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STJ analisará validade de escutas ambientais em sala de delegacia

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6 de março de 2017, 9h04

A validade de escutas em salas de delegacias, ainda que instaladas com o argumento de proteger o investigado, será julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. O ministro Rogério Schietti Cruz liberou para julgamento o caso de dois acusados de participar do assassinato do ex-prefeito de Macuco (RJ) Rogério Bianchinni, que foram gravados em áudio e vídeo dentro da Divisão de Homicídios de Niterói enquanto conversavam com seus advogados.

A gravação foi permitida pela juíza Samara Freitas Cesário, da Vara Única da Comarca de Cordeiro e Macuco, no Rio de Janeiro. Ela justificou a medida alegando a necessidade de preservar a integridade física dos acusados e evitar qualquer abuso policial. Só que as informações foram usadas pela própria juíza para decretar a prisão preventiva de um dos acusados.

Segundo a defesa, a prisão foi decretada porque Douglas teria feito um sinal para Daniel supostamente informando-o de que o ambiente estaria interceptado. Os gestos foram encarados como tentativa de obstruir a investigação.

O advogado Carlo Huberth Luchione, do Luchione Advogados, diz que foram foram captados diálogos entre cinco advogados e seus clientes: Douglas Espíndola, ex-vereador do município preso em outubro de 2015 acusado de participação no crime e solto sob o fundamento de que irá ainda demorar um possível julgamento pelo Tribunal do Júri, e Daniel Aleixo Guimarães, apontado pela polícia como motorista do carro usado no crime.

“Toda a diligência levada a cabo pela autoridade policial é revestida de nulidade absoluta porque foi arquitetada para violar o sigilo das comunicações entre clientes e cinco advogados, de modo que todas as provas produzidas em decorrência desta diligência devem ser retiradas dos autos, assim como todas as decisões fundamentadas nestas provas anuladas, inclusive a que decretou a prisão preventiva de Douglas", argumenta o advogado, citando o artigo 157 do Código de Processo Penal.

Já a juíza, ao decidir pela legalidades das gravações, negou utilização de qualquer diálogo com a defesa, mas apenas o trecho que demonstraria “sua comunicação com o corréu Daniel”. Segundo ela, a sala onde o sistema de gravação de som e imagem foi instalado servia para espera e é de livre acesso dos investigadores.

Citou ainda precedente do Supremo Tribunal Federal que reconhece a quebra de sigilo “sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguardas de práticas ilícitas” (Habeas Corpus 70.814, relatado pelo ministro Celso de Mello).

No questionamento sobre as escutas, a defesa pediu também perícia sobre o material para compreender melhor alguns trechos. “A alegada baixa qualidade do áudio, questionada pela defesa, é justamente motivo para garantir o sigilo das comunicações entre clientes e advogados, uma vez que em momento algum é possível ouvir e entender com clareza o que é falado entre eles”, respondeu a juíza, que determinou ainda a retirada das imagens do processo.

Ordem pública
A questão foi levada ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que manteve o entendimento de primeiro grau. Segundo a 1ª Câmara Criminal, a medida é justificada pela manutenção da ordem pública e pelo impacto social do crime, inclusive, com a repercussão na mídia. Para manter a validade da medida, o colegiado apontou ainda que o sigilo das escutas e sua retirada do processo já havia sido determinado pela juíza.

“A escuta ambiental para a captação de diálogos e movimentos entre os investigados durante a manutenção destes em recinto fechado na sede da Divisão de Homicídios, diga-se, resguarda inclusive os interesses dos próprios investigados, a fim de evitar abusos da autoridade policial, conforme aventado por alguns investigados nos diálogos interceptados nos autos”, registrou o acórdão.

O STJ já julgou dois recursos sobre esse caso. O primeiro, apresentado no começo de setembro de 2016, foi negado liminarmente sob a tese de que o fato de advogados constarem em gravações ambientais judicialmente autorizadas não anula, por si só, a prova. A retirada do material dos autos também foi citada como motivo para manutenção da validade das gravações.

O ministro Schietti Cruz também rejeitou um segundo recurso movido no fim de setembro de 2016 pela Ordem dos Advogados do Brasil juntamente com a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. “É importante registrar que a legitimidade de intervenção, consignada no art. 49, parágrafo único, da Lei n. 8.906/1994, restringe-se a inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB", avaliou o ministro na ocasião.

Imagens comprometedoras
Além das gravações de imagem e som pelas câmeras, a defesa questionou um aparelho retirado da sala de espera da delegacia logo depois que advogados e réus conversaram sobre o caso. Eles afirmam que ao fim da gravação é possível ver um dos policiais indo até um móvel guardado no local e pegando um gravador, que lá estaria escondido, para entregar o aparelho ao delegado, dizendo em seguida que o conteúdo seria ouvido depois.

Além disso, a defesa afirma que as imagens mostram que as interceptações foram implantadas apenas para gravar advogados e clientes. “Tão logo obteve a autorização judicial, a autoridade policial buscou alocar Daniel e seu advogado dentro da sala vigiada, para a qual são levados Douglas e sua advogada, deixando lá os quatro, ‘sozinhos’.”

No depoimento sobre as escutas, o inspetor de polícia Ricardo Moreira disse que tomou tal atitude para proteger a própria segurança. Já o delegado responsável pela 154ª Delegacia de Polícia de Cordeiro, Robson Pizzo Braga, confirmou as gravações ao dizer que um diálogo entre Douglas e seu advogado havia sido interceptado.

Na conversa, um dos advogados teria aconselhado seu cliente a jogar fora o celular, porque o aparelho estaria sendo monitorado. Além das escutas, a defesa diz que a quebra de sigilo telefônico de todos os telefones que transitaram por Macuco no dia da morte do ex-prefeito chegou a ser deferida pelo juízo, mas não há detalhamento por escrito de atividades nem relatórios das operadoras sobre o tempo de duração das interceptações. 

Clique aqui para ler a decisão de primeiro grau.
Clique aqui para ler a primeira liminar do STJ e aqui para ler a segunda.

RHC 75.851

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