Opinião

Recente decisão do STJ revolucionou direito de precedência no uso de marca

Autor

  • Newton Silveira

    é advogado especialista em Propriedade Intelectual diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual mestre em Direito Civil e doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor de Direito Comercial na Graduação e de Propriedade Intelectual na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP.

6 de março de 2017, 6h58

O acórdão prolatado no REsp 1.484.975-PR parece ter trazido importante inovação na apreciação da questão em tela, em que foi relatora a ministra Nancy Andrighi (julgado em 1º/12/2016 – v.u.).

Destaco os itens 6, 7 e 8 da ementa da decisão prolatada:

“6. É possível o reconhecimento judicial da nulidade do registro de marca com fundamento em direito de precedência (art. 129, §1º, da Lei 9.279/1996).

7. A Lei de Propriedade Industrial protege expressamente aquele que vinha utilizando regularmente marca objeto de depósito efetuado por terceiro, garantindo-lhe, desde que observados certos requisitos, o direito de precedência de registro.

8. Hipótese em que os juízos de origem — soberanos no exame do acervo probatório — concluíram que a recorrida, de boa-fé, fazia uso de marca designativa de produto idêntico ou semelhante, há mais de seis meses antes do pedido de registro formulado pela interessada”.

O recurso especial em exame foi proposto pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) sob a alegação de “que o direito de precedência de uso de marca, exceto na hipótese de constatação de má-fé, deve ser apontado pelo utente antes da concessão efetiva do registro” e “que a decisão sobre a anulação ou não do registro é matéria de sua competência exclusiva, não podendo ser decretada pelo Poder Judiciário”.

Consta do item 4 do relatório do acórdão:

“4. DO DIREITO DE PRECEDÊNCIA (alegação de violação dos arts. 124, V, 129 da Lei 9.279/1996).

Inicialmente, é preciso consignar que o STJ possui entendimento firmado no sentido de que é plenamente viável a decretação, por via judicial, de nulidade de registro de marca, ainda que em decorrência de direito de precedência. Nesse sentido: REsp 1.184.867/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, QUARTA TURMA, DJe 06/06/2014; REsp 1.582.179/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, TERCEIRA TURMA, DJe 19/8/2016 e REsp 1.189.022/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, QUARTA TURMA, DJe 02/04/2014.

Ademais, o direito de acesso à Justiça para a defesa de direitos individuais violados é garantido expressamente pela Constituição da República, em seu art. 5º, inc. XXXV.

No que concerne especificamente ao registro de marcas, é consabido que o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro é o atributivo de direito, ou seja, a propriedade e o uso exclusivo são adquiridos somente pelo registro. É o que dispõe o caput do art. 129 da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI).

A regra geral, portanto, confere prioridade de registro àquele que primeiro depositar o pedido correlato.

Também é certo que os incisos V e XIX do art. 124 da LPI vedam o registro de marca que reproduza ou imite marca alheia registrada ou elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiro, suscetível de causar confusão ao consumidor.

Por outro lado, o §1º do art. 129 excepciona as normas mencionadas, dispondo que toda pessoa de boa-fé que, na data da prioridade ou depósito, usava no país, há pelo menos seis meses, marca idêntica ou semelhante para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, tem direito de precedência ao registro.

Dessume-se, assim, que LPI protege expressamente aquele que vinha utilizando regularmente marca objeto de depósito efetuado por terceiro, garantindo-lhe, desde que observados certos requisitos, o direito ao registro.

Vale referir que, se esse direito de precedência for manifestado como oposição ao pedido de registro — impugnação administrativa —, o utente de boa-fé deve observar os prazos, procedimento e requisitos contidos na LPI, sobretudo os previstos nos arts. 158 a 160.

Contudo, se o interessado vier a reivindicar esse direito após o registro, poderá fazê-lo mediante processo administrativo de nulidade (arts. 168 a 172 da LPI) ou optar pela via judicial e ajuizar ação de nulidade de registro (arts. 173 a 175 da LPI).

Na hipótese, o que se depreende é que a recorrida, diante da morosidade no julgamento de seu processo administrativo, decidiu ajuizar a presente ação com o intuito de tornar efetivo seu direito de precedência.

Ficou assentado pelos juízos de primeiro e segundo graus, no particular, que o nome empresarial PADRÃO GRAFIA INDUSTRIAL E COMERCIAL LTDA. é utilizado pela recorrida desde o ano de 1993.

Consignou-se, outrossim, que a marca objeto da controvérsia e um logotipo semelhante ao da interessada é de uso regular e contínuo pela recorrida desde 1997, tendo sido por ela, inclusive, pleiteado o respectivo registro marcário em 28/1/2003.

Também constou que o pedido de registro da marca PADRÃO GRAFIA, pela interessada, foi realizado em 26/5/2000, tendo sido concedido somente em 8/8/2006.

Releva destacar que, segundo o Tribunal de origem, o exame do âmbito de exploração de produtos e da área de atuação no mercado das empresas litigantes conduz à conclusão de que a coexistência de ambas as marcas é inviável, pois feriria os ditames protetivos da Lei de Propriedade Industrial.

À vista disso, portanto, constatado pelos juízos de origem – soberanos no exame do acervo probatório — que a recorrida, de boa-fé, fazia uso de marca designativa de produto idêntico ou semelhante, há mais de seis meses antes do pedido de registro formulado pela interessada, impõe-se a manutenção do aresto impugnado”.

O afirmado no início desse item 4 supratranscrito, no entanto, não corresponde ao teor dos REsps ali citados. Se não, vejamos.

O REsp 1.184.867/SC, rel. min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, 6/6/2014:

“3. A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129, caput, e §1º da Lei n. 9.279/1996. (REsp 1190341/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 28/02/2014 e REsp 899.839/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010).

4. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventual colidência entre nome empresarial e marca não é resolvido tão somente sob a ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo ser levado em conta ainda os princípios da territorialidade, no que concerne ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo de produto e serviço. (REsp 1359666/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/06/2013).

5. No caso concreto, equivoca-se o Tribunal de origem ao afirmar que deve ser dada prioridade ao nome empresarial em detrimento da marca, se o arquivamento na junta comercial ocorreu antes do depósito desta no INPI. Para que a reprodução ou imitação de nome empresarial de terceiro constitua óbice a registro de marca, à luz do princípio da territorialidade, faz-se necessário que a proteção ao nome empresarial não goze de tutela restrita a um Estado, mas detenha a exclusividade sobre o uso em todo o território. Porém, é incontroverso da moldura fática que o registro dos atos constitutivos da autora foi feito apenas na Junta Comercial de Blumenau/SC” (extraído da ementa).

Em suma, esse acórdão nega proteção ao nome empresarial em conflito com a marca anulanda em vista do princípio da territorialidade.

O REsp 1.582.179/PR, rel. min. Ricardo Villas Boas Cueva, 3ª Turma, 19/8/2016:

“3. Tendo o Tribunal estadual concluído, diante do contexto fático-probatório dos autos, que o termo BRL seria evocativo e de uso comum, e que as marcas teriam sido registradas sem a menção de exclusividade dos elementos nominativos, não haveria como esta Corte Superior rever tal entendimento, sob pena de esbarrar no óbice da Súmula nº 7/STJ.

4. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, a partir do momento que o INPI reconhece uma marca como sendo de alto renome, a sua proteção se dará com efeitos prospectivos (ex nunc). Assim, a marca igual ou parecida que já estava registrada de boa-fé anteriormente não será atingida pelo registro daquela de alto renome, como no caso em apreço” (extraído da ementa).

Esse caso não se refere à questão de uso anterior.

O REsp 1.189.022/SP, rel. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, 2/4/2014:

“3. Compete ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI avaliar uma marca como notoriamente conhecida. Precedente.

4. A desconstituição do registro por ação própria é necessária para que possa ser afastada a garantia da exclusividade em todo o território nacional. (REsp 325158/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2006, DJ 09/10/2006, P. 284). Não há previsão legal para autorizar a retirada da eficácia de ato administrativo de concessão de registro marcário sem a participação do INPI e sem o ajuizamento de prévia ação de nulidade na Justiça Federal" (extraído da ementa).

Esse caso, como o anterior supra não se refere a uso anterior, mas à questão de notoriedade de marca e necessidade de prévia ação de nulidade proposta perante a Justiça Federal.

Como visto, o acórdão supra prolatado no REsp 1.484.975/PR é totalmente inovador quanto à questão da possibilidade de se alegar uso anterior da marca em sede judicial em caso de declaração de nulidade de marca.

Na contramão do STJ, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, no seu Manual de Marcas recém-dado à luz, conclui:

1. Nome empresarial (Manual de Marcas, p. 113):

“Conforme exposto no item 5.11.7 Elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento e observando as orientações contidas no Parecer normativo AGU/PGF/PFE/INPI/COOPI nº 005/2012, quando do exame da possibilidade de confusão ou associação entre sinal marcário e nome empresarial, deverão ser observados os seguintes aspectos:

  • Se o elemento integrante do título de estabelecimento ou de nome de empresa é distintivo;
  • Se o sinal sob análise atende às condições de distintividade, liceidade e veracidade;
  • Se a semelhança entre os conjuntos em questão é capaz de gerar confusão ou associação indevida;
  • Se as atividades exercidas pela empresa impugnante possuem afinidade mercadológica com os produtos e/ou serviços que o sinal marcário visa assinalar; e
  • Se o registro do nome empresarial é anterior ao depósito/registro da marca.

Vale observar que não será formulada exigência a fim de que seja comprovada a data da constituição da empresa ou título de estabelecimento, pois o impugnante deverá apresentar provas do alegado no ato da impugnação.”

2. Uso anterior (Manual de Marcas, p. 114):

“A exceção ao princípio atributivo do direito de marcas é o usuário de boa fé que comprova a utilização anterior, há pelo menos 6(seis) meses, de marca idêntica ou semelhante a ponto de causar confusão ou associação para o mesmo fim, nos termos do §1º do Art. 129 da LPI:

‘Art. 129. (…)

§1º. Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.’

Assim, a pessoa que, de boa-fé, usava no país, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para fins idênticos ou semelhantes, pode reivindicar o direito de precedência ao registro, devendo, para tanto:

  • Fundamentar sua reivindicação, exclusivamente em sede de oposição ao pedido de registro formulado por terceiros, instruindo-a de provas suficientes para caracterizar o uso no país, na conformidade do disposto no §1º do art. 129 da LPI;
  • Fazer prova do depósito do pedido de registro da marca, nos termos da LPI.

Se ambas as partes comprovarem o pré-uso do sinal marcário requerido, há pelo menos 6 (seis) meses antes da data do depósito e ou prioridade reivindicada, o direito sobre o registro da marca pertencerá àquele que primeiro depositar o pedido junto ao INPI, independente de quem faz uso há mais tempo”.

O curioso é que o Inpi, com base no parágrafo 1º do artigo 129 da LPI, aceita o uso anterior como exceção ao princípio da atributividade do registro e o restabelece no caso de dois usuários anteriores.

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    é advogado especialista em Propriedade Intelectual, diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual, mestre em Direito Civil e doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e professor de Direito Comercial na Graduação, e de Propriedade Intelectual na Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP.

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