Crime permanente

Lavagem dinheiro ocorre enquanto houver movimentação, diz STF ao condenar Maluf

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23 de maio de 2017, 18h13

Enquanto houver movimentação do dinheiro oriundo de lavagem, o crime está sendo cometido, de forma permanente, e não pode ser aplicada a prescrição da pena. Essa foi a tese aplicada pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal para condenar o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão por lavagem de dinheiro.

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De acordo com 1ª Turma do STF, Maluf movimentou o dinheiro de maneira permanente entre 1998 e 2006, o que configura prática continuada do crime de ocultação de dinheiro.

Prevaleceu o voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin. Para ele, a data da prescrição só começa a contar a partir do momento em que as autoridades descobriram o crime, e não do cometimento do crime. E segundo Fachin, entre 1998 e 2006, Maluf manteve dinheiro de origem ilegal em contas no exterior e agiu para esconder sua existência das autoridades brasileira, de forma permanente.

A argumentação foi acompanhada pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, que discordaram da tese da defesa de que o crime estava prescrito. O advogado de Maluf, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), sustentou a tese de que a prescrição começava a contar a partir do momento em que ele foi enviado para o exterior, em 1998. Se for considerado que, enquanto houver movimentação no dinheiro, o crime está sendo cometido, a lavagem é um crime imprescritível, o que não existe no ordenamento brasileiro. Kakay já informou que agravará da decisão.

Ficou vencido o ministro Marco Aurélio, para quem a prescrição conta a partir da data do cometimento do crime. E no caso de Maluf, que tem mais de 70 anos, o prazo prescricional é de metade do aplicado aos demais réus. Mas ele concordou que houve o cometimento do crime, embora a pena tenha prescrito.

As contas seriam o destino de US$ 15 milhões desviados de obras superfaturadas em um esquema de empreiteiras com a Prefeitura de São Paulo, quando Maluf era prefeito, entre 1993 e 1996. “Entendo devidamente constatada a materialidade, bem como a autoria do réu Paulo Salim Maluf, que entre o ano de 1998 e 2006, de forma permanente, ocultou e dissimulou valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva”, afirmou Fachin, que integra a 2ª Turma, mas voltou para a 1ª Turma apenas para julgar o caso, do qual é relator.

Separação de poderes
Apesar de haver previsão para cumprimento de penas menores de oito anos em regime semi-aberto, o colegiado entendeu que, nesse caso, o Maluf deve ficar em regime fechado. E diante de recente entendimento da 1ª Turma no julgamento do deputado Paulo Feijó, a Mesa Diretoria da Câmara dos Deputados deve declarar automaticamente a perda de mandato do parlamentar, sem a necessidade de apreciar o caso no Plenário da Casa.

A defesa de Maluf entrará com embargos infringentes e acredita que a pena só deve ser cumprida após o Pleno do Supremo analisar o caso.

A ministra Rosa Weber tem a mesma percepção sobre o caso. “Lavagem de dinheiro ou ocultação é crime de natureza permanente, não é instantâneo com efeito permanente. São crimes de consumação continuada enquanto o bem não aparecer. Ou seja, a consumação se ultima quando o bem deixa de ser oculto”, sustentou.

Crime permanente
Em seu voto, Barroso detalhou o caminho que o dinheiro desviado percorreu e disse estar convencido de que as contas foram movimentadas até 2006. “Dessa forma, os valores só deixaram de ser ocultos quando foram descobertos após o envio de documentação por meio de cooperação jurídica internacional. Assim, penso que a consumação do delito modalidade ocultação ocorreu até 2006. Por essa razão eu estou afastando a prescrição em relação ao fato e julgo procedente a pretensão punitiva para condenar o réu”, argumentou.

Por pouco, salientou o ministro Luiz Fux, o réu “não sai ileso de tantas infrações”. “Salvou-se de quase todas as acusações, mas ficou por essa última. Defendo a natureza permanente do crime de lavagem de dinheiro. A conta só foi estagnada pelo conhecimento dos fatos, que se deu em 2006, o que conjura completamente a ideia de prescrição”, resumiu.

Atenuantes e agravantes
Fachin também foi acompanhado na fixação da dosimetria da pena, inicialmente, a pena em 6 anos de reclusão. Ao finalizar o cálculo levando em conta as atenuantes e os agravantes, a condenação foi de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão.

Também estabeleceu-se multa de aproximadamente R$ 1,3 milhão, equivalente a 248 dias-multa no valor do salário mínimo da época multiplicado por três. “Mesmo fixada no valor máximo, o valor dia da multa é ineficaz, o qual o réu possui declarado ao Tribunal Superior Eleitoral R$ 39 milhões em patrimônio. Diante disso, entendo aplicável ao caso o dispositivo e aumento a multa em mais três vezes”, explicou.

Maluf também perderá, em favor da União, bens, valores e direitos do objeto da lavagem do dinheiro.

O advogado de Maluf, Antônio Carlos de Almeida Castro, afirmou que vai recorrer. Sobre a movimentação nas contas referidas pelos ministros, ele afirma que não procede, pois elas estão bloqueadas desde 2001. “Na verdade, nesse caso, poderia ensejar até embargo de declaração, porque o ministro Barroso concordou com nossa tese. Os últimos pagamentos com dinheiro da conta foram feitos para o escritório do Deutch Bank, não para a empresa da família Maluf, como foi apontado”, alega. 

Clique aqui para ler o voto do ministro Fachin.
AP 863

*Texto alterado às 21h51 do dia 23/5/2017 para correção de informação.

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