Opinião

Chutes, músicas e outras mágicas para provas e concursos

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15 de maio de 2017, 13h47

Questionado por aluno a respeito de críticas a mim dirigidas pelo ilustre professor Lenio Luiz Streck, veiculadas neste prestigioso site, venho trazer resposta breve.

Inicialmente, elogio a revista eletrônica Consultor Jurídico pela contribuição relevante que vem dando ao debate na comunidade jurídica. Igualmente, realço a importância da crítica, ainda mais quando procede de pessoas com o cabedal de conhecimentos do professor Lenio Streck. Por outro lado, senti necessidade de exercer o direito de resposta.

A crítica à qual me refiro foi veiculada em texto que contém link que remete o leitor a meu artigo e foto. Não costumo responder críticas, mas às vezes o silêncio pode ser interpretado equivocadamente como anuência. Entendo que, se por um lado a crítica é saudável, a forma como ela é veiculada pode não o ser.

Embora escreva muitos artigos, faço-o para defender teses e ideias, mas não para defender o caminho que escolhi dentro do variado leque possível no magistério. Uma coisa é defender, por exemplo, as cotas, como faço desde que este assunto era tabu. Dirijo-me a terceiros professando uma ideia. Não é assim no caso do chamado “chute”, tema que foi objeto de crítica. Ensino o “chute” para meus alunos. Não preciso fundamentar nada, pois eles não só já me conhecem e confiam em mim como saber, por conta própria, de sua necessidade, pois vivem esse momento em suas vidas.

Erra, aliás, quem pensa que o “chute” só ocorrerá em questões de múltipla escolha ou em questões mal formuladas. Enquanto existirem provas e concursos, haverá espaço para o “chute” e, logo, para o chute consciente. Mas sobre isso direi em seguida. Antes, algumas observações.

Eu, lá pela 8ª série de ensino fundamental, era o melhor aluno de Geografia, com as melhores notas e, por isso, o predileto do professor. Naquela época, imaturo, ainda julgava ter as melhores notas e o topo do pódio, e, logo, o lugar de destaque, como algo que valia mais do que realmente vale. Vale, claro, mas não tanto quanto as pessoas pensam (e quem diz isso acumula várias primeiras colocações, impedindo a impressão de ser esta opinião movida por despeito ou inveja). Eu costumava tirar nota máxima em todas as provas e uma das estratégias de estudo que utilizava era, sozinho, em casa, fazer um questionário o mais extenso possível. Munido do livro e do caderno, imaginava toda e qualquer pergunta que o professor pudesse elaborar. A técnica era eficiente: em geral eu já tinha formulado e respondido a pergunta que apareceria na prova, e por fazer isso já estava com ela assimilada e memorizada,e ainda era rápido para responder. A prova não era novidade e meu desempenho era tão bom que parecia que eu tinha tido acesso prévio a ela. Na verdade, eu tinha. Não era mágica, como pensavam meus colegas, ou genialidade, como pensava meu professor.

O curioso é que certa feita estava em sala e um outro aluno, que desconhecia minha técnica, pediu ao professor de Geografia se ele poderia passar um questionário para os alunos estudarem para a prova. O professor, de quem eu gostava, fez uma cara de desprezo, quase de nojo, dizendo que apenas alunos fracos precisavam de questionário. Disse ele, os bons alunos estudavam e aprendiam sem isso! Confesso que, marota e malvadamente, interrompi o professor e disse que eu estudava justamente por questionários (e todos sabiam que rotineiramente a minha nota era a maior da turma). O professor ficou completamente desconcertado e meu coleguinha esboçou um aliviado sorriso.

Sobre esse evento, três notas.

Primeiro, já naquela época não gostava de ver alguém menosprezar outrem, ainda mais em situação que expressasse alguma inferioridade de armas. Professor ironizar aluno, ou professor já estabelecido ironizar professor em início de carreira, é algo que não aceito. Meu lado cristão assim como meu lado juiz me fazem não ficar silente.

Segundo, na época, ainda gostava muito de enfrentar os professores. Arrogante, como é comum nas pessoas com QI acima da média (aliás, nas pessoas com qualquer coisa acima da média: cultura, dinheiro, beleza, poder), e já com notas acima das que tinham meus colegas, eu esgrimava com os professores. Aquilo, todos conhecem, de o aluno fazer uma pergunta que o professor não sabe. Eu tinha isso. Logo, provar que o professor estava errado sobre a validade dos questionários era não só uma defesa do colega, mas também um prazer pessoal. O tempo e muito sofrimento recebido e causado terminaram , felizmente, me ensinando que devemos ser humildes e que os professores não existem para serem vencidos, mas ouvidos.

