Perdão como pagamento

Joesley merece benefícios por mostrar putrefação da política, diz Janot

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23 de maio de 2017, 13h36

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, publicou artigo justificando os benefícios que concedeu aos irmãos Wesley e Joesley Batista, da JBS, em troca das informações colhidas por eles. Por terem gravado o presidente Michel Temer (PMDB-SP) dando anuência para ter seu nome usado em troca de favores e o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) pedindo propina, os empresários tiveram extinta a possibilidade de serem punidos pelos crimes que cometeram e puderam permanecer nos Estados Unidos, sem qualquer controle das autoridades.

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Janot diz que sistema penal não conseguiria obter as informações sem a ajuda dos delatores.

Além desses crimes, Joesley Batista diz em uma das gravações que tinha um informante entre procuradores que atuam na operação “lava jato” e que também comprou dois magistrados, um titular e outro substituto. Para Janot, tudo isso justifica a ausência de punição aos irmãos Batista proposta pelo Ministério Público Federal e aceita pelo ministro Luiz Edson Fachin, no acordo de delação premiada.

Em artigo publicado no UOL nesta terça-feira (23/5), o procurador-geral admite ainda as inúmeras limitações das investigações brasileiras — que nos últimos tempos tem se calcado apenas em grampos e delações —, dizendo que o sistema penal brasileiro jamais teria chegado a esse nível de apuração sem as confissões dos empresários.

“Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros, não conheceríamos as andanças do deputado com sua mala de dinheiro, nem as confabulações do destacado senador ou a infiltração criminosa no MPF”, afirma.

“Quanto valeria para a sociedade saber que a principal alternativa presidencial de 2014, enquanto criticava a corrupção dos adversários, recebia propina do esquema que aparentava combater e ainda tramava na sorrelfa para inviabilizar as investigações”, complementa.

Janot critica ainda o que chama de mudança de foco, já que a imprensa, e parte da classe política e da jurídica, têm criticado os benefícios concedidos. Segundo o PGR, “mesmo diante de tais revelações, o foco do debate foi surpreendentemente deturpado”. “Da questão central — o estado de putrefação de nosso sistema de representação política — foi a sociedade conduzida para ponto secundário do problema — os benefícios concedidos aos colaboradores”, critica.

Ainda tentando mostrar que fez o bem ao país, Janot cita uma proposta de acordo — já recusada — feita pelo MPF ao grupo J&F, que é o controlador da JBS, de pagamento de multa de R$ 11 bilhões. Menciona também que há possibilidade de a holding ser punida com base nas leis anticorrupção e de improbidade.

Complementa dizendo que há um outra possibilidade de punição, devido às investigações da Comissão de Valores Mobiliários sobre a compra futura de dólares que a J&F fez um mês antes da divulgação dos áudios. Nessa posição assumida, o grupo lucrou com a alta de 8,15% da moeda americana na última quarta-feira (17/5).

Prêmio ao criminoso
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello explica que o Ministério Público não poderia ter feito o acordo nos moldes que fez. “Uma coisa é você diminuir o peso da sanção. Outra é deixá-los livres para aproveitar as ilicitudes que cometeram”, diz.

Para Bandeira de Mello, os responsáveis por firmar o acordo “agiram contra todo o Direito Constitucional brasileiro”, pois “indivíduos que confessam crimes não podem depois ser premiados”.

A situação, continua, é mais uma mostra da real faceta da PGR. “Se alguém tem ilusões com a Procuradoria da República e com o Ministério Público, não é o meu caso. Sempre achei que eles eram parciais. Portanto, gente assim não merece respeito. Não tenho por eles nenhuma consideração”, diz.

O ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) Leonardo Sica destaca que a situação dos irmãos Batista passa uma imagem muito ruim à sociedade. “Se você vender um cigarro de maconha ou roubar um celular, vai preso e não tem alternativa. Se desviar muitos milhões de reais dos cofres públicos e tiver um gravador no bolso não te acontece nada.”

Esse modelo de Justiça que está sendo construído pela PGR, segundo Sica, não usa como base a lei, mas a delação premiada. Ele afirma que, ao aceitar esses seguidos descumprimentos na obtenção de provas, o Judiciário diz ao povo que a Justiça não se faz com base na legislação.

“A delação premiada oferece benefícios com base na lei, ela não oferece uma impunidade geral”, diz Sica, complementando que há outra mensagem deixada desse caso todo: “Se for roubar, roube muito, e tenha alguém para delatar”.

Fachin e Janot
Causou estranheza aos advogados as seguidas atuações monocráticas do ministro Luiz Edson Fachin em todo esse processo da delação. “Não entendo nem porque essas delações foram distribuídas ao ministro Fachin. Porque ele tem a prevenção de distribuição dos casos da ‘lava jato’ por força da construção dos crimes conexos ligados à Petrobras. Mas não vejo nada da Petrobras nesse caso da JBS”, diz Leonardo Sica.

Já Bandeira de Mello destaca que Fachin sequer poderia ter afastado Aécio Neves de suas funções, pois isso é atribuição do Senado, e não do STF. “Estamos com o Estado de Direito Submerso há muito tempo”, analisa.

Essas divergências também são citadas pelo criminalista Fernando Hideo Lacerda, para quem “o que está valendo é o juízo discricionário”. “Assim como um ministro tira um julgamento da turma e joga para o plenário por razões que ele volta-se a sua consciência, outras vezes, ao invés de ampliar o polo, o restringem.”

Especificamente sobre Janot, Bandeira de Mello vê possibilidade de responsabilização, desde seja demonstrada a relação entre os problemas enfrentados pelo país e a delação. Já advogado e ex-procurador de Justiça Roberto Tardelli condiciona uma eventual punição ao PGR à maneira como o STF analisará todo esse caso. Se a corte anular as provas, diz, “aí, o procurador-geral da República está em maus lençóis”.

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