Opinião

Utilização do termo "indiciado" não deve ser feita para qualquer investigado

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11 de março de 2017, 7h30

O termo “indiciado”, utilizado no Código de Processo Penal 19 vezes, sendo 10 delas no título II, qual seja “do inquérito policial”, encontra-se em descompasso com o atual ordenamento jurídico pátrio, o que se constatará por meio da breve análise a seguir.

Sabe-se que, sucintamente, o inquérito policial é uma sequência de atos (procedimento) de polícia judiciária, com intuito de elucidar fatos aparentemente criminosos – autoria e materialidade.

 Importante consignar, nesse primeiro momento, a leitura moderna acerca deste procedimento, ou seja, o inquérito policial é (e deve ser) instaurado para elucidar os FATOS, sem que haja a necessidade da busca sagaz pela responsabilização do investigado.

Destarte, referido procedimento de Polícia Judiciária tem o atributo de ser útil para a acusação quando houver a deflagração de ação penal, bem como, eventualmente, para a defesa do investigado, sendo que esta poderá, até mesmo e ao contrário do que muitos pensam, “beneficiar-se” dos argumentos do Delegado de Polícia para o não indiciamento – fato atípico, presença de excludentes de antijuridicidade/culpabilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade.

A análise preliminar acima mostra-se fundamental para que possamos compreender exatamente a importância do ato, tendo em vista que, procedendo ao indiciamento, o Delegado de Polícia, obedecendo aquilo que dispõe o ordenamento jurídico, DEVE fundamentar a tipicidade (formal e material) da conduta, a ausência das excludentes acima mencionadas e, consequentemente, os indícios de autoria e materialidade.

A título de exemplo quanto à incoerência do termo “indiciado” no Código de Processo Penal, será citado o artigo 6º, incisos V, VIII e IX, extraído do referido diploma.

O primeiro artigo citado trata das medidas que devem ser adotadas pelo Delegado de Polícia assim que tiver conhecimento da prática da infração penal. Em seguida, nos incisos, é possível verificar a menção acerca da necessidade de ouvir o indicado (V), identifica-lo (VIII) e averiguar a sua vida pregressa (IX). Ocorre que, em todos os incisos, o termo correto seria “investigado” ou “conduzido”, sendo que este último, após a análise técnica-jurídica do Delegado de Polícia, inexistindo fato típico e sem a lavratura do auto de prisão em flagrante, sequer será investigado.

Isso porque, apesar de o Código Processual mencionar “logo após a prática de infração penal”, há casos em que se constata a ausência de tipicidade apenas durante a regular oitiva de eventuais conduzidos, ou seja, tem-se a não constatação de um fato que, aparentemente, era criminoso, motivo pelo qual o Delegado de Polícia exerce papel fundamental, funcionando como verdadeiro filtro em face de eventuais ilegalidades.

Portanto afirma-se a incoerência do adjetivo utilizado pelo CPP, tendo em vista que, mesmo não havendo momento exato para o indiciamento formal, tal ato se dá apenas quando presentes todos os requisitos elencados, isto é, quando o Delegado de Polícia, no início, meio ou ao final (regra) do inquérito policial, convence-se de que estão presentes indícios de autoria e materialidade.

Aliás, raras são as vezes que se pode formar a convicção no lapso temporal mencionado pelo CPP, qual seja: “logo que tiver conhecimento da prática da infração penal”.

Não havendo provas suficientes e hábeis a trazer à tona eventual infração penal (crime, pois contravenções são apuradas por meio de termo circunstanciado), o não indiciamento passa a ser um “deixar de” obrigatório para o Delegado de Polícia, observados os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, nos termos da Constituição da República de 1988, evitando indiciamentos que possam causar danos irreversíveis.

Em que pese se tratar de procedimento investigativo, estamos diante de uma das fases da persecução penal e, pode-se dizer, o “ponta-pé” inicial para a deflagração da imensa maioria das ações penais.

