Questão de contexto

Não há difamação se ofensa pessoal é proporcional a fatos da acusação

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6 de março de 2017, 20h04

Se a ofensa pessoal for proporcional à “extrema gravidade dos fatos notórios” de que o ofendido é acusado, não há crime contra honra, ainda que os comentários atinjam “diretamente seus atributos pessoais”. Foi o que decidiu o juiz José Zoéga Coelho, do Juizado Especial Criminal do Fórum Central de São Paulo, ao absolver a blogueira Joice Hasselmann da acusação de difamação por ter chamado o ex-presidente Lula de “ladrão” e de “corrupto” em vídeos publicados na internet.

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Lula entrou com ação contra a blogueira Joice Hasselmann depois que ela o chamou de "ladrão" e "corrupto".
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De acordo com o juiz, embora o comentário de Joice tenha sido “sobremodo duro” e tenha ido “além da crítica aos atos” de Lula, “a evidente gravidade dos dizeres dirigidos ao Querelante mostra-se, no entanto, francamente proporcional à extrema gravidade dos fatos notórios, que ao tempo publicação no blog já eram de amplo conhecimento público”. “Diante dos fortes indícios de existência de corrupção no governo federal, em proporções nunca antes vistas, não seria possível esperar uma reação por parte da opinião pública (e consequentemente, também da imprensa) que não fosse de absoluta reprovação e revolta.”

Zoéga Coelho explica sua decisão. Segundo ele, a população brasileira está insatisfeita com a administração pública federal desde junho de 2013, quando foi às ruas em São Paulo protestar contra o aumento das passagens de ônibus na cidade. Essa insatisfação só cresceu até atingir o ápice em 2016, quando a presidente Dilma Rousseff, também do PT, foi deposta num processo de impeachment.

Somado a tudo isso, diz o juiz, estão os fatos imputados a Lula pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal na operação “lava jato”, que investiga corrupção na Petrobras, e “à rápida deterioração econômica”. “Não se cogita aqui da veracidade ou falsidade das acusações que pesam sobre diversos agentes políticos”, diz o magistrado, “mas da existência de fatos absolutamente notórios e amplamente divulgados pela imprensa, configurando elementos indiciários robustos da malversação de recursos públicos na ordem de bilhões de Reais”.

Portanto, nada mais natural que a reação da “opinição pública” e, por consequência, de Joice Hasselmann, tenha sido tão feroz — a jornalista foi representada pelo criminalista e constitucionalista Adib Abdouni. “A proporcionalidade entre os duros termos em que externada a crítica e a gravidade dos fatos em que ditas críticas se ampararam, a meu sentir demonstra que a Querelada não extrapolou os limites do regular exercício da liberdade de imprensa. E tanto assim é que não terá sido a Querelada quem primeiro proferiu as palavras que o Querelante reputa ofensivas à sua honra.”

Zoéga Coelho também afirma que, como Lula foi presidente da República, deve ser mais tolerante com as críticas que recebe, ainda que elas sejam ofensivas e à sua pessoa. “Como credibilidade e confiança são ingredientes indissociáveis da representação política, ficam sujeitos à toda crítica pública não só os atos de governo e administração, mas também todas as opiniões do titular ou postulante a cargo eletivo e, ao fim e ao cabo, também todos os atributos profissionais, intelectuais e éticos do mandatário”, escreveu na sentença.

“Ainda que assim não fosse, a conduta imputada à Querelada não poderia ser vista como revestida do necessário dolo específico, antes refletindo e repercutindo igual crítica, já disseminada na sociedade e meios de comunicação social, ao tempo dos fatos.”

Processo 0090009-33.2015.8.26.0050

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