Investigação X espetáculo

Advogados veem interpretação enviesada de grampos na investigação de frigoríficos

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20 de março de 2017, 20h35

A carne brasileira está na boca do mundo, mas parece que só metaforicamente. Um dos maiores produtores de carne do planeta, o país está com seus produtos sob suspeita e recusados por diversas nações que até este fim de semana eram parceiros comerciais.

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Carne brasileira está sob suspeita em muitos países por conta da operação da Polícia Federal.
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Depois da divulgação de dados da investigação contra diversos frigoríficos brasileiros, a China reteve carregamentos de carne em seus portos, enquanto Coreia do Sul suspendeu as importações das empresas envolvidas e a União Europeia pediu ao Brasil que paralise temporariamente as exportações das mesmas companhias.

Além desses países, o Chile suspendeu completamente a entrada de carne brasileira em seu território e os Estados Unidos pedem mais informações do caso ao governo brasileiro. Independente de culpa, o governo já suspendeu as exportações dos frigoríficos envolvidos no caso.

A avaliação é que a operação, apelidada pela Polícia Federal de "carne fraca" parece ter gerado mais impacto do que os dados até agora conhecidos permitiriam, se tratados com isenção, sem sensacionalismo. Isso fica patente para quem avaliou os grampos citados pelos investigadores para sugerir que as empresas usavam papelão no lugar de carne. No fim das contas, o diálogo interceptado tratava das embalagens usadas para guardar o alimento.

Esse ponto específico é duramente criticado pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. “Não resta dúvida, nem para os mais incautos, que foi uma 'subleitura' das interceptações telefônicas. Maldosa. Criminosa. Dirigida. É evidente que falavam da embalagem da carne, e criminosamente exploraram como sendo colocar papel na carne moída. Ridículo.”

Para o advogado, esse é o resultado do "tira hermeneuta", que, segundo ele, é aquele o policial que interpreta as gravações e as analisa “mal e porcamente, às vezes por interesse”. “No caso concreto não sei quem errou. Mas penso que a PF, o MP, o Juiz, o Bispo, deveriam vir a público esclarecer o ‘erro’", complementa.

O criminalista Marcelo Feller classificou toda a operação, que recebeu como nome um raso trocadilho (carne fraca), de “tacanha irresponsabilidade”, e não culpou apenas a PF, mas também o Ministério Público Federal e o Judiciário. “Divulgaram interceptações telefônicas (o que já é criminoso per si) com interpretações tortas. A história do papelão misturado à carne, depois de ler a transcrição da interceptação, beira o ridículo. Divulgam suas suspeitas como se verdades fossem.”

Esse problema já foi noticiado pela ConJur em 2013, quando levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público mostrou que MPs estaduais tinham equipamentos para fazer grampos. À época, o criminalista Ricardo Hasson Sayeg destacou como um dos maiores problemas são as interpretações dada pelos “’analistas’ que operacionalizam as interceptações e normalmente não são sequer peritos criminais, nem têm formação jurídica, os quais muitas vezes distorcem as conversas”.

Breno Ferreira Martins Vasconcelos, advogado tributarista, também defende as investigações contra supostas irregularidades, mas, em postagem no Facebook, se diz preocupado com a generalização de todo um mercado. “Em praticamente todas as notícias nos principais veículos sobre a operação carne fraca não encontrei nenhuma comprovação de que BRF e JBS colocavam papelão no processamento de carnes ou as vendia podres ou usava carne de cabeça de porco na linguiça. Pelo que entendi, isso teria sido feito por frigoríficos do Paraná e as acusações sobre os grandes se referem ao gravíssimo crime de corrupção, pelo pagamento de propina a agentes públicos”, explica.

Números baixos
Em coletiva de imprensa, o presidente Michel Temer (PMDB-SP), destacou que apenas 21 unidades frigoríficas, de um total de 4,8 mil, estão sendo investigadas. Disse ainda que dos 11 mil funcionários do Ministério da Agricultura, são 33 os investigados. A investigação contra os frigoríficos teve 38 pedidos de prisão e 77 conduções coercitivas.

Uma dessas prisões foi a de Roney Nogueira dos Santos, gerente de Relações Institucionais e Governamentais da BRF. O executivo foi preso preventivamente na madrugada de sábado (18/3) pela PF ao chegar ao Aeroporto de Guarulhos. O executivo estava na África do Sul trabalhando e decidiu voltar ao Brasil para prestar esclarecimentos. Seu advogado Sylas Kok afirmou à ConJur nesse domingo que não havia tido ainda acesso aos autos. “Preciso ainda estudar o caso.”

A generalização e a espetacularização do caso são o tema de artigo do jurista Lenio Streck, publicado na ConJur. “Por que precisa haver entrevista coletiva? Por que divulgar diálogos resultantes de escutas telefônicas, se a lei não permite essas divulgações? Não entendi também por que foi possível interceptar o ministro da Justiça (na ocasião da intercepção, era deputado federal). Ele não tinha foro por prerrogativa de foro? Como divulgaram a sua fala?”, questiona.

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Lenio Streck questiona a divulgação dos áudios, mesmo havendo interceptação de uma pessoa com prerrogativa de foro por função.

Streck critica ainda a rotina incessante de vazamentos de informações à imprensa. Ele destaca que a prática é tão corriqueira que já “fez e faz escola”, e lembra do caso envolvendo os ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. 

Esses vazamentos em sequência também são criticados por Marcelo Feller: “Nunca se interessaram por investigar e punir os agentes públicos que vazam informações selecionadas à imprensa. Dão a impressão de que tudo bem vazar. De que tudo bem a imprensa ser sempre a primeira a saber de tudo (antes mesmo dos advogados). Ninguém nunca vai ser investigado.”

O advogado reforça que os responsáveis pelas adulterações devem ser punidos, mas pondera que a atitude foi impensada, pois foram divulgadas na imprensa as suspeitas que podem acabar com a vida de pessoas inocentes e que têm explicações sobre os fatos apurados. “Não dá pra saber, claro, de quem é a culpa dessa espetacularização. Dos vazamentos ilegais de informações sigilosas e dos grampos autorizados judicialmente. Mas o Ministério Público e o Judiciário, institucionalmente, têm culpa”, critica.

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