociedade. São profissionais que, num momento de crise, vão sofrê-la como qualquer outra categoria. O problema do Brasil, me parece, não é economia; é de confiança. As pessoas não confiam nas autoridades públicas, nos seus políticos. Temos um parque industrial com capacidade de produção muito maior do que está conseguindo atualmente produzir. Temos consumidores que não compram com receio de perda de empregos. E, também, investidores que não investem com receio do que ocorrerá ao país. Se não for feita a reforma política, não restabeleceremos a confiança na Nação e não teremos a retomada do processo econômico.

ConJur — Então, partindo do que o senhor acabou de falar, não podemos esperar bons ou ótimos resultados das reformas trabalhista e previdenciária?
Marcos da Costa — Não acredito. Como é que se exige sacrifícios da população num ambiente como esse, em que se lê todo dia nos jornais novas denúncias sobre corrupção, má gestão, desperdício do dinheiro público? É preciso fazer primeiro a lição de casa, a reforma política. Precisamos demonstrar que os processos foram melhorados. O Ministério da Transparência, por exemplo, tem feito um trabalho importante pensando a desburocratização do Estado. São iniciativas que vão aos poucos mudando o quadro que levou a esse estado de coisas que vivemos hoje.

ConJur — Como o senhor avalia o andamento do debate sobre o lobby nas Casas legislativas?
Marcos da Costa — Acho que está demorado e que precisa ser priorizado. Regular o lobby significa começar a impedir que o Poder Público seja usado em benefício privado. Não tem nada de mal nos setores econômicos levarem uma visão ao Congresso Nacional, defender seu ponto de vista, mas isso tem que ser feito de uma forma republicana.

ConJur — Em 2015, o senhor sofreu um grave acidente, com a perda inclusive de um grande amigo, como isso influenciou sua vida, sua maneira de ver o mundo e de dirigir a OAB?
Marcos da Costa — É difícil externar em palavras meu sentimento em relação ao que ocorreu, então eu me valho de Fernando Pessoa, com o poema "Pedras no caminho". Acho que é a forma melhor de expressar meus sentimentos. Eu aprendi com meus pais que as dificuldades que se apresentam na vida devem ser tratadas como oportunidades para melhorarmos como pessoa, como pai, como marido, no meu caso, como advogado, dirigente da Ordem, e é isso que eu tenho procurado fazer.

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