Segunda Leitura

Boa imagem leva anos para firmar-se, mas minutos para perder-se

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

19 de março de 2017, 8h06

Spacca
Em artigo direcionado ao mundo corporativo, Rafael Souto observa que “a reputação profissional compreende o grau de confiança que o mercado deposita numa pessoa”.[1] Transpondo o conceito para o mundo do Direito, veremos que todas as profissões jurídicas estabelecem conceitos sobre os seus membros. E destes conceitos sobrevirão importantes reflexos na vida dos profissionais, às vezes, claros, explícitos, em outras, silenciosos, sutis.

A professora da PUC-Rio, Rosa Marina de Brito Meyer, publicou no Facebook a foto de um homem que, ao que tudo indica, embarcaria em um voo, colocando as palavras: “Aeroporto ou rodoviária?”. Milhares de pessoas compartilharam aquela frase e a professora pediu desculpas publicamente.[2] Mas sua imagem ficou arranhada. Se hoje fosse indicada para um cargo importante, mesmo que fosse a melhor especialista na matéria no Brasil, sobreviriam milhares de manifestações contrárias.

Como e em quanto tempo se conquista uma boa imagem? Obviamente, não há manuais que respondam tal tipo de perguntas. E muito menos na área do Direito, que despreza soberanamente tal tipo de preocupação.

A boa imagem é, exclusivamente, individual. Isto significa que pouco importa se o jovem profissional é filho de um ministro do Superior Tribunal de Justiça ou do mais respeitado professor brasileiro. Sua imagem nada tem a ver com a de seus ascendentes, ela será boa ou má em razão de suas atitudes. A origem da família pode ajudá-lo a ingressar em um bom escritório de advocacia ou algo semelhante, mas, depois disto, sua imagem é que decidirá os rumos de sua vida profissional.

A boa imagem forma-se a partir dos bancos da Faculdade de Direito. A participação em aula, o interesse, as notas, a forma de vestir-se, a maneira de expor a opinião divergente, o cumprimento de compromisso assumido, tudo é registrado por todos e contribui para a conquista de um conceito positivo.

Os que dão atenção a tais aspectos, evidentemente, lucrarão mais tarde, seja em uma recomendação para um concurso público, uma orientação sobre um passo importante a ser tomado ou uma indicação para um bom escritório de advocacia. Todos gostam de auxiliar um jovem dedicado.

Nas carreiras públicas não é diferente. Um promotor de Justiça que reúna todas as virtudes necessárias (interesse, boa formação jurídica, dedicação etc.), poderá por tudo a perder se, embasbacado com os holofotes da fama, passar a dar entrevistas a todo momento ou a divulgar na mídia ações que resultem em sua popularidade.

A imagem de vaidoso, quase sempre mesclada com a de imaturo, acabará prevalecendo sobre todas as qualidades que possua e, pouco a pouco, fará com que sua opinião tenha pouca relevância. Não por acaso, em alguns estados o MP proíbe entrevistas sobre assuntos polêmicos.

No âmbito da Polícia Federal ou Civil, quase todas as notícias são dadas impessoalmente, apenas com a visão do logo da corporação ao fundo. Em alguns estados o delegado que dá entrevista deve estar de paletó e gravata, a fim de transmitir uma boa imagem da corporação.

Na magistratura a imagem começa no curso de formação que se segue à aprovação no concurso. Chegar atrasado já revela alguém que não respeitará horários. Recusar-se a assinar a lista de presença indica alguém que terá dificuldades em obedecer às regras. Mais tarde, no exercício da jurisdição, ironizar ou criticar decisões de colegas criará imagem de pessoa desleal e  com quem não se recomenda maior proximidade.

Ao contrário do que muitos pensam, todos se preocupam com a própria imagem. Nem mesmo um ministro do Supremo Tribunal Federal despreza o que os outros pensam dele. Talvez por isso alguns procurem mostrar-se publicamente atualizados, informais, conectados às redes sociais e à vida contemporânea. Enganam-se, contudo. O que a sociedade espera dos ministros da mais alta Corte é que sejam discretos, imparciais e absolutamente honestos. Ninguém anseia por celebridades a dar entrevistas, mas por magistrados que lhes inspirem confiança.

Apesar da imagem depender de anos para firmar-se de maneira positiva, ela pode levar minutos para ser maculada. Em outras palavras, tudo de bom que tenha sido feito em uma longa trajetória profissional pode ser esquecido diante de um só fato considerado errado.

A ministra Eliana Calmon, quando Corregedora Nacional de Justiça, em entrevista dada à Associação Paulista de Jornais (APJ), ao criticar uma ação proposta por entidade de juízes no STF, afirmou: “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.[3]

A frase transformou-se na expressão “bandidos de toga” e fez com que, sobre ela, sobreviesse revolta de toda a magistratura brasileira. É dizer, a expressão ficou colada à imagem da corregedora. Tudo o que ela fez de bom na sua vida profissional, como conseguir a remoção de aviões abandonados que apodreciam em aeroportos ou criar um manual de bens apreendidos no CNJ[4], foi esquecido.

Por vezes o agir errado não é para obter vantagem pessoal, mas sim a favor de um filho. Determinado magistrado tinha uma trajetória profissional bonita. Com base na sua excelente produtividade, foi galgando os degraus da carreira com sucesso. Já próximo da aposentadoria, viu-se envolvido em uma acusação que beneficiava o filho advogado. Em recursos no tribunal, em que a turma se dividia na forma de decidir em igual número de votos, o filho era contratado e ele se declarava impedido para julgar. Com a sua saída por impedimento legal para julgar, prevalecia a tese favorável ao filho e este recebia polpudos honorários. Apontados os fatos publicamente, a imagem construída em décadas ficou maculada, tudo com grande sofrimento pessoal.

Pode ocorrer de o profissional não ter colaborado para ter má imagem e, ainda assim, vir a ser afetado. Por exemplo, o advogado é contratado para defender alguém acusado de um crime repulsivo. Sua imagem, com certeza, sofre forte abalo, inclusive sendo fortemente atacado nas redes sociais. Há aí uma interpretação falsa e irracional por parte dos críticos. Todo acusado tem direito à defesa que, inclusive, é obrigatória. Portanto, aceitar causa pouco simpática não é, por si só, ato que mereça qualquer crítica.

E pode ocorrer, também, que notícias nas redes sociais sejam falsas e tenham por objetivo único arranhar a imagem de pessoas. Em tempos de radicalismo político como o que vivemos, não raramente se atribuem a políticos, magistrados ou agentes do Ministério Público, condutas que nunca praticaram. Nestes casos, o melhor a se fazer é ignorar a acusação, a fim de que mereça o mais rápido esquecimento ou, se inviável esta solução, dar uma resposta em nota técnica sucinta e clara.

De tudo o que foi visto, conclui-se que a imagem sempre foi motivo de preocupação (lembre-se o ditado “diga-me com quem andas e te direi quem és”), porém, atualmente, a cautela deve ser redobrada. Não apenas a conduta, mas também a forma como ela é exposta nas redes sociais.

É de todos sabido que grandes escritórios de advocacia, antes das entrevistas de candidatos a vagas, verificam o perfil da pessoa no Facebook. Há cerca de um ano um juiz federal, que deu liminar contra um conhecido político, foi acusado de publicar na sua conta no Facebook frases contra o mesmo, o que geraria suspeita quanto à sua imparcialidade.[5] Por tudo isto, discrição e cautela na exposição da imagem merecem muita atenção, pois uma imagem boa leva anos para firmar-se, mas minutos para perder-se.


Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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