Nesse ponto, podemos afirmar que o Código de Processo Penal encontra-se desatualizado e vai de encontro aos preceitos jurídicos atuais, especialmente aqueles estabelecidos pela Carta Magna e Lei Federal n. 12.830/13, uma vez que, diversas vezes, traz o adjetivo “indiciado” de maneira equivocada, antes mesmo de haver o convencimento da Autoridade Policial quanto aos indícios de autoria e materialidade.

 Por meio da leitura dos dispositivos supramencionados, constata-se que o inquérito policial, naquele momento, carece de diligências (em andamento), ou seja, o Delegado de Polícia não formou a convicção necessária para indiciar eventual investigado.

Muitos poderiam afirmar que não há consequências jurídicas imediatas com o ato de indiciamento, pois bem, questiona-se: também não há tais consequências quando há uma denúncia oferecida pelo Ministério Público e não recebida pelo Judiciário? Ou, então, um réu absolvido mesmo diante do pedido de condenação formulado pelo Ministério Público em alegações finais?

Veja-se, não se quer, neste ponto, afirmar que o inquérito policial possui o status de processo judicial, mas sim que se trata de uma das fases da persecução criminal, sendo evidente no mundo jurídico o fato de que quase a totalidade dos processos criminais são oriundos de inquéritos policiais, daí a importância do ato de indiciamento.

A Lei Federal n. 12.830/2013 dispõe, em seu artigo 2°, §6º, que “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.”

A respeito do tema já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: "o indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se ao mero suspeito a autoria do fato criminoso" (STF, Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 133.835, Min. Rel. Celso de Mello, j. 18/02/2016).

E, ainda, claramente tem sido reconhecido que o ato do indiciamento possui efeitos jurídicos imediatos, conforme se pode observar no julgado abaixo transcrito:

“PACIENTE CONDENADO PELA PRÁTICA DE CRIME DE ESTELIONATO. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MINIMO LEGAL. CUMPRIMENTO DO REGIME SEMIABERTO. Incensurável a dosimetria da pena, tendo em vista tratar-se de paciente com antecedentes desabonadores, consistentes em indiciamento em outro inquérito policial instaurado para apuração de crime da mesma natureza (contra o patrimônio). (RTJ 142/164 – ministro Celso de Mello). Habeas Corpus indeferido” (HC 72.463, relator ministro ILMAR GALVÃO. Grifei). 

Torna-se evidente que a medida adequada e nos termos da atual leitura Constitucional (CRFB 1988) seria a imediata renovação/alteração legislativa, com utilização adequada do termo “indiciado” no Código de Processo Penal, não o tratando de maneira genérica como referência a qualquer investigado e/ou conduzido.

Entretanto, mais uma vez (ao que tudo indica) a leitura moderna dos dispositivos inseridos no Código de Processo Penal quanto ao ato de indiciamento caberá aos aplicadores do direito, especialmente ao próprio Delegado de Polícia por meio de relatórios, manifestações e representações.


Referências

PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. O indiciamento como ato de polícia judiciária. Revista dos Tribunais, n. 577.

CONCEIÇÃO, Fabrício Santis. Delegado é o “Senhor da Tipicidade Penal”?. Disponível em <http://delegados.com.br/exclusivo/121-colunas/fabricio-de-santis/792-delegado-de-policia-senhor-da-tipicidade-penal>.

STEINER, Sylvia. O indiciamento em inquérito policial como ato de constrangimento – legal ou ilegal. Revista Brasileira de Ciência Criminais, v. 24, 1998, p. 307.

ANSELMO, Marcio Adriano. Ato de indiciamento deve ser devidamente fundamentado. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-out-13/academia-policia-ato-indiciamento-devidamente-fundamentado.

BRASIL. Lei 12.830 de 20 de Junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Legislação Federal. Sítio eletrônico internet – planalto. gov.br.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Legislação Federal. Sítio eletrônico internet – planalto. gov.br.

 

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