Segunda Leitura

As disputas por cargos e funções nos tribunais e afins

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de maio de 2017, 8h00

Spacca
O que aqui se dirá não é dirigido, exclusivamente, a tribunais, mas sim a todas as instituições afetas ao Poder Judiciário. A referência a tribunais, que aqui engloba todas as instâncias, justifica-se, apenas, porque neles se concentra o maior número de servidores.

Aliás, muito do que se afirmará não é privativo de órgãos públicos, adequando-se também a entidades, como escritórios de advocacia. Fixada a premissa, vamos ao principal.

As carreiras públicas atraem, mais do que nunca, milhares de brasileiros. A instabilidade econômica, a insegurança política, a concorrência cada vez maior, estimulam a procura por cargos públicos. E estes, no âmbito do Poder Judiciário e de instituições afins (por exemplo, Ministério Público), oferecem vencimentos, regra geral, acima do mercado e garantia de estabilidade.

Os que conseguem aprovação, após muita dedicação, esperam uma vida segura e que lhes dê felicidade, abrindo mão, evidentemente, da ideia de fazer fortuna. No entanto, na longa trajetória que se lhes apresenta, muitas vezes põem tudo a perder por falta de habilidade no trato pessoal.

O primeiro mandamento a ser observado é criar uma boa reputação. Um erro cometido ao início acompanhará o novato por anos. Se for de maior gravidade, estará no Google até o fim de seus dias. Por exemplo, uma juíza que, em um fim de semana, exagere nas caipirinhas em um churrasco, deve evitar dirigir seu automóvel, porque poderá defrontar-se com uma inspeção policial e ir parar em um programa de TV, exposta à crítica impiedosa da sociedade e dos órgãos de controle.

Os iniciantes devem saber aguardar o momento certo. Alguns, pela pouca idade e pela criação em um mundo tecnológico, em que navegar na internet não suporta aguardar minutos, querem alcançar o sucesso logo após assinar o termo de posse.

Imagine-se um jovem servidor da secretaria de uma vara, que perceba uma forma de agilizar o andamento dos processos. Se anunciar publicamente sua descoberta, estará tornando público o fato de que todos os outros, inclusive o diretor da secretaria, não tiveram a sua capacidade. Perceberá o ingênuo funcionário que, ao invés de ter seu mérito reconhecido, criará um ambiente hostil à sua volta. Goste ou não, sua invenção deveria ser exposta ao diretor, mesmo assumindo o risco de que ele, dela, se apropriasse.

Evitar as posições antagônicas. O Brasil vive um clima de radicalismo político. O bom senso saiu de moda e tudo é motivo de amor ou ódio inconsequentes. O nós e eles acaba influindo nas posições importantes. Os que detêm o poder não darão uma função gratificada aos que se alinham a uma política partidária oposta, mesmo que entre eles se ache o maior talento do país. Assim, os prudentes evitam essas posições extremadas, fogem de discussões políticas, mantêm reserva prudente nesses assuntos.

Muitas vezes o juiz ou o servidor tem um plano excelente, que atende ao interesse público. Mas ele depende da aprovação de alguém que está em posição superior. É preciso saber o momento de expô-lo e evitar que quem decida esteja de mau humor, cansado ou faminto. A proposta deve ser feita em momento de alegria, quando as coisas estejam indo bem.

Comentários sobre os outros devem ser avaliados previamente. Falar mal da chefia ou dos colegas revela ingenuidade, pois, certamente, o que foi dito chegará aos ouvidos do criticado. E isto gerará inimizade, provavelmente eterna. O ofendido aguardará a oportunidade de “dar o troco”. Falar dos outros, só se for para elogiar. E mesmo assim com cautela. Imagine-se um advogado elogiar os votos de um desembargador para outro. Se as relações entre os dois não forem boas, o efeito seja negativo. Má vontade na certa.

