Escutas ilegais

Associação de MT defende que PM tenha acesso ao sistema guardião

Autor

16 de maio de 2017, 19h22

Apesar de admitir a gravidade dos grampos feitos pela Polícia Militar de Mato Grosso em um caso envolvendo tráfico de drogas, a Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar do estado defendeu o acesso da corporação ao sistema Guardião, responsável pelas escutas. “É por demais temerário impedir o acesso da PM a interceptações telefônicas considerando a atuação das inúmeras quadrilhas do crime organizado no Estado”, diz a nota — leia abaixo a íntegra.

“A Polícia Militar não pode ser responsabilidade como protagonista de práticas ilegais realizadas por maus profissionais, sob pena do trabalho policial realizado no Estado de Mato Grosso no combate à assaltantes a banco, quadrilhas de tráfico de drogas e armas, se tornarem inviabilizados”, afirma a associação.

Reprodução
Grampeados foram classificados como perigosos para justificar as escutas telefônicas.

Na segunda-feira (15/5), o comandante geral da PM de Mato Grosso, coronel Jorge Luiz de Magalhães, determinou a instauração de um Inquérito Policial Militar para apurar o suposto  desvio de conduta dos policiais militares. Ele esclareceu ainda que desconhece o uso indevido do Guardião e que o emprego do sistema é legal, pois só ocorre com autorização judicial.

“É preciso esclarecer de antemão que a Polícia Militar usa o ramal do Guardião exclusivamente para instruir Inquéritos Militares, e que o encarregado de IPM’s não tem o poder de interceptar ninguém, mas apenas de representar judicialmente junto a Vara Especializada da Justiça Militar pelos números telefônicos, cabendo ao magistrado autorizar a concessão ou não das interceptações nas apurações das infrações militares, depois de ouvido o Ministério Público”, disse Jorge Luiz.

Grampos aleatórios
No último domingo, foi divulgado pelo programa Fantástico, da Rede Globo, que o setor de Inteligência da PM-MT grampeou advogados, médicos, um jornalista e uma deputada estadual. Todos foram incluídos em um processo que apurava envolvimento de servidores da corporação com o tráfico de drogas no oeste de MT.

No pedido de inclusão dos nomes, os citados foram classificados como pessoas “de alta periculosidade”. As solicitações de interceptação telefônica citavam apenas apelidos, e não os nomes dos reais donos dos celulares. A autorização foi concedida pela Justiça estadual em 2014.

O Ministério Público afirmou que foi induzido a erro nas investigações, enquanto a PM diz ter aberto apuração interna. O promotor Mauro Zaque, ex-secretário de Estado de Segurança Pública, afirma que avisou o governo sobre a espionagem clandestina em 2015, quando recebeu uma denúncia anônima.

Em nota, Associação Mato-Grossense do Ministério Público disse que o ato para obter autorização para escutas telefônicas que buscam monitorar a vida de terceiros, e não a solução de crimes, "fragiliza as instituições democráticas, viceja 'forças paralelas', institui burla inaceitável ao sistema jurídico, insulta a Constituição Federal, as liberdades individuais e o Estado de Direito".

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso também anunciou procedimento investigativo, que tramita sob sigilo. Questionada pela ConJur, a corte declarou apenas que o caso já foi encaminhado à Corregedoria Nacional de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Ao programa Fantástico, Taques negou ter conhecimento do fato.

Problema profundo
O delegado Henrique Hoffmann, colunista da ConJur, reforça que a Constituição não dá à Polícia Militar o poder de investigar. "O discurso de combate à criminalidade não autoriza a militarização da investigação. Argumentos utilitaristas de que pretendam combater o crime rasgando a Constituição são típicos de Estados de Exceção”, complementa.

Para Hoffmann o caso exemplifica um conflito de atribuições que tem se tornado comum no processo de investigação brasileiro, que é a intenção da PM em ser mais participativa nas apurações. Ele lembra que a usurpação de funções por policiais militares obrigou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos a editar a Resolução 8/12.

O dispositivo, em seu artigo 2º, inciso XI, destaca que “os Comandantes das Polícias Militares nos Estados envidarão esforços no sentido de coibir a realização de investigações pelo Serviço Reservado (P-2) em hipóteses não relacionadas com a prática de infrações penais militares”.

“Pelo mesmo motivo o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Escher”, cita Hoffmann. O “conflito” tem abrangência nacional, diz o delegado, pois em muitos estados policiais militares realizam atos de investigação (tal como a interceptação telefônica) com a conivência da própria secretaria de segurança pública e a chancela do Ministério Público e do Judiciário.

“É a investigação criminal que deve obediência à Constituição, e não o contrário. Ademais, cada militar que se arvora na condição de autoridade policial significa um policial fardado a menos nas ruas prevenindo delitos. Não se pode reescrever a Constituição manu militari, como se mundo fosse um grande quartel e os cidadãos meros recrutas”

Reprodução
Em 2013, 17, dos 21 MPs brasileiros, tinham seu próprio sistema de escutas.
Reprodução

Escutas a granel
Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça listava 10,5 mil interceptações telefônicas em todo o Brasil. Três anos depois, novo levantando, agora do Conselho Nacional do Ministério Público, mostrava já 16 mil grampos — esses dados só contavam os feitos pelos MPs.

