Direitos irrenunciáveis

"Lava jato" pressiona seus reféns a desistir de HC para esconder ilegalidades

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21 de maio de 2017, 16h49

A Constituição Federal de 1988 é um marco civilizatório da história nacional, momento muito importante de nossa democracia. Ela reconhece direitos que, do ponto de vista legal ou mesmo do direito natural, são irrenunciáveis pelo ser humano. A vida e a liberdade estão entre eles.

Não se admite que alguém possa renunciar à sua liberdade admitindo-se como escravo. Que se possa simplesmente admitir que um ser humano aliene seu corpo, abdicando  do direito de ir e vir. Que permita a tortura e que realize um pacto que inclua sua vida como produto. Qualquer manifestação de vontade neste sentido não tem valor jurídico, estando qualquer um legitimado a ir contra ela. Isso porque existe a questão de ordem pública, que não pode ser ferida sob pena de minar as bases dos princípios que regem a convivência humana.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, se refere à vida, à integridade pessoal, à proibição da escravidão e da servidão, à liberdade pessoal, listando ainda garantias processuais como presunção de inocência, liberdade de expressão e de crença, como direitos  "essenciais do homem que não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana". Esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Neste ponto, o Habeas Corpus é o mais essencial remédio constitucional consubstanciando a garantia de recurso que proteja contra atos que violem direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela Convenção. Após impetrado e de conhecimento da corte, e em especial da Corte Constitucional, é de se apreciar se dele é possível desistir.

A homologação da desistência só é possível no caso de visar preservar os direitos fundamentais, quando o pedido à corte colocar em risco as garantias inalienáveis. O exemplo claro ocorre quando uma pessoa já é defendida e um terceiro ingressa com Habeas Corpus. Qualquer um pode ingressar com o pedido de proteção aos direitos essenciais de terceiro, mesmo contra a sua vontade, apesar de haver legitimidade, falta interesse no caso do ser humano já estar assistido por advogado constituído.

O ministro Teori Zavascki, quando relator da Lava Jato, não homologou a parte dos contratos de delação premiada que previa desistência de Habeas Corpus e rezava quanto à renúncia ao direito de recurso por entender que isso fere o direito de acesso ao Judiciário. Ocorre que, mesmo com esta indicação de inconstitucionalidade, a força tarefa tem exigido daqueles que estão com seus corpus submetidos às autoridades de Curitiba a desistência do HC impetrado.

A história não escrita da Lava Jato conta com estes precedentes na construção e manutenção das ilegalidades. Na segunda fase da operação, houve um parecer da Procuradoria da República perante o STJ dando conta de que os presos estavam submetidos a tratamento desumano, ferindo a Convenção Internacional. Este HC foi arquivado com pedido de desistência do próprio preso submetido a prisão. Agora chega-se ao ponto emblemático. Sabendo-se da possibilidade do plenário da Suprema Corte enfrentar as prisões ilegais, alongadas e que representam uma antecipação da pena, o "refém" da operação é pressionado a desistir do HC perante a Suprema Corte.

Os procuradores e policiais federais visam que assim não sejam submetidos à mais alta corte do país as ilegalidades que vêm cometendo. Ocorre que a mais alta corte do país não pode permitir um precedente no qual as autoridades exigem uma manifestação viciada de vontade covardemente do ser humano ao qual a guarda de seu corpo está submetida. Assim, o ser humano encarcerado abriria mão de direitos irrenunciáveis e a Suprema Corte se demitiria de guardiã da Constituição e dos direitos mais elementares do ser humano.

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