Os que conseguem sucesso em um projeto verdadeiramente importante jamais devem assumir sozinhos os louros da vitória. Devem sempre lembrar publicamente que o êxito se deve a fulano ou beltrano, inclusive pelos conselhos dados.

A vida leva os atores a posições diferentes. Aqueles que assumem cargo de mando, entorpecidos pela glória do momento, esquecem-se que posições de destaque são passageiras e que podem alternar-se em prazo curto. Por isso, devem contentar-se com o simples prazer da vitória, sem humilhar os rivais. Afinal, em dois anos, a situação poderá ser oposta.

O sucesso cobra o seu preço e uma das prestações é ter que fazer o que não se gosta. Ter de ir sábado à tarde ao aeroporto, esperar o corregedor, não é um programa dos mais agradáveis. Mas não ir significa desconsideração e ela não será esquecida. Talvez seja lembrada tempos depois, em um pedido de natureza administrativa ou em outro tipo de situação.

Junto aos que detêm elevada posição hierárquica não é bom exteriorizar conhecimentos, vangloriar-se das conquistas. Imagine-se um juiz com cinco anos de carreira que vem a participar de almoço com o presidente do Tribunal. Na ocasião, desfia todos os seus títulos, de doutor e detentor do domínio de cinco idiomas. Naquele momento o presidente é a pessoa mais importante, só ele deve brilhar. Além disso, talvez ele nem tenha curso de especialização. O provável resultado será o presidente nutrir uma grande antipatia pelo pretensioso magistrado.

As confidências devem ser evitadas. As amizades que são só profissionais sofrem mudanças com o passar dos anos. Distanciamentos, intrigas, ciúmes, muitas vezes levam grandes amigos a assumirem posições diametralmente opostas. E aquilo que foi dito na confiança de um momento em que se tinha identidade comum poderá ser usado mais tarde contra o ingênuo conversador.

Em todos os locais de trabalho, inclusive nos órgãos da mais alta hierarquia, existem pessoas desequilibradas, raivosas. Deste tipo de pessoa, o melhor que se tem a fazer é manter distância. Não se deve perder tempo aconselhando-as nem hostilizando-as. Nenhuma aproximação vale a pena.

Por vezes uma frustração com uma posição não conquistada gera efeitos negativos para toda uma vida. Imagine-se que alguém, no gabinete de um ministro, sinta-se merecedor da função de assessor que se acha vaga. No entanto, o escolhido é outro, sabidamente uma pessoa sem brilho. A última coisa que o frustrado deve fazer é sair a falar mal do ministro ou do escolhido. Ainda que tenha razão, isto só mostrará sua insatisfação.

A solidariedade de terceiros não passará de uma frase inconsequente. O ministro, que certamente saberá do fato, jamais o escolherá para nada. A nomeação do mais fraco, naquele momento, pode ter sido fruto de necessidade absoluta (por exemplo, pagar um favor a quem ajudou na nomeação).

Nos órgãos públicos, como na vida em geral, as desavenças são constantes. E as pessoas ali ficarão 20 ou 30 anos. Assim, o melhor caminho é minimizar o conflito. Se alguém trouxer notícias do opositor, maledicência, o melhor a fazer é responder algo como: “que pena, ele é uma boa pessoa”. Com isso desestimulará o transmissor e diminuirá a animosidade. Ela poderá, até, durar anos, mas sob cinzas e não sob brasas.

De tudo o que foi dito, fica claro que aqui não se faz qualquer tipo de crítica a instituições, cargos ou pessoas. O leitor facilmente perceberá que se está a falar da condição humana e não de magistrados ou de outros detentores de cargos públicos na área jurídica.

Em suma, se assim é a vida, melhor é enfrentá-la conhecendo suas regras, procurando não ser atingido por terceiros, até onde for possível. E neste campo estamos sempre aprendendo, ou, como diria Guilherme Arantes, “jogando e aprendendo a jogar”.

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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