Pedido diferente

TJ-SP extingue ação que pedia a internação de usuários da cracolândia

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30 de maio de 2017, 13h55

A Prefeitura de São Paulo não poderia ter apresentado pedido para internar usuários de drogas que ficam na região da cracolândia, no centro da capital, na ação movida pelo Ministério Público paulista. Isso porque o pedido deste feito é totalmente diferente das pretensões da administração municipal.

O entendimento é do desembargador Borelli Thomaz, da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça estadual. “Não se pode identificar a possibilidade de intervenção sem que haja mínimo liame entre os interesses em disputa”, disse o relator do caso no colegiado.

Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
Usuários de drogas ocupam a Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, após serem expulsos da cracolândia.
Fernanda Carvalho/Fotos Públicas

A ação em questão foi apresentada pelo Ministério Público em 2012. O órgão pede no processo que sejam impostos limites à ação da Polícia Militar na abordagem de usuários de drogas. Já há uma cautelar impedindo que os agentes de segurança causem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa contra os dependentes químicos.

A liminar também proíbe que policiais impeçam pessoas nessa condição de permanecer na rua ou as obrigue a ir para outros lugares, exceto em caso de flagrante delito. Já o pedido da prefeitura na ação trata de autorização para agentes de saúde e guardas-civis metropolitanos abordarem usuários de crack para avaliar o estado dessas pessoas.

Caso seja decidido que é necessária a internação compulsória, será feito um pedido à Justiça, que analisará caso a caso. Uma liminar foi concedida no último dia 26 permitindo a ação, mas, dois dias depois, nova cautelar suspendeu a validade da decisão favorável à administração João Doria (PSDB).

Tudo diferente
Ao extinguir o feito, o desembargador destacou que não há qualquer relação entre os pedidos da prefeitura e do MP-SP. Segundo ele, não há nem o que se falar em conexão ou continência.

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 55 define que “reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”. Já o dispositivo 56 do CPC detalha que há “continência entre duas ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais”.

“Não há, pois, mínima identidade entre as pretensões, mesmo porque, como se percebe, a alvitrada na ação é excludente do pretendido no incidente, sem que haja autorização processual para o processamento do nominado incidente”, afirma Borelli Thomaz.

Ele também explica que a prefeitura não pode ser considerada terceiro interessado, ou qualquer outro tipo de participação, por ter feito um pedido totalmente diferente. Para o desembargador, não há, entre os artigos 119 a 132 do Código de Processo Civil — que tratam de assistências processuais e litisconsorte —, determinação que se encaixe no caso analisado.

“A intervenção da municipalidade, em suma, não tem pertinência subjetiva, tampouco pertinência objetiva autorizante de estar no processo, ainda que de forma incidental, o que talvez seja mais grave, mas essa busca haveria de ser de per si, em ação própria que entendesse de ajuizar”, detalhou o relator.

“É caso, pois de absoluta carência de ação, por ilegitimidade de parte, motivo por que confiro efeito translativo ao recurso em análise e indefiro a petição inicial, extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 330, inciso II, e 485, incisos I e IV, ambos do Código de Processo Civil”, complementou.

Por fim, o desembargador afirmou não ver necessidade de o feito permanecer em segredo de Justiça. Segundo ele, há interesse público na ação, devido a “situações também coletivas de pessoas em estado de drogadição que estão vagando pelas ruas da cidade de São Paulo, expressão posta na petição inicial do chamado incidente”.

Argumentos da prefeitura
Para a Prefeitura de SP, a medida é necessária porque os usuários de drogas que andam pela região da cracolândia, no centro, não têm mais controle sobre seus atos e precisam de auxílio. A administração alegou ainda que as condições sanitárias da área são péssimas, afetando inclusive a coletividade.

“Os interesses individuais dessas pessoas, que não conseguem mais se conduzir pelas próprias razões, encontrando-se em estado tal de drogadição que precisarão de tratamento extremo (internação compulsória)”, diz a prefeitura.

Em entrevista à ConJur , o secretário de Justiça da cidade de São Paulo, Anderson Pomini, afirma que a internação compulsória não é uma pena e sim um tratamento para desintoxicação em casos extremos. 

"A internação compulsória, devido à sua gravidade, somente pode ser realizada caso a caso, não há outra hipótese, e em último caso, após verificadas clinicamente as demais alternativas terapêuticas. Nossa petição formulada à Justiça pretende autorização judicial para busca e apreensão daquelas pessoas (…) inimputáveis. Para que possam ser analisadas por uma junta médica e multidisciplinar, que poderá decidir ou não pela internação compulsória como última solução ao gravíssimo problema enfrentado", declara o secretário.

Críticas à ideia
A Defensoria Pública de São Paulo e o MP-SP se manifestaram contra o pedido da prefeitura paulistana. Para os defensores públicos, o pedido é extremamente vago, amplo e perigoso, sem dar possibilidade de defesa às pessoas abordadas.

A Defensoria argumenta que a Lei Antimanicomial (Lei Federal 10.216/2001) limita a internação compulsória quando outras tentativas de tratamento forem insuficientes. Diz ainda que essa medida deve ser excepcional, com laudo médico prévio, e que o pedido afronta as leis federais 8.080/90 e 11.343/06.

A primeira, que rege os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), determina a preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral. Já a segunda, que é a Lei de Drogas, garante o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente à sua autonomia e liberdade, com respeito aos usuários e dependentes de drogas.

Barracos no chão
A cracolândia foi palco de confronto no último domingo (21/5) com a entrada dos policiais na região, que alegaram a necessidade de prender traficantes. Depois das prisões, agentes derrubaram barracos dos moradores de rua que lá estavam e os retiraram da área para que fosse feita a limpeza. Também foi demolida parte de um prédio sem a confirmação de que pessoas ainda estavam no imóvel. Três ficaram feridos.

Em outra liminar, proferida no dia 24 pela 3ª Vara da Fazenda Pública, a prefeitura foi proibida de promover novas emoções na área da cracolândia sem prévio cadastramento das pessoas para atendimento de saúde e habitação. A decisão reconhece ainda que moradores podem retirar pertences e animais de estimação dos imóveis.

Clique aqui para ler a decisão.
Processo 0027727-4120178260000

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