"Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão", definiu o Supremo Tribunal Federal, em 2009. Mas para a Justiça Federal do Paraná, isso não se aplica ao caso do blogueiro que foi conduzido coercitivamente nesta terça-feira (21/3) e teve computadores e celulares apreendidos por ordem do juiz Sergio Moro.
Moro quer descobrir quem passou informações sobre a operação "lava jato" publicadas no Blog da Cidadania. O sigilo de fonte é uma garantia constitucional para o exercício da liberdade de manifestação do pensamento, também de acordo com definição do Supremo, na ADPF 130. Mas para o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, essa garantia não atinge o blogueiro Eduardo Guimarães.
A repercussão negativa da decisão contra blogueiro foi tamanha que a Justiça Federal no Paraná e os membros do Ministério Público Federal que atuam na "lava jato" emitiram notas para se explicar. De acordo com a Justiça Federal, Guimarães não pode ser considerado jornalista porque seu blog veicula propaganda político-partidária e "destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão".
A nota da Justiça Federal no Paraná afirma ainda que Eduardo Guimarães pode ser obrigado a revelar suas fontes porque não é jornalista. “Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo”, diz o texto. “A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma.”
Para a autodeclarada "força-tarefa" do MPF na operação, a ordem dos fatores altera o produto. A nota diz que investiga se informações sigilosas foram repassadas a investigados por Guimarães antes de ele ter publicado em seu blog. "Portanto, a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade."
Os procuradores ainda dizem que a investigação não quer saber a fonte do blogueiro, "já conhecida". A intenção das apurações, diz a nota da "lava jato", é "colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados".
Censura judicial
O advogado de Eduardo Guimarães, Fernando Hideo Lacerda, rebateu a defesa de Moro. Para ele, a Justiça Federal no Paraná “pretende definir quem é ou não jornalista de acordo de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação”. “Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura.”
“No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística”, resume o advogado.
Crime de agente público
Moro quer saber quem informou Guimarães que a Polícia Federal faria diligências de busca e apreensão na sede do Instituto Lula e que o ex-presidente seria alvo de condução coercitiva antes de elas acontecerem. Na nota, a Justiça Federal no Paraná que Guimarães é investigado por causa da divulgação de informações sigilosas “que poderiam ter colocado investigações em risco”.
No despacho que determinou a busca e apreensão dos documentos do blogueiro, Moro afirma que são investigados indícios de violação de sigilo funcional, crime descrito no artigo 325 do Código Penal. O crime, no entanto, só pode ser cometido por servidores cuja função obriga que mantenham informações sobre sigilo, como é o caso de policiais federais, procuradores da República e juízes. Mas não de jornalistas ou blogueiros.
Leia a nota da Justiça Federal no Paraná:
O senhor Carlos Eduardo Cairo Guimarães é um dos alvos de investigação de quebra de sigilo de investigação criminal no âmbito da Operação Lava Jato, ocorrida antes mesmo de buscas e apreensões.
Neste contexto, apura-se a conduta de agente público e das pessoas que supostamente teriam divulgado informações sigilosas e que poderiam ter colocado investigações em risco. Eduardo Guimarães não foi preso, mas conduzido coercitivamente para prestar declarações e já foi liberado.
Pelas informações disponíveis, o Blog da Cidadania é veículo de propaganda política, ilustrado pela informação em destaque de que o titular seria candidato a vereador pelo PCdoB pela a cidade de São Paulo. Juntos aos cadastros disponíveis, como ao TSE, o próprio investigado se autoqualifica como comerciante e não como jornalista.
As diligências foram autorizadas com base em requerimento da autoridade policial e do MPF de que Carlos Eduardo Cairo Guimarães não é jornalista, independentemente da questão do diploma, e que seu blog destina-se apenas a permitir o exercício de sua própria liberdade de expressão e a veicular propaganda político partidária.
Não é necessário diploma para ser jornalista, mas também não é suficiente ter um blog para sê-lo. A proteção constitucional ao sigilo de fonte protege apenas quem exerce a profissão de jornalista, com ou sem diploma. A investigação, por ora, segue em sigilo, a fim de melhor elucidar os fatos.
Leia a nota da defesa de Eduardo Guimarães:
A Defesa repudia a nota oficial da Justiça Federal do Paraná, que, de maneira autoritária e contrariando o posicionamento do STF, pretende definir quem é ou não jornalista de acordo com juízos de valor sobre as informações e opiniões veiculadas em determinado meio de comunicação. Condicionar a qualificação de ‘informação jornalística’ ao conteúdo das manifestações não tem outro nome: é censura.
No mais, é inquestionável que o fato em apuração (divulgação pública de uma informação) foi praticado no exercício de atividade jornalística. Pouco importa se ele também exerce a profissão de comerciante, é óbvio que ao divulgar publicamente estava se praticando atividade jornalística. Mais do que um direito individual do cidadão Eduardo, viola-se a garantia de acesso à informação de toda a sociedade, essencial ao Estado Democrático de Direito.
Fernando Hideo Lacerda, advogado de defesa
Leia a nota da força-tarefa do MPF na "lava jato":
Nesta data, no âmbito da operação Lava Jato, foram executadas diligências policiais com a finalidade de aprofundar apurações relacionadas ao crime de obstrução da justiça. Dentre os motivos das providências, estão provas de que um blogueiro informou diretamente aos investigados a existência de medidas judiciais sob sigilo e pendentes de cumprimento. Esse vazamento para os investigados ocorreu antes mesmo da publicação das informações no blog, portanto a diligência não foi motivada pela divulgação das informações à sociedade. Além disso, as providências desta data não tiveram por objetivo identificar quem é a fonte do blogueiro, que já era conhecida, mas sim colher provas adicionais em relação a todos os envolvidos no prévio fornecimento das informações sigilosas aos investigados.
O Ministério Público Federal reforça seu respeito ao livre exercício da imprensa, essencial à democracia. Reconhece ainda a importância do trabalho de interesse público desenvolvido por blogueiros e pela imprensa independente. Trata-se de atividade extremamente relevante para a população, que inclusive contribui para o controle social e o combate à corrupção.
Comentários de leitores
2 comentários
Perseguição política! A ditadura manda um abraço.
WF Estudante (Estagiário - Criminal)
Ora, a revista Veja também é veículo de propaganda política pela ótica dos membros da lava jato (estou aplicando a mesma lógica), tem um lado ideológico, e várias vezes a “liberdade de imprensa” foi considerada em ações contra a revista. Agora, um blog de esquerda tem as garantias fundamentais revogadas (art. 5°, IV, IX e XIV da CF).
o.com.br/
Bom, temos o manchetômetro para tentar quantificar a parcialidade da mídia (que pode fornecer estatistas parciais também). Para mim, a Folha de São Paulo é a que mais se aproxima da imparcialidade.
Sobre os vazamentos “ilegais” sim, mas há “n” vazamentos, inclusive de um jornalista da revista época sobre o mesmo fato. Não achava o Moro parcial, e sim com ímpeto de combater a corrupção, lógico discordava das ilegais (divulgação do áudio). Mas, não o achava parcial, agora as dúvidas estão enormes.
Estamos entrando em um terreno perigoso, a justiça está agindo com arbitrariedade e seletividade. Combate a corrupção não tem partido, mas muitos insistem em partidarizar. Só não esperava que o poder judiciário iria participar disso.
Perseguição política e ideológica, ditadura manda um abraço.
http://www.manchetometr
rigor da lei
Luiz Alberto F Nunes (Administrador)
De um lado os rigores da lei e novas interpretações, de outro lado tarja preta.
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