Justiça Tributária

Só um choque de realidade permitirá a reforma tributária

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

22 de maio de 2017, 8h00

Spacca
Divulgou a imprensa na semana passada que o presidente Michel Temer “avalia corrigir no segundo semestre a tabela do Imposto de Renda para ampliar a atual faixa de isenção.”

Segundo Gustavo Uribe, repórter da sucursal da Folha de São Paulo em Brasília, tal medida faria parte de um “pacote de bondades”  que pode incluir outras medidas, como o reajuste no Bolsa Família e mudanças nos juros para o consumidor.

Em nossa coluna de 25 de janeiro de 2016 assinalamos que:

“A tabela de retenção do imposto de renda está defasada em cerca de 72%. O limite de isenção, que deveria ser de pouco mais de R$ 3.250,00, levando em conta apenas o índice oficial da inflação, foi fixado para este ano em R$ 1.903,98. Sendo a tabela progressiva, o assalariado que recebe R$ 4.000 (já descontada a previdência) arcará com o desconto de R$ 263,87, quando deveria pagar apenas R$ 57,15. Fica prejudicado em R$ 206,72, o que daria para pagar a condução do mês todo ou comprar umas duas camisas razoáveis. Se a renda mensal chegar a R$ 30.000 o prejuízo mensal é de R$ 614,09, mais de R$ 7.200,00 num ano.”

Essa defasagem ocorre desde 1996 e atualmente alcança 83%, a prejudicar especialmente os trabalhadores assalariados, contribuintes que não encontram formas de fugir a essa injustiça.

A Lei 4.862 de 29 de novembro de 1965 determinava no parágrafo 3º do seu artigo 1º que:

  “§ 3º A partir do exercício financeiro de 1967, os limites das classes de renda líquida de que trata este artigo serão atualizados, anualmente, em função de coeficientes de correção monetária estabelecidos pelo Conselho Nacional de Economia na conformidade da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964.

A mesma Lei estabelecia ainda que:

“Art. 2º As importâncias expressas na legislação do imposto de renda, em função do mínimo da isenção estabelecido para a tributação da renda liquida percebida pelas pessoas físicas, serão atualizadas, anualmente, de acordo com o disposto no art. 1º, aplicando-se aos demais casos a norma estabelecida no art. 3º da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964.

Vê-se, assim, que a legislação tributária do período ditatorial fixava normas mais próximas da Justiça Tributária do que as que hoje vigoram nesse regime democrático em que vivemos. Não é razoável ignorar os efeitos da inflação sobre o tributo a que nos sujeitamos.

O vigente Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, define o fato gerador do imposto de renda como a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica.   Com o efeito inflacionário, o valor tributável (base de cálculo) não sofre aumento real de um exercício para outro. Esse “aumento” deve ser corrigido na proporção do efeito inflacionário, sem o que está o contribuinte pagando além do que deveria.

A não atualização do limite de isenção implica em arrecadação excessiva, prejudicando todos os contribuintes. Cria, ainda, um volume enorme de restituições, que representam na verdade apenas que foi retido valor excessivo de imposto na fonte. Em outras palavras: o contribuinte financiou o Tesouro Nacional de forma compulsória. Além de prejudicar o contribuinte isso também afeta a economia, pois os valores retidos poderiam ser utilizados no consumo ou mesmo em investimentos privados.

A legislação do imposto de renda comete muitas outras falhas e injustiças ao ignorar a realidade. Boa parte delas está nos limites dos abatimentos. Os valores relativos a despesas com dependentes, por exemplo, são ridículos. A dedução mensal, hoje, não chega a R$ 200,00, isto é, menos de R$ 7,00 por dia!  O valor é tão ridículo que nem vale a pena comentar.

As despesas com educação (na verdade são investimentos) estão hoje limitadas a menos de R$ 3.600,00 por ano. Ou seja, uns R$ 300,00 por mês!!!  Eis aí mais uma prova inequívoca de desobediência a normas constitucionais por parte das autoridades da Receita Federal.

Diz a nossa Constituição no seu artigo 6º:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Claro está que para exercer esses direitos existem custos. Se os mesmos não são admitidos como despesas ou investimentos e terminam por sofrer tributação injusta, o que as autoridades constituídas fazem é IGNORAR ou DESOBEDECER a Constituição. Simples assim.

Da mesma forma, é imprescindível que possa o contribuinte corrigir monetariamente os bens que integrem seu patrimônio de ano para ano, conforme a inflação do período. Sem tal proteção, pode sofrer injusta tributação sobre um “ganho de capital” inexistente ou irreal.

A reportagem citada no início desta matéria menciona ainda que a possível correção da Tabela do IRPF poderia ser compensada ou coberta com a arrecadação do imposto sobre heranças e doações. Já existe imposto de competência dos Estados que atingem tais fatos ou operações. Se a União tentar invadir essa área por certo ocorrerão questionamentos judiciais.

Ora, a Constituição criou desde 1988 o Imposto sobre Grandes Fortunas. Não sabemos por que até hoje isso não foi regulamentado através de Lei Complementar e dos mecanismos que dela possam originar.Em nossa coluna de 27 de abril de 2015,  com o título “Criar tributo sobre grandes fortunas ou sobre herança, eis a questão”,  examinamos esse tributo, reportando-nos inclusive a um projeto apresentado no Congresso onde há até especificação das alíquotas propostas para sua cobrança.

Ninguém mais duvida da necessidade de uma verdadeira reforma tributária neste país. O presidente Temer já a anunciou em uma entrevista, como aqui relatamos anteriormente.

O Brasil está passando por uma séria crise política. Isso não impede, aliás até incentiva, que estudemos a questão tributária. Sem um sistema eficaz, onde a carga da arrecadação seja compatível com as necessidades do país e ao mesmo tempo suportável pela sociedade brasileira, não sairemos jamais das nossas dificuldades no campo econômico.

Todos sonhamos com um país melhor. Isso será possível quando a carga tributária não for maior que 20 ou 25% do PIB, com um sistema bem elaborado, onde as regras sejam estáveis e haja segurança jurídica. Para isso, precisamos de um verdadeiro choque de realidade.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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