Terceiro, aquilo que era desprezado pelo meu professor como algo “menor” no mundo do estudo era, na prática, eficiente, e isso o chocou. Ele desprezava algo que era eficiente. Simples assim. Os mais estudados costumam ir se encastelando. Como o intelectual admira o saber e, logo, a capacidade de aprendizado, tende a, se não se cuidar, começar a desprezar quem não ocupa os mesmos patamares intelectuais. Assim como os ricos financeiramente tendem a, se não se cuidarem, desprezar os mais pobres, igual fenômeno ocorre entre os plasticamente belos, entre os poderosos, e assim vai a humanidade; vaidosa e, do ponto de vista humano, pobre. Pobres homens ricos, pobres homens poderosos, pobres homens sabidos e estudados, pobres homens bonitos.

Outro exemplo é o desprezo que muitos intelectuais têm em relação aos mapas mentais, técnica originalmente desenvolvida por Tony Buzan, que é de extrema eficiência, mas constantemente objeto de ironias daqueles que não precisam dela. Sim, alguém com maior facilidade de aprendizagem pode dispensar os mapas mentais. Se os usassem, tais pessoas, já muito capazes, seriam ainda mais eficientes, mas não querem usar essas coisas esquisitas, ou, como disse o professor Marcelo Hugo da Rocha, essas “simpatias” (cito esse assunto na minha resposta completa ao professor Lenio, disponível em meu site). Vale dizer que os mapas mentais são muito mais compatíveis com a rede neural do que as anotações blocadas, ou seja, o conhecimento da neurologia e da arquitetura natural do cérebro demonstram uma das razões da eficiência dos mapas mentais. Não deveriam ser desprezados, portanto. Mas os intelectuais do mundo do Direito, que pouco conhecem de neuroaprendizagem, gastam seu tempo ironizando quem usa técnicas úteis para democratizar o acesso ao conhecimento. Uma lástima.

Os mapas mentais fazem mágica ao utilizarem a mais sofisticada tecnologia da aprendizagem, mas enfrentam sábios que desprezam aquilo que parece algum tipo de “malandragem”. Uma pena.

Enfim, o que posso dizer é que as críticas aos professores que usam métodos não ortodoxos são equivocadas. Aliás, ao tratarmos das críticas, precisamos fazer um corte: uma coisa é criticar o sistema dos concursos e/ou do ensino jurídico, o que é válido; outra, é criticar os professores dos cursos preparatórios, os quais tão somente preparam os seus alunos para aquilo que será cobrado. Isto é acusar quem é inocente, quem apenas ajuda a enfrentar um sistema duro, às vezes injusto, mas ainda assim o melhor método de seleção que dispomos atualmente.

Enfim, estas breves considerações são para trazer rápida notícia de que não tenho problemas com a crítica, mas com seu modo e seu conteúdo, sim. Não concordo, por exemplo,  com a forma como alguns críticos tratam os colegas professores universitários e esquecem a parte do problema do ensino jurídico que cabe ao MEC, OAB e IES.

Nem todo mundo precisa saber Direito no nível que sabemos. Há concursos para cargos e níveis em que os candidatos só precisam saber o básico. Quem apoiaria a crueldade de, em um concurso para nível médio, não existirem livros adequados para o concurseiro estudar? Friso isso: há uma parte dos livros simplificados, esquematizados e resumos que é e sempre será adequada. Errado será se as bancas exigirem para um técnico de nível médio o mesmo conhecimento (logo, o mesmo livro) que se exige para uma pós-graduação ou concurso para as carreiras do MP ou da Magistratura.

1. Sobre o “chute consciente”, ciência da seleção, Estatística, Heurística, Conhecimento Residual, Teoria da Resposta ao Item etc.
Considerando a crítica deselegante à “técnica do chute consciente”, faço algumas rápidas observações. Qualquer crítica leal ao meu artigo deveria mencionar as ressalvas que eu mesmo faço no corpo do texto de minha autoria (cujo link foi inserido no artigo do Professor Lenio). Eis aqui:

“Antes de começar, é importante fazer algumas ressalvas. A atitude correta diante de uma questão que não se sabe não é a tensão, o nervosismo, o desespero ou coisa semelhante. A primeira atitude é se prometer sinceramente que vai estudar mais para não passar tão facilmente por essa situação na próxima prova.

O ‘chute’ não é uma ciência exata e não substitui a preparação, é apenas uma alternativa para, na falta do conhecimento necessário, arriscar uma resolução. Reforço, o ‘chute’, por mais consciente que seja, não substitui o estudo. Além disso, nem sempre a resposta certa será aquela que a ‘técnica do chute’ indicar. Estamos lidando com tendências, chances, tentativas de acertar. Dito isso, vamos a alguns novos conceitos” (grifos meus, neste dia).

E encerro o artigo dizendo:

“Estude com afinco, prepare-se da melhor maneira possível e lembre-se do lema do BOPE: ‘Treinamento duro, combate fácil’. Na preparação para os concursos, quanto mais você treinar, fizer questões e conhecer a matéria, mais fácil será a prova e mais gols você fará, com menos ‘chutes’ (os grifos são meus, feitos nesta data).

Daí, para qualquer um que queira criticar a técnica do chute, deixo uma questão de múltipla escolha, esperando que de forma serena escolha a alternativa correta.

