Opinião

Transparência, o Supremo Tribunal Federal e sua intocabilidade

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19 de maio de 2017, 15h28

De uns tempos a esta data, dois fenômenos interligados acidularam debates na classe jurídica brasileira: um deles se constitui na chamada transparência, ou seja, a abertura de portais antes proibidos aos jurisdicionados, conhecendo o povo, então, particularidades ligadas aos funcionários públicos em geral, sem exceção de juízes, e de agentes do poder postos em exercício nas respectivas funções.

Houve tempo, não muito distante, em que magistrados, por exemplo, tinham vida particular revestida de discrição, vivendo o agente público nas sombras projetadas pela cumieira dos telhados da jurisdição. Agora não mais é assim, pois os juízes se desvestem de seus segredos, na medida do possível, expondo-se à visitação. Tal característica vale com ou sem a vontade de tais agentes, despontando muita vez no noticiário de jornais e redes de televisão.

O segundo fenômeno a ser examinado diz, sim, com o fato de tais agentes não se manterem em discrição quando postos numa imprudente berlinda construída por repórteres investigativos. Havendo menção a tais agentes, surge a conveniência ou necessidade de ripostamento. Instaura-se, então, um autêntico debate, o magistrado mencionado de um lado e, do outro, representantes do setor que divulgou o noticiário posto em evidência.

A reflexão vem a propósito de indiscrição de jornais quanto a ministro da Suprema Corte e ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na verdade, a esposa do ministro Gilmar Mendes, segundo consta, presta serviços jurídicos em escritório de advocacia que leva o nome de Sérgio Bermudes, eminente advogado com escritório atuando principalmente no foro de Brasília.

A banca de advogados citada estaria a representar um dos envolvidos em processo criminal resultante de investigação levando nome rotundamente realçado pelo Ministério Público Federal. Assim, o ministro em questão estaria proibido de analisar e emitir voto nos fatos referidos no procedimento em questão.

O noticiário respeitante ao tema, profuso, obrigou o ministro a esclarecer. Gilmar acentuou que aquele escritório não prestava serviços criminais ao réu em epígrafe, tornando-se a denúncia infundada. Paralelamente, surgiu também informação de que sobrinha do procurador-geral da República estava prestando serviços a terceiros em condições assemelhadas, motivando iguais explicações do representante máximo do Ministério Público. O choque ou reciprocidade de acusações, na hipótese vertente, atingiu os dois lados do campo de batalha, ferindo-se analogamente os contendores.

O assunto diz, é claro, com as incompatibilidades previstas no Código de Processo Civil brasileiro, com extensão no Código de Procedimento Penal. De outro lado, há aspectos práticos precisando ser levados em consideração, porque grande parte dos ministros e juízes das cortes sediadas em Brasília tem familiares exercitando atividades assemelhadas, principalmente na advocacia, surgindo então necessidade de precatamento quanto a possível enlaçamento nas entranhas dos setores jurisdicionais instalados ao redor.

Diga-se, além disso, que preocupação obsessiva quanto às particularidades em relevo tornaria muito difícil o exercício da profissão de advogado nas cortes instaladas em Brasília, porque a simples suspeita de haver impedimento ou suspensão levaria o profissional prudente a sequer entrar nas dependências do órgão jurisdicional posto sob os visores da curiosidade adjacente.

Cuida-se de assunto, repita-se, chamando a atenção dos cultores nacionais do Direito. Instala-se nas redonduras pluralidade de comentários, havendo quem diga que juiz e advogado sequer podem aproximar-se fora das relações estritamente profissionais. É assim e assim não é. Comenta-se, aliás, que Sobral Pinto, amigo íntimo de Victor Nunes Leal, se hospedava na casa deste antes de sustentações orais a serem postas em concreto no dia seguinte. Sobral era vencido, engolindo a derrota com normalidade objetiva. Há oportunidades, além disso, em que os advogados são surpreendidos com impedimentos anotados pelos juízes, sem que saibam quais as razões levando o magistrado a recusar jurisdição. Acontece.

Vem tudo isso a pelo em função dos comentários mencionados no introito, resultando a crônica, é claro, no primeiro fenômeno posto em realce, ou seja, a transparência. Sabe-se do parentesco entre juiz e advogado porque os segredos são cada vez menores. Conhece-se, além disso, uma ou outra fofoca correspondendo às preliminares dos julgamentos nas cortes de Justiça postas sob as câmeras de televisão.

Exemplo: um juiz, antes da sessão, parte para maquiar o rosto e as olheiras a fim de não demonstrar cansaço ou envelhecimento no transcorrer dos debates. O fato, em si, seria despiciendo, pois magistrado não precisa, necessariamente, apresentar-se caquético aos pares, valendo o mesmo para as eminentes magistradas, cônscias de ser a elegância feminina atributo fundamental à exibição no mundo externo.

Tudo isso vem a lume, agora, enquanto o entremear das disputas resvala nessas operações mefíticas envolvendo dezenas de acusados de corrupção no país. Paciência! Maquiado ou não, discreto ou não, com ou sem suspeição de enlaçamento em familiares, o juiz precisa julgar. Às vezes, sente até prurido sob os olhos enquanto impõe pena grave no seu voto, mas tal circunstância deixa de ser importante a não ser que a coceira resulte em castigo mais severo.

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