Investigação forense

Para policiais federais, coleta de DNA de condenados não fere direito fundamental

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26 de maio de 2017, 18h33

A coleta do material genético de condenados por crimes hediondos ou de natureza grave contra a pessoa é rápida, indolor e não invasiva, e por isso não fere nenhum direito fundamental. Essa foi a tese defendida por profissionais da Polícia Federal em audiência pública nesta sexta-feira (26).

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Coleta de DNA de condenados por crimes hediondos foi tema de audiência pública organizada pelo Supremo.

O encontro, organizado pelo Supremo Tribunal Federal, discutiu os aspectos técnicos da extração obrigatória de DNA para manutenção do banco nacional de perfis genéticos, conforme prevê a Lei 12.654/2012.

A posição, no entanto, não é unânime. Representantes de entidades classificaram a lei como inconstitucional por ferir, entre outros, o princípio da não autoincriminação. 

A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator de recurso com repercussão reconhecida em que a defesa de um condenado questiona a constitucionalidade da coleta do material genético. O magistrado acredita que a matéria pode ser analisada pelo Plenário da corte no segundo semestre.

Segundo ele, neste debate há uma preocupação quanto à individualidade, ao direito de identidade e a possíveis abusos. Apesar disso, o ministro afirma que o banco de perfis genéticos “está se provando um instrumento muito útil para desvendar crimes que, de outras maneiras, não é desvendado”.

Na manhã desta sexta, enquanto quatro peritos criminais da PF usaram a palavra para defender o armazenamento de dados genéticos, Jozefran Freire, da Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas, foi mais cético em relação à implementação imediata da medida. “O Decreto 7950/2013, que regulou a lei, é apenas o início de um desafio. Tudo o que eu não quero ver é a ciência mal usada. Queremos a ciência usada como base da prova científica, aquela que dispensa tortura e coerção e apresenta provas que mostram a realidade dos fatos.”

Para ele, a Rede Integrada de Perfis Genéticos (RIBPG) é um avanço, mas é necessária maior fiscalização para evitar a exposição inadequada daqueles que têm o DNA coletado. Ele sustenta que o comitê gestor responsável pelo RIBPG, composto de integrantes do Ministério da Justiça e entidades de classe, deveria ser ampliado. “O que precisamos é que essa ferramenta seja implantada, mas alargando o controle dela para trabalhar no sentido de minimizar o mau uso da técnica o máximo possível.”

Ronaldo Lemos, advogado do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, fez uma série de ponderações em relação à eficiência do banco de DNA. “Não é uma crítica ao trabalho de perícia, mas é importante perceber que, quando trabalhamos com perfis genéticos, temos dois lados da moeda. Assim como o DNA soluciona diversos casos, também temos situações que podem levar a uma injustiça.”

Ele deu como exemplo o caso de um taxista inglês que passou mais de oito meses na cadeia porque o exame pericial de DNA o apontou como culpado por um assassinato. Tempos depois, entretanto, descobriu-se que, por ser portador de uma doença que o faz deixar restos genéticos por onde passa em maior quantidade, ele sequer tinha envolvimento com o crime.

O advogado também cita as diferentes realidades entre o Brasil e outras nações que dispõe da mesma tecnologia. "Não temos uma lei geral de dados pessoais, diferentemente de países que aqui inspiram nosso debate", alertou. Para ele, a forma como é feita a coleta "não está bem regulamentada nem na lei nem no decreto nem nas resoluções do comitê gestor do banco".

Renato Brasileiro de Lima, promotor de Justiça Militar e membro da Academia Brasileira de Ciências Forenses, discorda de Lemos. Para ele, intervenções corporais podem ou não ser consideradas invasivas, e no caso em debate não está caracterizada nenhuma ofensa ao direito de privacidade. “Invasiva é quando há penetração no organismo humano, seja em um exame de reto, seja de cavidade vaginal, ou algo do tipo. Isso seria uma prova invasiva, que não pode ser feita contra a vontade do indivíduo. Portanto, nesse caso, nada fere o princípio da não autoincriminação.”

Ele defende a legislação aprovada em 2012: “Precisamos beber dessa fonte, da evolução de métodos científicos. Vale lembrar que a lei não é para condenar exclusivamente as pessoas, ela também serve para inocentar suspeitos. E o que se espera é a chancela desta corte quanto à constitucionalidade em questão, para que mais e mais materiais sejam coletados, enriquecendo o banco de dados”.

Meiga Aurea Mendes Menezes, perita criminal federal, explicou como é feito o exame conhecido como swab bucal. O profissional faz uma raspagem na parte interior da bochecha do condenado com uma espécie de cotonete por poucos segundos. Segundo ela, dos 700 mil presos no Brasil, cerca de 10% cometeram crimes hediondos, o que equivaleria a 70 mil pessoas. Desse montante, no entanto, há “tímidos” 1.300 perfis registrados.

A audiência pública aconteceu nesta quinta e sexta-feira, com a participação de especialistas do Brasil e de outros países. Nesta quinta, a posição majoritária dos expositores foi na direção da constitucionalidade da legislação, que pode ser considerada um avanço nas investigações forenses.  

RE 973.837

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