Ecos do passado

Corte Interamericana julga se Brasil responde por morte de Vladimir Herzog

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24 de maio de 2017, 21h31

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), começou a analisar nesta quarta-feira (24/5) a responsabilidade do Estado brasileiro na morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, durante o regime militar. O Brasil pode ser condenado a abrir investigações para punir envolvidos ainda vivos, indenizar familiares do jornalista e até a mudar leis penais.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que concordou com pedido de entidades brasileiras e enviou o caso à corte, o país deve tentar identificar os responsáveis e adotar “todas as medidas necessárias” para evitar que a Lei de Anistia (Lei 6.683/79) e dispositivos da legislação criminal — como a prescrição, a coisa julgada e o princípio da irretroatividade — “não continuem representando um obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos”.

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Vladimir Herzog morreu nas dependências do DOI/Codi, em 1975; Exército alegou suicídio.
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A audiência ouviu uma série de pessoas em San José, na Costa Rica, e a sentença deve ser proferida em seis meses, depois que as partes apresentarem alegações escritas.

A primeira a falar foi Clarice Herzog, viúva do jornalista e presidente do Instituto Vladimir Herzog. Como testemunha, foi escalado o procurador da República Marlon Weichert — ele solicitou investigação sobre o caso na Justiça Federal e afirma existir um padrão de violações de direitos humanos durante a ditadura.

O pedido foi levado ao órgão por quatro entidades: Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil), Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH), Centro Santos Dias da Arquidiocese de São Paulo e Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo. Os autores chamaram como perito o também procurador da República Sergio Gardenghi Suiama.

Defesa
O criminalista Alberto Toron foi nomeado como perito pelo governo brasileiro. O advogado, conforme a pauta da audiência, defendeu garantias de prescrição, a irretroatividade da lei penal e a impossibilidade de se rediscutir coisa julgada. Disse ainda que o Brasil não pode voltar atrás e estabelecer a imprescritibilidade para um crime do passado.

Zé Carlos Barretta
Presidente Michel Temer nomeou como perito o criminalista Alberto Toron (acima).
Zé Carlos Barretta

A Advocacia-Geral da União reconhece violações contra Herzog, “preso arbitrariamente, torturado e morto”, mas entende que esses fatos se referem a contexto sócio-político distinto do atual, já corrigido pela Constituição Federal de 1988.

A AGU alega ainda que o país nem deveria ser julgado por um caso da década de 1970. “Como o Brasil reconheceu a competência da corte apenas para acontecimentos posteriores a 10 de dezembro de 1998, os fatos que são objeto de julgamento pelo Tribunal Internacional estão sujeitos a essa delimitação temporal”, afirma.

Suicídio inventado
Nascido na Iugoslávia e diretor do telejornal Hora da Notícia, veiculado na época pela TV Cultura de São Paulo, Vladimir Herzog foi morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/Codi). Ele deixou a mulher Clarice, com os dois filhos do casal, Ivo e André, na época com 9 e 7 anos, respectivamente.

Divulgação
Familiares de Herzog conseguiram mudar atestado de óbito, por decisão judicial.

O caso teve grande repercussão e reuniu milhares de pessoas em ato ecumênico promovido na Catedral da Sé, celebrado pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor James Wright.

A morte foi divulgada pelo Exército como suicídio, mas a Comissão Nacional da Verdade declarou não haver “qualquer dúvida acerca das circunstâncias da morte de Vladimir Herzog, detido ilegalmente, torturado e assassinado por agentes do Estado”.  

Em 2013, a família do jornalista conseguiu mudar atestado de óbito para registrar que a morte ocorreu  em função de “lesões e maus tratos sofridos durante os interrogatórios em dependência do II Exército (DOI-CODI)”.

O Ministério Público Federal tenta responsabilizar agentes do regime militar, pelo menos desde 2012, mas nenhuma das 26 denúncias apresentadas teve sucesso. O Supremo Tribunal Federal já definiu que a Lei da Anistia vale para todos os crimes políticos e conexos entre 1961 e 1979 (ADPF 153).

Condenações anteriores
A Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou o Brasil pelo menos sete vezes: em 2010, mandou o Estado apurar e denunciar atos ilícitos durante o regime militar (caso Gomes Lund, sobre a Guerrilha do Araguaia).

Recentemente, a corte determinou a reabertura de investigações sobre duas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, durante operações policiais. Foi a primeira sentença internacional que condenou o Brasil por violência policial. Com informações da Agência Brasil.

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