Ambiente Jurídico

Tendências que repercutem no meio ambiente de países desenvolvidos

Autor

  • Eduardo Coral Viegas

    é promotor de Justiça no MP-RS graduado em Direito pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) especialista em Direito Civil mestre em Direito Ambiental palestrante ex-professor de graduação universitária atualmente ministrando cursos e treinamentos e integrante da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. Autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

11 de março de 2017, 8h00

Spacca
Neste verão, passei o mês de fevereiro na Europa, em férias. A maior parte do tempo foi na Itália. Sim, vi as obras clássicas de Michelangelo: com destaque para a Capela Sistina (Vaticano) e David (Galleria dell'Accademia, Florença); e de Leonardo da Vinci: a mais impressionante realmente é a Última Ceia, pintada no refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie (Milão). Em outra viagem, tinha visto a Mona Lisa, também de Da Vinci, no Louvre, em Paris. São obras incríveis, como também é incrível a história do Velho Mundo.

Mas não é sobre cultura, arte ou história que vou escrever. Esse enfoque pode ser melhor trabalhado por nosso colunista Marcos Paulo de Souza Miranda, grande especialista em patrimônio cultural. Resolvi compartilhar neste espaço alguns aspectos que me chamaram a atenção andando pelas ruas, observando comportamentos e tendências que repercutem no meio ambiente de países classificados como desenvolvidos.

Um dos objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU está assim vazado: “Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”. Nenhum estudo sério nega a existência do aquecimento do planeta. Ele foi produzido pelo homem e o destruirá, juntamente com o fim da natureza, se medidas imediatas e eficazes não forem tomadas[1].

A diminuição de emissões de gases de efeito estufa, nesse contexto, é uma necessidade inexorável. No site do Greenpeace, a temática é abordada com a apresentação do problema e indicação de soluções. Uma delas é a seguinte: “Adaptar a mobilidade das cidades para que elas proporcionem transporte público eficiente e deslocamentos seguros e confortáveis às pessoas, de modo a reduzir a dependência do uso de automóveis e da queima de combustíveis fósseis”[2].

Sem entrar no mérito de quem foram os maiores responsáveis pelo aquecimento global e pela dependência mundial ao petróleo, o que vi andando pelas cidades europeias é a utilização prevalente do transporte público. Os metrôs, por exemplo, apresentam uma série de vantagens: levam muitas pessoas de uma só vez, são rápidos, o usuário sabe o tempo de espera entre um coletivo e o seguinte, não utilizam combustíveis fósseis, além de fugir ao trânsito — notória causa de estresse do homem pós-moderno.

Também se pode viajar entre cidades e países em trens confortáveis, rápidos e seguros. O investimento é alto para a implantação de linhas de trem e metrô; não há dúvida disso. No curso das obras, imprevistos podem surgir, como vem acontecendo com a construção da terceira linha em Roma, onde riquezas arqueológicas surgem em abundância na perfuração do subsolo, tornando os avanços lentos e delicados. Porém, os benefícios são incontáveis e se prolongam no tempo, de forma que se sobrepõem aos custos e às dificuldades.

Andamos também de ônibus e trens de superfície. São igualmente bastante utilizados, sobretudo onde os metrôs não circulam. Os ônibus assemelham-se ao que temos no Brasil. Inclusive, em Roma, todas as vezes que usamos essas duas espécies de coletivos, ficamos em pé e espremidos. E nessas condições os riscos de furto existem. Não foram poucos os relatos que ouvimos nesse sentido.

A propósito, em situação que não posso precisar, levaram meu iPhone em Chamonix, na França. Mas, para ser honesto, confesso que “investiguei” — coisa de promotor — sobre roubos, emprego de armas de fogo, facas, e sempre me disseram que o assunto não é conhecido por aquelas bandas. Quem dera pudéssemos dizer o mesmo! Afinal, nos dias de hoje, vem a calhar o ditado popular “Vão-se os anéis, ficam os dedos”.