Ainda em 2013, segundo o próprio CNMP, das 30 unidades do Ministério Público brasileiro, 21 possuem ou conseguem acessar livremente sistemas de monitoramento de interceptações telefônicas. Dessas 21, 17 possuem equipamento próprio para fazer as gravações e quatro usam equipamentos cedidos por órgãos do Poder Executivo estadual para gravar conversas de alvos de suas investigações.

Até 2015, o uso desse sistema pelos MPs era feito em uma “zona cinza”, pois não havia definição expressa sobre essa atribuição ao órgão. Naquele ano, CNMP definiu que Ministérios Públicos de todo o país podem usar, por conta própria, ferramentas que administram grampos telefônicos e armazenam dados das interceptações, sem depender da polícia.

O tema foi levado ao debate em 2012 pela Ordem dos Advogados do Brasil, que, à época, apresentou pedido de providências cobrando auditorias nos sistemas adquiridos por órgãos do Ministério Público Estadual e Federal. Conforme o documento, o uso dessas ferramentas deveria ser monitorado, já que grampos retiram a intimidade e a privacidade dos investigados, que são garantias fundamentais da pessoa humana.

A confusão envolvendo grampos já chegou a ter escala nacional, com participação “ilustre” de uma empresa multinacional: o Whatsapp. As negativas aos pedidos das autoridades para grampear conversas feitas por meio do aplicativo o levou a ser bloqueado no Brasil por algumas horas e um executivo do grupo ao qual pertence a empresa a ser preso.

Leia abaixo a nota da Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar do MT:

NOTA PÚBLICA REFERENTE A DENUNCIA DE INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS ILEGAIS REALIZADAS POR POLICIAIS MILITARES EM MT

A Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar de Mato Grosso (ASSOF), entidade de classe que congrega 1.000 (mil) oficiais entre Tenentes e Coronéis da ativa e reserva, vem a público manifestar a indignação e repulsa contra as práticas de interceptações telefônicas ilegais denunciadas no Programa Fantástico da Rede Globo e veiculadas na noite deste domingo (14/05), onde um grupo de policiais militares teria agido à revelia da lei e a mando de políticos de nosso Estado contra personalidades de nossa sociedade.

Os Oficiais da Polícia Militar que se constituem em homens e mulheres cumpridores da lei, da moral e dos bons costumes, defendem a rigorosa apuração e investigação contra os fatos denunciados, pois entendemos que a mera ilação desse tipo de conduta, denigre e macula a imagem de mais de 10 mil policiais militares, que diuturnamente se dedicam a cumprir a lei, preservar a ordem pública e respeitar os direitos individuais.

Neste momento de quebra da ordem pública, onde agentes do Estado são acusados de ordenarem práticas ilegais e inescrupulosas, a Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar de Mato Grosso não poderia adotar outra postura que não fosse a de se colocar ao lado da sociedade e cobrar severas explicações.

Ao longo da história a Polícia Militar no Brasil e em especial no Estado de Mato Grosso vem desenvolvendo ações que orgulham a sociedade e dignificam o trabalho policial, mas isso só tem sido possível graças a devoção e o respeito à lei que todos nós militares cultuamos como ideal de vida.

A Polícia Militar não pode ser responsabilidade como protagonista de práticas ilegais realizadas por maus profissionais, sob pena do trabalho policial realizado no Estado de Mato Grosso no combate à assaltantes a banco, quadrilhas de tráfico de drogas e armas, se tornarem inviabilizados.

Durante o final de semana vimos autoridades da segurança pública e do governo precipitadamente anunciarem para impressa que iriam determinar a suspensão do acesso da Polícia Militar ao sistema guardião de interceptações telefônicas.

Em primeiro lugar a Associação dos Oficiais destaca que essas autoridades não possuem autorização legal para determinar essa suspensão, segundo ressaltamos que é por demais temerário impedir o acesso da PM a interceptações telefônicas considerando a atuação das inúmeras quadrilhas do crime organizado no Estado.

Por esse motivo a ASSOF defende adoção de medidas que não irão prejudicar as ações de combate ao crime organizado e que paralelamente, darão maior segurança aos procedimentos policiais e para isso, propomos quatro medidas:

1. Rigor e seriedade na apuração e a punição das pessoas que de maneira fraudulenta inseriram números de telefones de pessoas de bem no levantamento de informações por meio de interceptações telefônicas;

2. Responsabilização dos agentes públicos que determinaram ou autorizaram a realização dessas interceptações telefônicas ilegais;

3. Auditoria por parte do Ministério Público Estadual e Federal em todas os processos de interceptação telefônicas realizados pelos órgãos judiciais e de segurança, que estão em curso ou que foram realizados no Estado de Mato Grosso nos últimos anos, para se verificar a regularidades desses procedimentos;

4. Adoção de protocolos mais rigorosos na autorização e na realização de interceptações telefônicas para todos os órgãos do sistema de segurança pública (Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal, Ministério Público e etc), para evitar que fraude como a que foi denunciada, volte a ocorrer;

Por fim, a diretoria da Associação dos Oficiais informa a sociedade Mato-grossense que irá promover competente representação na Corregedoria da Polícia Militar de Mato Grosso para instauração de inquérito policial militar, a fim de se apurar as responsabilidades de todos os policiais militares envolvidos na referida denúncia.

Cuiabá (MT), 15 de maio de 2017.

*WANDERSON NUNES DE SIQUEIRA – TENENTE CORONEL PM

PRESIDENTE DA ASSOF*

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!