Sem imparcialidade

Devido a bônus, auditor fiscal declara-se impedido para elaborar parecer

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12 de março de 2017, 15h37

O servidor público que tiver interesse, direto ou indireto, na matéria tratada no processo administrativo fica impedido de atuar nele. Com base nessa regra, determinada pela Lei 9.784/1999, um auditor fiscal que atua na alfândega do Aeroporto de Viracopos (Campinas-SP) disse não ter imparcialidade para elaborar parecer analisando auto de infração de perdimento de mercadorias devido ao seu interesse em receber “bônus de eficiência”.

O benefício foi criado em dezembro de 2016 pela Medida Provisória 765. Foi a saída encontrada pelo governo para aumentar a remuneração de auditores fiscais sem conceder-lhes aumento salarial, que precisa de aprovação de lei. De acordo com a MP, o dinheiro para pagar o bônus virá de um fundo composto das multas que forem aplicadas a contribuintes em autuações fiscais.  

Mas o benefício é polêmico. Para advogados e especialistas em tributação, o bônus cria um incentivo para que os auditores apliquem mais multas e as qualifiquem durante as autuações. E acreditam ser pior o fato de o incentivo ser pago também aos auditores que atuam como membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) e nas delegacias de julgamento da Receita (DRJs). Entendem que o mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.

A Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB avaliou que o “bônus de eficiência” pago a auditores fiscais é inconstitucional. De acordo com parecer do tributarista Igor Mauler Santiago, a verba viola o princípio constitucional da moralidade, além de afrontar a vedação constitucional da destinação de tributos a fins privados. O documento foi enviado ao conselho, que discutirá o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o benefício.

Por essa interferência nos votos dos conselheiros, a Justiça Federal vem tirando processos do Carf de pauta. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. A corte reconheceu a repercussão geral num recurso que discute se a administração fazendária pode pagar bônus a auditores fiscais conforme as multas aplicadas. Portanto, o tribunal vai julgar o recurso, que questiona uma versão estadual do “bônus de eficiência” pago a auditores da Receita Federal conforme as multas que apliquem a contribuintes autuados.

Sem isenção
O auditor fiscal de Viracopos, que teve seu nome preservado em respeito aos sigilos fiscal e funcional, entende que o “bônus de eficiência” impede que um servidor opine sobre um processo administrativo que possa beneficiá-lo.

“A prática do ato administrativo de elaborar um parecer que versa sobre o procedimento fiscal e abarca a análise do auto de infração de perdimento de mercadorias e da respectiva impugnação fica permeada pelo interesse particular do ocupante do cargo de auditor fiscal.”

Para fundamentar seu argumento, ele cita o artigo 18, I, da Lei 9.784/1999, que afirma que o servidor que tem interesse direto ou indireto na matéria tratada no processo administrativo fica impedido de atuar nele.

Outra norma em que o auditor se baseia é a Portaria RFB 773/2013, que estabeleceu o Código de Conduta dos servidores da Receita Federal. O artigo 22 dessa portaria estabelece ser “dever do agente público declarar-se impedido, sempre que houver interesse próprio”, especialmente em procedimentos fiscais, aduaneiros ou processos administrativos de qualquer natureza.

O servidor também aponta que o Código de Conduta busca aprimorar a atuação da Receita Federal. E, para isso, fixa que os auditores fiscais devem evitar os conflitos de interesses, que se fazem presentes “quando há confronto entre os interesses público e privado, decorrente, por exemplo, do exercício da atividade que possa transmitir à opinião pública dúvida quanto à moralidade, clareza de posição e decoro do agente público, ainda que não exista qualquer ganho”.

Segundo o funcionário da alfândega de Viracopos, o “bônus de eficiência” gerou essa dúvida quanto à isenção na atuação do Fisco. Tanto que a Justiça Federal, a OAB e o Ministério Público Federal já se pronunciaram levantando questões a respeito da imparcialidade dos auditores que recebem essa gratificação.

Com base nesses fundamentos, o auditor de Campinas declarou-se impedido para atuar no processo administrativo.

Clique aqui para ler a íntegra do parecer.

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