Fiscal da norma

Enunciado do CNMP permite que órgão afaste incidência de lei inconstitucional

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4 de março de 2017, 8h52

Uma norma recém-publicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público reacendeu o debate sobre a aplicação imediata de decisões do Supremo Tribunal Federal. O texto reconhece que o órgão “detém competência para, no exercício de suas atribuições, afastar a incidência de lei que veicule matéria já declarada inconstitucional pelo Plenário” da corte.

De acordo com o Enunciado 12, o conselho pode derrubar normas de unidades do MP que sejam contrárias a acórdãos do STF. O conselheiro Valter Shuenquener, autor da proposta, afirma que o objetivo não é dar poder para declarar uma lei inconstitucional, mas impedir que regras de unidades do Ministério Público continuem a produzir efeitos jurídicos mesmo se forem contrárias a questões já julgadas.

“Vamos supor que determinado estado brasileiro aprove uma lei autorizando que, no âmbito do MP, seja possível a contratação de parentes para que ocupem cargos em comissão. Como o STF já reconheceu a inconstitucionalidade desse tipo de previsão legal, o CNMP poderia afastar essa lei estadual impedindo que o MP contratasse parentes”, afirmou à revista Consultor Jurídico.

A iniciativa surgiu na análise de um Procedimento de Controle Administrativo (PCA 1.00939/2016-20) que tem como ponto central verificar subsídios a membros do MP da Paraíba. Os conselheiros ainda vão analisar o mérito – se a soma pode ultrapassar o teto remuneratório do funcionalismo público.

Segundo a explicação de Shuenquener, o enunciado autoriza o CNMP a analisar a aplicação das normas inclusive de ofício. Se um conselheiro verificar leis irregulares sob a ótica do STF, pode levá-las ao Plenário, diz.

Debate constitucional
Valter Shuenquener aponta decisões do Supremo que já permitiram ao Conselho Nacional de Justiça (criado na mesma época do CNMP, pela Emenda Constitucional 45/2004) afastar incidência de leis, como no MS 26.739 e na Pet 4.656.

No primeiro caso, a 2ª Turma do STF reconheceu que o CNJ tem competência para apontar a inconstitucionalidade “quando a matéria já se encontra pacificada na corte”, considerando correta decisão do conselho que havia anulado férias de 60 dias para servidores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O relator, ministro Dias Toffoli, afirmou que esse tipo de medida poderia dar “efetividade a decisões já pretéritas da corte”. Para o ministro Gilmar Mendes, que levantou o debate, “órgãos com essa autonomia estão apenas aplicando uma jurisprudência, um entendimento já pacífico”.

Hoje presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia declarou na ocasião que o CNJ poderia agir dessa forma “até para cumprir o artigo 37 da Constituição, que é sua função precípua”.

A constitucionalista Damares Medina, cofundadora do Instituto Constituição Aberta, avalia que o enunciado do CNMP segue “uma visão mais moderna sobre o controle de constitucionalidade”. “Se o Supremo já se pronunciou sobre determinado tema, com eficácia erga omnes [validade para todos], pelo menos os entes públicos – como a Advocacia-Geral da União e o CNMP – já teriam automaticamente respaldo constitucional para aplicar a decisão, no âmbito de suas atribuições.”

Damares aponta que o Supremo já reconheceu que, quando declara determinada lei inconstitucional, a decisão não depende da chancela do Senado para gerar efeitos sobre as demais instâncias da Justiça (HC 82.959).

Embora a Constituição Federal defina como função da Casa suspender a execução de normas derrubadas pela corte, Gilmar Mendes afirmou no julgamento que “a única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica”.

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