Surdez deliberada

Supremo deve permitir Habeas Corpus contra ato monocrático de ministro

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23 de maio de 2017, 7h36

Há cerca de dois anos, foi publicado na ConJur um artigo de minha autoria que procurava demonstrar, tecnicamente, porque seria possível a impetração de Habeas Corpus contra ato (monocrático) de um ministro de nossa suprema corte.

Hoje, aparentemente, ao menos cinco ministros entendem por tal possibilidade: Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli[1].

No dia 18 de maio, todavia, mais uma vez a questão foi levada ao Plenário, que, com uma composição diminuta — ausentes os ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso —, por maioria, não conheceu do HC 115.787.

O curioso é que o writ visava combater ato da ministra Cármen Lúcia; logo, pela composição, se todos os acima citados tivessem conhecido a ação, seria possível a concessão da ordem, fosse bom o direito. Afinal, no empate, prevalece o direito à liberdade.

Optou-se, contudo, pela manutenção da jurisprudência que vem se arrastando há algum tempo, que impede o amplo exercício do direito de defesa, nega, sem peia, o uso do instrumento de envergadura maior — como é o Habeas Corpus — para possibilitar somente o uso do agravo regimental.

Este, nada obstante, transborda em grave injúria ao amplo direito de defesa, vez que, como se sabe, na atual visão jurisprudencial, não permite fazer uso da sustentação oral[2].

Sobre a necessidade de se utilizar cada vez menos de decisões monocráticas, respeitando-se o princípio da colegialidade, precisa é a observação do ministro Rogério Schietti:

“Nem se diga que a simples possibilidade de a decisão ser apreciada pelo colegiado por meio de agravo interno, por si só, supriria tal violação, porquanto esse recurso restringiria, como de fato restringe, a possibilidade de defesa ampla (inviabilidade de sustentação oral, julgamento independente de pauta, etc), inerente ao recurso ou à ação originária e, portanto, acabaria por vulnerar, injustificadamente, este princípio de matiz constitucional”[3].

Não por outra razão — embora não seja a praxe, sabemos —, surpreendentemente, o Tribunal de Justiça de Goiás, atuando de forma vanguardista, permitiu o uso da tribuna pelo advogado quando, após decisão monocrática do desembargador relator, fora interposto o competente agravo regimental. Consta da ata:

Nada mais salutar: garantir a mais ampla defesa ao recurso aceessório quando, subtraindo-se o princípio da colegialidade, houver decisão monocrática prejudicial que demande recurso em que não se preveja o uso da palavra oral.

Tem-se o sentimento de que as sustentações orais, para os magistrados, não passam de uma fase obrigatória, penosa e despicienda[4]; muito embora, é de visível reconhecimento, não raras vezes votos são conquistados nessa fase, de peroração. Ainda com mais força com relação aos julgadores que não tiveram contato direto com os autos, como o tem o relator. Em menor escala, mas ainda não raro, é o próprio relator quem adia seu voto, advertido por questões trazidas e esclarecidas na sustentação oral.

Dentre tantas questões, a denominada operação "lava jato" deve reviver este importante tema. Afinal, com o crescente número de medidas cautelares pessoas aplicadas pelo ministro relator (em especial em nossa suprema corte), a se manter o status quo, não poderá o advogado dos acusados fazer uso deste importante instrumento de defesa; isso, na última (e muitas vezes única) instância de nosso Poder Judiciário.

A surdez deliberada não pode prosperar. Deve-se permitir, sim, o uso do Habeas Corpus contra ato monocrático de ministro de nossa suprema corte; ou, ao menos, o uso da sustentação oral quando do agravo interposto contra a decisão singular.


[1] As referências processuais estão no citado artigo anterior.
[2] “Nenhuma discussão séria sobre a matéria pode deixar de considerar que, por força de disposição constitucional expressa, o advogado é indispensável à administração da justiça. Sob a ótica da possível e imperfeita realização de justiça, afirma-se, pois, que o direito à exposição oral nada mais é que mero desdobramento da cláusula aberta devido processo. Dito de outro modo, meio de o advogado desincumbir-se de seu mister. Um dos modos, por assim dizer, para alcançar-se, tanto quanto possível, a justiça do caso concreto.” SOARES, Leonardo Oliveira. A garantia do devido processo legal e o regimentos internos dos Tribunais brasileiros: possível inferência. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 82/2013 | p. 111 – 120 | Jan – Mar / 2013.
[3] RCD no AgRg no AgRg no REsp 942407(2007/0066900-3 – 03/06/2014)
[4] “Mas a questão da sustentação oral por parte do advogado envolve outro prisma que o próprio tribunal não pode ignorar. É que a dinâmica dos julgamentos nas cortes acaba facilitando o procedimento da leitura na tribuna. Na verdade, como falamos antes do voto do relator e nunca se sabe o que virá, a sustentação, em geral, acaba fazendo um voo de pássaro sobre as possíveis matérias a serem enfrentadas no voto. Se tivéssemos, como na primitiva redação do art. 7º, inc. IX, da Lei 8.906/94, o direito de sustentar após o voto do relator, não haveria espaço para a leitura da sustentação. A fala da tribuna deveria ser pontual para se contrapor ao voto do relator. Este, por outro lado, teria que ter estudado bem o seu voto, pois seria pontualmente questionado e deveria, após a fala das partes, rebater o quanto dito da tribuna. Teríamos um julgamento com mais qualidade e partes, obrigatoriamente mais preparadas, inclusive o juiz. Repensar isso também é um bom caminho para se minimizar o enfado que leituras da tribuna provocam. Diga-se, a propósito, que ouvido o voto do relator antes, muitas sustentações orais nem seriam realizadas.” TORON, Alberto Zacharias. É relevante o debate sobre leitura de sustentação oral na tribuna. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2015-dez-07/alberto-toron-relevante-debate-leitura-sustentacao-oral>.

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