Direito Civil Atual

Qual é o prazo prescricional da responsabilidade contratual? (parte 3)

Autores

  • Judith Martins-Costa

    foi professora adjunta de Direito Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutora e livre docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Presidente do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC) e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ).

  • Cristiano de Sousa Zanetti

    é professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharel mestre doutor e livre-docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em Sistema Jurídico Romanístico Unificação do Direito e Direito da Integração pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata. Foi vice-reitor executivo adjunto de Administração da Universidade de São Paulo.

22 de maio de 2017, 8h00

ConJur
Nas colunas anteriores, foi posto em discussão recente aresto do Superior Tribunal de Justiça[1] que concluiu ser trienal a prescrição da pretensão à responsabilidade contratual com argumentos de ordem literal, sistemática e axiológica. Na semana passada, analisou-se o fundamento literal empregado pela decisão, de modo a esclarecer que a expressão “reparação civil” constante do artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil se refere em caráter primário à responsabilidade extracontratual. Cumpre agora abordar o argumento sistemático invocado pela Corte.

Trata-se de providência que se afigura de rigor, pois o dado literal é apenas o ponto de partida à devida inteligência da regra contida no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil e deve ser sucedido e complementado pelo método lógico-sistemático. Afinal, “a verdade inteira resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida”[2], sendo vedado ao Direito – que é ordenamento, e não caos – não guardar uma lógica entre os seus comandos.

No direito dos contratos, a regra é a execução específica. Se houver mora, o credor poderá exigir que o devedor cumpra exatamente aquilo a que se obrigou mais as perdas e danos decorrentes da inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados, conforme se infere da leitura dos arts. 389, 394 e 395 do Código Civil. Se houver inadimplemento definitivo, o credor poderá optar entre a execução pelo equivalente e, observados os pressupostos necessários, a resolução, além de poder exigir, em qualquer caso, o pagamento das perdas e danos, de acordo com o previsto no artigo 475 do Código Civil[3].

A coerência reclama que o credor esteja sujeito ao mesmo prazo para exercer as três pretensões que a lei põe à sua disposição para reagir diante do inadimplemento[4].

Como já foi observado, carece de sentido afirmar que o credor tem um prazo para exigir o cumprimento e outro para o pagamento da indenização[5]. Se a pretensão ao adimplemento ainda não foi encoberta pela eficácia da prescrição e, portanto, o contratante pode exigir a observância ao avençado, a lógica reclama que também lhe seja possível, no mesmo lapso temporal, responsabilizar o devedor pelos danos decorrentes do descumprimento. Pode-se afirmar o mesmo a propósito da execução pelo equivalente e da resolução. Se o credor ainda pode reclamar a prestação substitutiva ou a extinção da relação contratual, deve-se igualmente lhe reconhecer a pretensão indenizatória decorrente do inadimplemento definitivo.

Nesse cenário normativo, a entender-se incidente a regra geral contida no artigo 205 do Código Civil, e não a prescrição trienal, resta preservada a integridade do ordenamento. Diante da mora, o credor tem, como regra geral, o prazo de dez anos para exigir a execução específica. Diante do inadimplemento definitivo, a regra geral igualmente confere ao credor dez anos para exigir a execução pelo equivalente ou, observados os pressupostos legais, a resolução. Seja em caso de mora, seja em caso de inadimplemento definitivo, o credor, sempre com fundamento na regra geral, tem, em adição, os mesmos dez anos para exigir o pagamento de indenização que lhe for devida.

Segue-se daí que a orientação defendida pelo recente o julgado do Superior Tribunal de Justiça põe em xeque a racionalidade do Código nesta matéria, pois, diante de um mesmo inadimplemento, leva à aplicação do prazo trienal para a indenização e do prazo decenal para os demais direitos que são reconhecidos ao credor também em face do inadimplemento do contrato.

A hipótese de mora é ilustrativa. Nesse caso, o credor teria dez anos para exigir o cumprimento da prestação, mas apenas três para exigir a indenização decorrente da inobservância do tempo, lugar ou modo pactuados por parte do devedor. Passados três anos, o devedor poderia, assim, obter o efeito equivalente à purgação da mora sem, todavia, ressarcir os prejuízos causados ao credor, o que contrastaria com a regra constante do artigo 401, inciso I, do Código Civil. O mesmo se verifica na hipótese de inadimplemento definitivo. O credor teria então dez anos para pleitear a execução pelo equivalente ou, se cabível, a resolução, mas apenas três para reclamar o pagamento das perdas e danos decorrentes do inadimplemento. O artigo 475 do Código Civil passaria, então, a ser aplicado pela metade.

A preservação da coerência do ordenamento jurídico exige que, como regra, o credor tenha à disposição o mesmo prazo para exercer os distintos direitos que possui diante do descumprimento, a saber, a execução específica, a execução pelo equivalente ou a resolução, somadas, em todas as hipóteses, às perdas e danos decorrentes do inadimplemento. O raciocínio em sentido diverso priva de lógica e de coerência o ordenamento e, portanto, não encontra abrigo entre nós.

Na semana que vem, em sequência à análise dos fundamentos suscitados pelo aresto, será analisado de maneira crítica o fundamento axiológico empregado pelo aresto do Superior Tribunal de Justiça para defender a aplicação da prescrição trienal da pretensão à responsabilidade contratual.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).


[1] REsp 1.281.594/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze. j. 22.11.2016.

[2] Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 106.

[3] Martins-Costa, Judith. O árbitro e o cálculo do montante da indenização, p. 5 (Texto ainda não publicado). No mesmo sentido, Zanetti, Cristiano de Sousa. A transformação da mora em inadimplemento absoluto. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril/2014, v. 942, p. 13-14; e Zanetti, Ana Carolina Devito Dearo. Contrato de distribuição. O inadimplemento recíproco. São Paulo: GEN-Atlas, 2015, p. 121 e ss.

[4] Martins-Costa, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, t. II. p. 160-162; e Theodoro Jr., Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e decadência. Da prova. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. III, t. II. p. 310 e 332-334.

[5] Martins-Costa, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, t. II. p. 160-162; THEODORO JR., Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e decadência. Da prova. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. III, t. II. p. 333; Maluf, Carlos Alberto Dabus. Código Civil comentado: artigos 189 a 232. Atlas: São Paulo, 2009, p. 111-112 e Carneiro, Athos Gusmão. Prescrição trienal e “reparação civil”. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./set. 2010, v. 13, n. 49, p. 18-19.

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  • Brave

    foi professora adjunta de Direito Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutora e livre docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Presidente do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC) e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas (ABLJ).

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    é professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharel, mestre, doutor e livre-docente em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em Sistema Jurídico Romanístico, Unificação do Direito e Direito da Integração pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata. Foi vice-reitor executivo adjunto de Administração da Universidade de São Paulo.

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