O que é melhor quando o aluno não sabe uma questão:
(a) não chutar, diminuindo a chance de ser aprovado;
(b) chutar de qualquer jeito, sem raciocinar; ou,
(c) chutar com consciência, utilizando seu conhecimento residual e/ou a heurística?

Recomendo ao aluno que estude, mas, na prova, se precisar, que seja inteligente. Inteligência, em seu melhor conceito, é “adaptação em busca da felicidade” (Luiz Machado, neurocientista brasileiro). Aliás, atribui-se a Albert Einstein, Nobel da Física de 1921 e Prêmio Max Planck de 1929, a preciosa lição de que a “imaginação é mais importante do que o conhecimento”. Na condição de professor de concursos, devo ensinar ao candidato como chutar com consciência. Eu sei que esse exercício tem fundamento na Matemática, na Estatística e na Lógica, matérias acadêmicas cujo aprofundamento seria perda de tempo para o aluno de concursos. Eu poderia até mesmo dar a eles uma aula de “conhecimento residual”, “heurística”, “Teoria de Resposta ao Item”, “educated guess”, o que faria muitas pessoas me acharem o máximo, sábio, inteligente, mas acho que seria uma maldade com o aluno, pois ele não precisa saber isso, já tem muito o que estudar, família, pressão, dívidas etc.

Enfim, vale anotar que a premissa de que nos concursos públicos “são feitas perguntas que não passam de pegadinhas e exercícios de memorização” não é totalmente verdadeira. É generalização e mostra desconhecimento do trabalho sério que diversas organizadoras realizam, como o Cespe/UnB, FGV, FCC, Esaf etc.

A beleza do “chute consciente” consiste justamente no fato de sua eficácia ter como pré-requisito o conhecimento, o raciocínio e o saber residual.

Aos que criticam os concursos, lembro que nenhum método é perfeito. A grande pergunta é: que outro método de seleção seria mais justo e republicano? Adaptando a sabedoria de Winston Churchill: “Concurso público é a pior forma de seleção de servidores, à exceção de todas as outras que foram experimentadas”.

2. Sobre música e aprendizagem
O artigo também faz crítica ao uso da música. O aluno aprender é assunto, antes que jurídico, da Pedagogia, e os mais avançados estudos da Pedagogia e sobre neuroaprendizagem, com farta bibliografia disponível, recomendam a técnica. Ela é antipática para muitos juristas, mas funciona. Os estudos sobre utilização da música para aprendizagem podem ser úteis.

A Universidade de Yale, mais especificamente o Yale Center for Teaching and Learning (Centro de Ensino e Aprendizagem de Yale), publicou matéria que trata do Active Listening: Teaching with Music. Outro bom artigo sobre o tema foi publicado pela  Johns Hopkins School of Education, o Music and Learning: Integrating Music in the Classroom.

Quem tiver interesse em saber mais sobre isso, leia minha resposta completa.

3. Sobre como funciona ser aluno/professor/autor de curso/livro para concursos
Qualquer pessoa sabe que chute e música são parte do mundo das provas e concursos. Ainda é melhor lidar com isso do que não termos concursos e as pessoas serem escolhidas por compadrio, parentesco ou aparelhamento político. O mundo dos concursos tem suas mazelas, mas são mais nobres do que a indicação de esposa, amantes, filhos e amigos. Prefiro ensinar a passar do que chorar vendo cargos públicos serem ocupados por quem não estuda.

Outro ponto é que os alunos de cursos preparatórios merecem respeito. Qualquer pessoa sabe que os alunos de cursos preparatórios não são bolsistas da Capes ou CNPQ, ou abençoados com licenças remuneradas em seus cargos públicos de origem. São pessoas que estudam à noite, após trabalho duro e antes de chegarem em casa para cuidar dos afazeres domésticos. São pessoas que estão se sacrificando e que, perdoe-me quem não gosta disso, merecem todo nosso esforço. Se uma música, uma roupa diferente, uma vuvuzela ou algum outro recurso andragógico for utilizado, isso merece meu aplauso, não meu riso de escárnio. Quem não gostar disso poderá ir a outro lugar, quem gostar, assistirá e usará. Democracia. E vamos ver quem passa na prova, pois desde que aprenda e seja honesto, terá sido válido.

No ramo dos concursos, cujos professores vêm sendo criticados repetidamente, não existe estabilidade. Professores mal preparados não se criam, porque vivemos de resultados práticos e imediatos no mundo real. Não temos Capes, ABNT nem Lattes, não temos que ter publicações, mas aprovações. Ou ensinamos o que é necessário de um jeito que o aluno aprenda, ou estamos fora. Acho justo. Anoto que não tenho nada contra Capes, ABNT e Lattes, aprecio tudo o que trazem de bom dentro de seus espaços. Há no mundo espaço para as mais variadas belezas. A academia é bela, e o cursinho também, desde que cada um saiba bem o seu lugar e, nele, cumpra bem o seu papel.

Aos que desejam ter conhecimento da resposta completa, cuja dimensão excede o que é razoável para este espaço de resposta, convido a acessar a resposta completa.

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