Normas sem efeito

Direito Penal ineficiente tornou Brasil um "país de ricos delinquentes", diz Barroso

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17 de março de 2017, 15h21

O Direito Penal brasileiro é ineficiente e não consegue atingir aqueles que ganham mais de cinco salários mínimos. Isso fez com que tivéssemos um “país de ricos delinquentes”, onde a corrupção é o modo natural de se fazer política e negócios no país. Essa é a opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso.

Sérgio Rodas
Em palestra na PUC-Rio, Barroso afirmou que é preciso acabar com a anomalia de punir pobres e proteger ricos.
Sérgio Rodas/ConJur

Em palestra na manhã desta sexta-feira (17/3) na PUC-Rio, na capital fluminense, Barroso afirmou não acreditar que seja possível mudar o mundo com mais Direito Penal e repressão. A seu ver, isso é feito por meio de educação e distribuição de renda. Contudo, um sistema criminal como o brasileiro não exerce sua função preventiva, porque nenhum rico é punido, apontou. E isso, segundo ele, precisa mudar.

“Ninguém quer um Estado policial. Queremos que seja preservado o devido processo legal e o direito de defesa. Mas queremos um Estado onde as pessoas sejam devidamente punidas. Um Estado que puna os empresários que fraudem licitações, os operadores do mercado financeiro que lucrem com insider trading, os gestores de fundos de pensão que desviem recursos. Isso não é Estado policial, é Estado de Justiça.”

De acordo com Barroso, “é preciso enfrentar o equívoco tropicalista que acha que corrupção ruim é a dos outros”. “Não existe corrupção do bem”, avaliou, declarando que a sociedade brasileira precisa enfrentar o sistema atual, onde os que praticam crimes contra a administração pública “frequentam os mesmos banquetes” e se protegem mutuamente.

Uma das formas de mudar esse cenário, conforme o integrante do STF, é reduzir drasticamente o rol de autoridades com foro por prerrogativa de função. Para ele, o ideal seria manter no Supremo apenas as investigações e ações contra os chefes dos Poderes e os magistrados da corte. Assim, parlamentares e ministros seriam julgados por duas varas federais, uma penal e uma para casos de improbidade administrativa, que seriam criadas em Brasília. E os juízes desses órgãos teriam mandato fixo.

Sem as ações penais, o STF poderia se concentrar em seu papel fundamental: definir teses jurídicas, analisou Luís Roberto Barroso. A credibilidade do tribunal, abalada pela demora em julgar processos contra autoridades, seria restaurada. Ao mesmo tempo, tais casos correriam de maneira mais célere. E sem os efeitos negativos de tramitarem na Justiça estadual — a proteção ou perseguição dos políticos conforme a luta local pelo poder. Além disso, como os casos seriam analisados pelos mesmos juízes, ponderou, haveria uma uniformidade das decisões, aumentando a segurança jurídica.

Mas isso não basta. Na visão de Barroso, é necessário promover uma profunda reforma político-eleitoral-partidária para que os ocupantes de cargos públicos sirvam à sociedade, e não a interesses privados. Em sua opinião, o Brasil deveria adotar um sistema semipresidencialista, com voto distrital misto para o Legislativo (fora o Senado).

Maconha e aborto
Luís Roberto Barroso também reafirmou seu posicionamento em favor da legalização da maconha e do aborto, embora tenha deixado claro que nem o consumo da erva nem a interrupção da gravidez devem ser incentivados. Com relação àquele tema, o ministro votou pela descriminalização do porte e do uso da cannabis no Recurso Extraordinário 635.659, que está parado desde setembro de 2015 após pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Ele morreu em acidente aéreo ocorrido em janeiro, em Paraty (RJ).

Porém, a descriminalização do uso não é suficiente: é preciso legalizar a produção e distribuição de maconha, ressaltou o magistrado. Apenas com essas medidas seria possível diminuir o poder do tráfico nas comunidades carentes e acabar com o envio de pessoas com bons antecedentes para a prisão, de onde saem vinculadas a facções criminosas.

E mais: a regulamentação, para o magistrado, permitiria que o Estado promovesse campanhas alertando para malefícios do uso, tratasse os dependentes, e taxasse a droga. Essas medidas poderiam, na realidade, diminuir o uso de cannabis, opinou, citando que o número de fumantes diminuiu de 35% para 14% da população adulta em 20 anos com políticas públicas. Caso a legalização da maconha funcione, o mesmo deveria ser feito com a cocaína, e assim por diante, sugeriu Barroso.

Quem acompanhou o voto dele no Habeas Corpus 124.306 sabe que o ministro é favorável ao aborto. Mas ele reforçou a impressão de que votará pelo provimento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, na qual o Psol pede a legalização da interrupção da gravidez feita nos três primeiros meses. Em sua opinião, a criminalização não impede a prática, apenas coloca as mulheres em risco — especialmente as pobres, que têm menos acesso à educação sexual e à rede de saúde.

Aproveitando que estava discursando em uma entidade católica, Barroso lembrou que os países onde essa religião é mais forte autorizam a interrupção da gravidez: Itália, França, Espanha e Portugal.

“Que raio de política pública é essa que praticamos, que ninguém mais pratica? A descriminalização não impede ninguém de ser contra o aborto. Só não impõe essa crença a todos”, concluiu.

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