Foi o que aconteceu comigo. Em 10 dias, eu já estava com outro telefone. É caro? Sim, caríssimo. Todavia, “bem de primeira necessidade”, tanto aqui como na Europa ou em qualquer lugar do mundo. Até os japoneses trocaram suas "supermáquinas" fotográficas pelas pequenas câmeras dos smartphones.

O WhatsApp e o Facebook não param um minuto. As pessoas entram nos metrôs, para citar apenas um lugar de que falamos, e a primeira coisa que fazem é se conectar à web. É um vírus que atinge a todos e nos deixa obcecados, doentes. Nesse ponto, reconheço que não foi nada fácil viver 10 dias sem meu iPhone.

Me chamou bastante atenção fato que presenciei no aeroporto. Duas freiras, sentadas lado a lado, uma bem velhinha, e a outra aparentando uns 35 anos. Ficaram sem trocar uma palavra por mais de uma hora, período em que não tiraram os olhos da telinha. De um lado, concluí que não sou anormal por ser mais um viciado produzido por Google, Apple e Facebook. Por outro, percebi que ninguém escapa dessa alienação coletiva.

Após essa breve digressão sobre comportamentos, volto ao tema propriamente dito: ambiente. Constatei que os demais veículos diferem daqueles vistos por aqui e, mais ainda, nos Estados Unidos — onde preponderam os maiores do que no Brasil. Os automóveis são como regra bem pequenos, com espaço para duas e até uma pessoa. E as motocicletas que dominam as ruas são do tipo Biz.

Eduardo Viegas/Arquivo pessoal
Eduardo Viegas/Arquivo pessoal

Outra peculiaridade, se compararmos à nossa realidade, é que vimos diversos ônibus e carros elétricos. A propósito, é comum ver nas ruas automóveis sendo carregados por cabo, como mostra a foto ao lado. Estacionamento privado quase não há; as edificações são muito antigas e não previam garagem, de tal forma que os lugares nas ruas são disputadíssimos e sempre pagos. Esse fator, por certo, também estimula muitos a não terem um meio de transporte individual, o que repercute positivamente no ambiente, como já se assinalou.  

Eduardo Viegas/Arquivo pessoal
Eduardo Viegas/Arquivo pessoal

Andando pelas ruas, vê-se muita arte, pois a Itália é, de fato, um museu a céu aberto. No entanto, os povos desenvolvidos nem sempre são tão civilizados como se imagina. Uma ação tida como criminosa no Brasil (artigo 65 da Lei 9.605/98) é corriqueira tanto por aqui quanto por lá: a pichação de prédios, públicos ou privados, assim como de outros espaços, como ilustra a fotografia que tirei de dentro do trem que pegamos de Veneza para Roma.

Nas calçadas, por todos os lados, basta olhar para o chão e ver tocos de cigarros brigando por espaço. Já tinha observado isso em outra oportunidade, e infelizmente agora constatei o mesmo: os europeus fumam um cigarro atrás do outro. De vez em quando flagrávamos alguém não fumando. Aí eu pensava: "Uau, encontrei um que não fuma!". Doce ilusão. Era só observar atentamente para chegar à conclusão de que estava apenas no intervalo — curto — entre um cigarro e outro. Fui fumante passivo incontáveis vezes. Aqui estamos bem mais avançados nesse sentido: menos fumantes e não se pode fumar em diversos lugares onde no Velho Mundo ainda é permitido.

Já a onda de ter cachorro atingiu brasileiros e italianos. Eles estão por todos os lugares, são grandes e pequenos, de raça ou vira-latas, vivem em apartamentos, os moradores de rua são adorados por eles. Enfim, até aqui nada diferente de nosso cotidiano. No entanto, por lá, os dogs frequentam shopping centers, lojas, farmácias, restaurantes, andam de ônibus, metrôs. Chamaram nossa atenção. Será uma tendência, como a dos veículos elétricos? Curiosamente, não vi eles fazerem suas necessidades nos ambientes públicos. Talvez, nesse aspecto, os cachorros europeus sejam mais educados do que os nossos.

