Imunidade de jurisdição

STF julgará se Estado estrangeiro pode ser processado em tribunal brasileiro

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23 de maio de 2017, 16h16

O Supremo Tribunal Federal vai decidir se a Justiça brasileira pode julgar Estado soberano estrangeiro por atos de guerra cometidos dentro das fronteiras do Brasil.

O alcance da imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro em relação a ato de império — que decorre do exercício direto da soberania estatal — ofensivo ao direito internacional da pessoa humana é o tema 944 de Repercussão Geral no Supremo e será discutido no Recurso Extraordinário com Agravo 954.858, de relatoria do ministro Edson Fachin.

O caso concreto trata de ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de descendentes de um tripulante de barco pesqueiro morto em decorrência de ataque de submarino alemão no mar territorial brasileiro, nas proximidades da costa de Cabo Frio (RJ), em julho de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.

O juízo da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro declinou de sua competência e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito. O Superior Tribunal de Justiça negou seguimento ao recurso sob o argumento de que não cabe ao Judiciário brasileiro apreciar pedido de indenização contra o Estado estrangeiro. Para o STJ, em caso de ato de guerra, a imunidade de jurisdição é absoluta.

Em manifestação no Plenário Virtual, o ministro Edson Fachin explicou que no Brasil a matéria é regida pelo Direito costumeiro, tendo em vista que o país ainda não se vinculou à Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade de Jurisdição dos Estados e de suas Propriedades de 2004 ou a tratado de mesma natureza.

“A esse respeito, o advento da Constituição da República de 1988 representou marco na alteração da jurisprudência do STF de modo a abarcar a divisão de feitos do Estado soberano em atos de gestão e de império, sendo os primeiros passíveis de cognoscibilidade pelo Poder Judiciário brasileiro”, disse.

A jurisprudência do Supremo sobre o tema, explica o relator, se consolidou no sentido da inaplicabilidade da imunidade de jurisdição relativa a atos de gestão na fase processual de conhecimento. Por outro lado, a imunidade executória é absoluta em todos os atos do Estado soberano em território estrangeiro, à luz da Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas.

O relator salientou também que a controvérsia é inédita no âmbito da corte. “É evidente a índole constitucional da matéria por envolver questões do Estado de Direito brasileiro em relação à sociedade internacional.”

Para o ministro Fachin, a repercussão geral da matéria justifica-se do ponto de vista jurídico pela inédita controvérsia na corte em relação à aplicação da imunidade. No âmbito social pela responsabilização de Estados por atos atentatórios à dignidade da pessoa humana e, no campo político, pela divergência de dois valores aos quais a República Federativa do Brasil comprometeu-se a seguir nas relações internacionais: a prevalência dos direitos humanos e a igualdade entre os Estados. “É evidente a índole constitucional da matéria por envolver questões do estado de Direito brasileiro em relação à sociedade internacional.”

Histórico
Zacarias da Costa Marques foi morto em 1943, em acidente provocado por um submarino de guerra alemão (U-199), que patrulhava a costa brasileira. A sobrinha de Zacarias entrou na Justiça com uma ação de indenização por danos morais e materiais contra a República Federal da Alemanha pela morte do tio.

De acordo com o processo, mais de 20 navios teriam sido torpedeados pelos alemães. Nunca foram encontrados corpos ou restos mortais da vítima ou das demais pessoas que estavam no barco, mas apenas destroços que chegaram à praia com sinais de explosão, levando à conclusão de que o Changri-lá, navio em que viajava Marques, teria sido mesmo abatido pela forças alemãs. Posteriormente, o submarino alemão foi abatido pela Marinha de Guerra brasileira. Os sobreviventes foram resgatados e encaminhados aos Estados Unidos, onde confessaram o afundamento do barco em que se encontrava a vítima.

Em fevereiro de 1944, o Tribunal Marítimo arquivou o caso. Concluiu pela ausência de provas de que o Changri-lá fora abatido pelo submarino alemão. Quase seis décadas depois, em 31 de julho de 2001, o Tribunal Marítimo, a pedido da Procuradoria da Marinha, reabriu o processo após tomar conhecimento de documentos que comprovariam que o Changri-lá foi efetivamente afundado pelo submarino de guerra alemão. Agora, a Justiça decidiu aguardar manifestação do governo alemão. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ e STF.

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