Olhar Econômico

Nova gestão do Itamaraty: continuidade, atualização e dinamismo

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

16 de março de 2017, 8h43

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]Há cerca de uma semana, tomou posse como Ministro de Estado das Relações Exteriores, o Dr. Aloysio Nunes Ferreira Filho, cujo discurso de posse merece uma exegese, pois em seis páginas conseguiu delinear o objetivo de sua atuação, apresentar os respectivos fundamentos, fazer asseverações importantes, fixar propósitos e comprometer-se em ações imediatas.

O objetivo estabelecido foi manter e atualizar as diretrizes de seu antecessor no Ministério das Relações Exteriores, Dr. José Serra, reorientando-o na nova fase da vida e das relações internacionais do Brasil, para que a política externa brasileira esteja sempre alinhada com os reais valores e os legítimos interesses nacionais.

As proposições feitas pelo ministro estão fundamentadas na estatura do Brasil: (i) em suas dimensões territoriais; (ii) populacionais; (iii) econômicas, por ser uma das maiores economias do mundo; (iii) ambientais, em razão de seus recursos naturais, cobertura florestal e energia limpa e diversificada; (iv) agrícolas, agricultura moderna que alimenta o mundo; (v) industriais; (vi) de mercado interno; além de (vii) atraentes oportunidades de investimento. Como ator global, possui peso específico, tradição histórica como membro da comunidade internacional e credibilidade, tanto na diplomacia bilateral, quanto na multilateral, junto aos organismos internacionais; sendo respeitado, quer, por sua qualidade intrínseca, quer, por sua atuação agregadora e construtiva.

Duas asseverações aduzidas são dignas de destaque: (i)é histórica no Brasil, a ideia da inseparabilidade entre política externa e política interna, presente desde a consolidação do Estado nacional brasileiro, ativa na passagem da monarquia para a república, cuja compreensão e colocação em prática teve no Barão do Rio Branco, um ponto alto e a partir do qual se transformou em ideia força. Há que se distinguir a política externa, permanentemente a serviço do País, dos alinhamentos partidários e ideológicos temporários; pois, na prática, a política externa deve superar os limites da situação e oposição, em dado momento; e (ii) “A explosão de violência criminosa em nossas cidades, em nossos presídios, está intimamente ligada ao que se passa … por nossas fronteiras, nos dois sentidos.”

Propósitos de várias naturezas foram apresentados. Reafirmou-se o princípio constitucional da “prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais…” No tocante ao comércio, formulou-se o intuito de aumentar, globalmente, a competitividade comercial, de investimentos e de intercâmbio tecnológico, que redundem em novas oportunidades de progresso e desenvolvimento para o Brasil, por meio de negociações equilibradas, que consagrem a reciprocidade, combinada com a eficiência. Nessa linha, priorizar-se-á: (i) a promoção comercial e de investimentos, de que a vinculação da Agência Brasileiro de Promoção, Exportação e Investimentos (Apex) ao MRE é uma ferramenta e um símbolo; (ii) a integração do MRE com outras áreas governamentais, especialmente com o Ministério da Indústria, Comércio e Desenvolvimento (iii) o Sistema Multilateral de Comércio — a Organização Internacional do Comércio (OMC) — como um dos pilares centrais da ordem econômica mundial; (iv) o revigoramento e a renovação do Mercosul, afirmando “seu propósito inicial de se constituir uma área de livre comércio [e] multiplicar seus acordos com outros países e blocos”; (v) o reforço de atuação em foros como o Grupo dos 20 (G-20)[1], Brics[2] e Ibas[3] ; (vi) aproximação da Aliança do Pacífico[4] com o Mercosul; e (vi) maior proximidade com os países asiáticos (Japão, Coreia e China) e do Oriente-Médio. Relativamente a outros aspectos do MRE, explicitou-se: (i)atenção prioritária aos brasileiros que vivem no Exterior; (ii)implantação do visto eletrônico de entrada no país; (iii) restabelecimento do espaço político e da disponibilidade de recursos para o MRE, que propiciem meios adequados para o cumprimento de suas funções; e (iv) valorização das carreiras do Serviço Exterior Brasileiro e demais carreiras do Itamaraty.

No que tange às prioridades de relacionamento mundial, inclusive de caráter bilateral, foram citados pelo Chanceler, nessa ordem: (i) os países da Américas Latina, do Sul, Central e Caribe; (ii) os Estados Unidos da América, “em bases mutuamente benéficas”; (iii) os Estados Europeus (incluindo os países do Leste e a Rússia, parceiro tradicional que continuaremos a valorizar), com expressa menção ao Acordo MERCOSUL e União Europeia, em negociação adiantada; (iv) países asiáticos: Japão (“nosso parceiro mais tradicional na Ásia”), China (cujas relações “merecem uma atenção condizente com a escala e a natureza singular do intercâmbio”), Índia e Indonésia); (v) países em desenvolvimento, especialmente os africanos, que, nos últimos anos cresceram extraordinariamente e com os quais há grande factibilidade em compartilhar tecnologia agrícola “mediante arranjos inovadores, maior cooperação entre entidades de pesquisa, intercâmbio de especialistas, investimentos e parcerias empresariais”; e (v) os países do Oriente-Médio, “que devem ser – e serão – objeto de esforço contínuo de aproximação … em todos os campos.”

O ministro, ademais, propôs-se a realizar ações imediatas: (i) reunir-se com as chefias de todas as áreas do MRE para conversa franca sobre temas preocupantes, como o protecionismo estatal e a retórica anti-imigração (“o Brasil continuará a ser um país aberto aos estrangeiros;” (ii) viajar à Argentina (“parceira maior e prioritária do Brasil”), para encontro com os chanceleres desse país e do Paraguai e Uruguai; (iii) encontro nosso com os chanceleres de Chile, Colômbia, México e Peru; (iii) encontro com os países fronteiriços do Brasil, para tratar da segurança e do desenvolvimento das faixas de fronteiras; e (iv) reunir-se com o Ministro de Estado da Defesa do Brasil, com o intuito de aprofundar a cooperação entre o MRE e o Ministério da Defesa, principalmente no combate ao crime transnacional.

Embora o discurso de posse do novo chanceler tenha sido relativamente curto, abordou todos os assuntos relevantes de competência do MRE: desde as questões de política externa até os assuntos de cunho interno. As tônicas, de continuidade e atualização da gestão anterior, revelam a responsabilidade e o tirocínio do atual ministro, pois, muito embora cambiem-se os gestores, o MRE como instituição é permanente e somente tem a ganhar com a continuidade de diretrizes que consagram políticas públicas de Estado, desde que devidamente atualizadas e temperadas com o dinamismo que lhe é peculiar.


[1] Grupo das dezenove maiores economias do globo, mais a União Europeia.

[2] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

[3] Índia, Brasil e África do Sul

[4] Rodas, João Grandino, Haverá futuro para os tratados TPP e TTIP, Revista Eletrônica Consultor Jurídico de 16 de fevereiro de 2017.

Autores

  • Brave

    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!