Sobre o armazenamento e recolhimento do lixo nas ruas, presenciei duas coisas diferentes do que estou habituado a ver. Em Florença, as diversas lixeiras específicas para cada tipo de material, que se assemelham às do Brasil em algumas localidades, transformam-se em contêineres (veja o vídeo abaixo). Otimização de espaço, de catação de lixo nas ruas, de mau cheiro: eis algumas das vantagens do moderno sistema.

Eduardo Viegas/Arquivo pessoal
Eduardo Viegas/Arquivo pessoal

Em Veneza, deparei-me com uma forma de efetiva aplicação do princípio da logística reversa, pois há pontos de recolhimento de pilhas na calçada, como na foto ao lado, o que torna prática a devolução do material tóxico e estimula esse hábito.

Os problemas ambientais são sistêmicos, estão interligados e são interdependentes[3]. Por isso, comecei falando de aquecimento global e terminarei relacionando-o à crise hídrica, um dos temas mais sensíveis deste século. A cidade de Veneza, turística por suas peculiaridades, está listada entre um dos 31 sítios do Patrimônio Mundial que correm sérios riscos pelos efeitos da mudança do clima, conforme a Unesco divulgou em recente estudo[4].

Eduardo Viegas/Arquivo pessoal
Eduardo Viegas/Arquivo pessoal

Andando pela pequena cidade do Vêneto, pude ver nas águas que ocupam seus 177 canais de navegação que o lixo torna menos românticos os caros e tradicionais passeios de gôndola disponíveis aos turistas. Além disso, são dezenas de milhares de pessoas, entre residentes e gente de todas as partes do mundo que por lá passam, a despejar esgoto diretamente nos canais. Não há um metro cúbico de esgotamento sanitário tratado.

Sai de lá dois dias antes de o Carnaval de Veneza começar. Uma pena. Seria uma experiência única. As tradicionais máscaras já estavam por todos os lados, inclusive nos rostos das pessoas. A praça de São Marcos estava completamente transformada para receber os milhares de foliões.

Mas, chegando ao Brasil, deu para assistir à vitória da Portela, após 33 anos de jejum. E me lembrou muito de Veneza, pois o samba-enredo da campeã de 2017 trata justo das águas, com o título “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver esse rio passar”. Talvez por minha ligação de anos em defesa dos recursos hídricos, matéria “do meu coração”, admito que senti o corpo arrepiar, em Veneza, quando andava de gôndola e por todos os lados via a podridão deixada por nossos semelhantes. Mesmo assim, a cidade é de voltar. Espero que, em meu retorno, o arrepio seja por outro motivo, em festejo, tal como enaltece o samba-enredo da Portela.


[1] Nesse sentido: “As perspectivas são sombrias, e, ainda que consigamos reagir com sucesso, passaremos por tempos difíceis, como em qualquer guerra, que nos levarão ao limite” (LOVELOCK, James. A vingança de gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006, p. 23).
[2] http://www.greenpeace.org/brasil/pt/O-que-fazemos/Clima-e-Energia/, acesso em 6/3/2017.
[3] CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Editora Cultrix, 1996, p. 23
[4] https://nacoesunidas.org/mudanca-climatica-ameaca-31-sitios-do-patrimonio-cultural-e-natural-alerta-onu, acesso em 6/3/2017.

Autores

  • é promotor de Justiça no MP-RS, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Civil e mestre em Direito Ambiental. Foi professor de graduação universitária e atualmente ministra aulas em cursos de pós-graduação e extensão. Integra a Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente. É autor dos livros Visão Jurídica da Água e Gestão da Água e Princípios Ambientais.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!